A culpa é comumente associada com um sentimento tipicamente cristão. Não por acaso, filósofos, como Nietzsche, acusaram o cristianismo de ser um peso inconveniente sobre os ombros dos homens. O que Nietzsche não percebeu, porém, é que a mente atormentada pela culpa não surge, na história ─ como era de se esperar ─ numa era cristã, como a Idade Média, mas na Modernidade.
A culpa, como aquele sentimento permanente de insatisfação consigo mesmo por não fazer o que poderia ter sido feito, não era familiar ao homem medieval. Como membro do corpo social, ele tinha funções muito bem determinadas. Seu papel era obedecer ao destino que lhe era imposto. Assim, sem a perspectiva de ir além do que lhe cabia, não se culpava por não ter mais do que possuía.
Já na Modernidade o homem, desvinculado dos destinos da sociedade, passou a ter de traçar o seu próprio caminho. Com isso, foi forçado a desenvolver seus próprios métodos. Nesse contexto é que se proliferaram os conselhos de comportamento, as dicas de etiqueta e de postura, as regras, os hábitos e as disciplinas. Inclusive, exercícios espirituais, como os de Inácio de Loyola, fizeram muito sucesso.
Agora, responsável por cumprir suas próprias metas, o homem moderno passou a ser um vigia de si mesmo. Relaxar já não era mais uma opção. Surge então a rigidez puritana e a desconfiança constante de uma Santa Teresa D’Ávila, que dizia: “Não vos deis por seguras, nem vos deiteis a dormir. Ficamos nós mesmas e bem sabeis que não há pior ladrão”.
Na Modernidade, exigir mais de si passou a ser a regra. Não havendo mais definições claras do que cada um deveria fazer e poderia ser, sempre se podia acreditar que era possível fazer mais e ser melhor. A insatisfação, portanto, passou a ser a marca da modernidade.
Esta é a marca do homem moderno: alguém assombrado pela culpa de nunca conseguir ser o que acredita que poderia ser e nunca conseguir fazer tudo aquilo que acredita que poderia fazer. O homem moderno é alguém, enfim, condenado a ser um perpétuo insatisfeito.