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Platão: Prisioneiros da Caverna

Entre o que vemos e a realidade, em todos seus matizes e profundidade, há uma distância maior do que o senso comum costuma imaginar. A maioria das pessoas sequer se dá conta de que as coisas se dão da maneira como se dão. São como os prisioneiros da caverna de Platão.

Nessa alegoria, Sócrates sugere que Glauco imagine uma caverna, onde há homens acorrentados desde a infância, com grilhões nos pescoços e nas pernas, impossibilitados, por isso, de se mover para os lados e para trás, capazes apenas de olhar para a parede do fundo dessa caverna, onde vêem as sombras dos homens e objetos que se movimentam do lado de fora, acreditando consequentemente que as vozes que escutam pertencem a essas sombras.

E não é assim com a maioria das pessoas? Olham as coisas sem ter noção de que são apenas reflexos da verdade. Vêem somente a ponta mais visível da realidade e acreditam que se trata da realidade mesma. Deparam-se com algo, aprendem algo e logo concluem que não existe nada além daquilo.

O mundo está tomado de convicções, fé e certezas baseadas em aparências. Mesmo gente com poder se encontra nessa situação. Imagine então quanto das decisões que afetam a vida de quase todo mundo estão fundamentadas nessa visão parcial e pequena da realidade.

E pense o quanto, para aqueles que entendem a verdade em seus graus mais profundos, e que possuem más intenções, é fácil enganar os pobres coitados que só conseguem enxergar, quando muito, aquilo que está diante dos seus olhos.

Entenda que a realidade tem muitos graus de verdade. O que se sabe pode ser verdadeiro, mas dificilmente é imediatamente abarcado em sua totalidade. Por isso, é preciso aprender a olhar para além do visível. Lembrar-se que o que vemos costuma ser um mero sinal de uma verdade mais profunda e mais complexa, que só pode ser alcançada em um processo de conhecimento gradativo e paciente.

Lembre-se sempre que aquilo que você vê não é toda a verdade sobre aquilo que você vê. Dê tempo ao tempo e esforce-se por buscar compreender as nuances e profundidade daquilo que é captado por sua percepção mais imediata.

Sempre que se deparar com algo, pare e se pergunte: o que há além? O que existe a mais do que isso que estou vendo? Quais são as características que ainda não consigo enxergar?

Apenas fazendo isso é possível começar a dar os primeiros passos para fora da caverna e deixar de ser um prisioneiro.

Narrativas e Solidão

Vivemos em um tempo no qual as verdades que nos são evidentes parecem ser atacadas por todos os lados. A sensação é que elas se tornaram uma afronta para o mundo. Aquilo que cremos e que sempre nos pareceu tão óbvio, agora é contestado de forma veemente. A impressão é que tudo em nossa volta se opõe ao que pensamos.

Não importa que estejamos inseridos na multidão. Ainda que sejamos socialmente ativos, sentimo-nos sós. Tornamo-nos uma ilha de certezas posicionada no meio de um mar de ideias contrárias. 

Quem está preparado para aguentar a violência de uma massa vociferando contra seus princípios, suas crenças e seus valores? Somente uma alma sobre-humana seria capaz, diante de um mundo que se lhe opõe de forma tão frontal, de manter-se firme. Não por acaso, muitos começam a duvidar de si mesmos, a perguntarem-se se, em vez de convictos, não estão sendo teimosos.

Somos repreendidos continuamente, mesmo que de maneira tácita, somente porque temos ideias que vão de encontro ao que se apresenta como um consenso geral. Isso é muito cansativo. Por isso, muitos chegam ao limite e simplesmente calam-se. Os mais frágeis sucumbem e rendem-se aos seus acusadores; outros, ao abafarem suas certezas, desenvolvem neuroses; outros ainda escapam, buscando na irrelevância algo a que se aferrar. Não os culpo. A força da oposição é grande demais para um espírito vulgar.

Os que desafiam essa pretensa unanimidade acabam pagando com a solidão. Tornam-se como que acorrentados em suas próprias masmorras de convicções. Fora destas, ouvem as vozes falando insanidades. Porém, estão impedidos de juntar-se a elas, a não ser que abdiquem do que pensam.

Sei bem o que é tentar mostrar a realidade para uma sociedade enlouquecida. Ainda assim, aconselho àqueles que sofrem com a incompreensão e indignação alheias, só porque sustentam ideias normais, que não esmoreçam; não se permitam sucumbir ante os ataques aos seus princípios. 

Lembrem-se de que toda essa pressão é uma ilusão, toda essa força externa é apenas uma artificialidade, toda essa certeza que o mundo parece ter não passa de fé de malucos. Nossa sociedade transformou-se em uma máquina de narrativas. Praticamente nada mais do que é dito no espaço público é fruto da evolução natural do pensamento, mas reflete apenas a construção artificial de uma fábula. São convicções montadas, certezas produzidas e princípios fabricados.

Narrativas nada mais são, por sua própria natureza, do que estórias criadas para manipular as pessoas. Não são fruto da cultura, nem da tradição de uma sociedade, mas invenções surgidas na mente de algumas poucas pessoas que têm como objetivo moldar a mentalidade do povo em favor de determinadas ideologias.

Narrativas fazem uso do mecanismo da desinformação, que usa maciçamente os meios de comunicação para espalhar mentiras que contribuam em favor de formas de pensamentos específicas. Por isso, muito do que ouvimos por aí simplesmente trata-se de mentira.

Narrativas são criadas para serem aceitas pela massa. Por isso, precisam ser palatáveis. Para tanto, são escritas como roteiros ficcionais, que ignoram a complexidade da realidade e apresentam estórias lineares que vão ao encontro das expectativas de seus destinatários. Enquanto a realidade subsiste naturalmente, discretamente e sem artifícios, a narrativa esforça-se por impor-se, passando por cima das dificuldades típicas da vida real.

Narrativas, por não ancorarem-se na realidade, precisam ser continuamente contadas, se quiserem sobreviver. Junte-se a isso a volumosa propaganda que é necessária para impulsioná-las e temos aquela sensação de ela ser onipresente.

No entanto, narrativas não sobrevivem a um confronto com a realidade. Apesar de dominarem a discussão pública, a maioria das pessoas, em seus cotidianos comuns, vive como se elas não existissem. 

Por isso, esteja certo que o mundo não está pensando diferente de você. O que se tem ouvido por aí é o barulho das teorias loucas que, para serem escutadas, precisam ser gritadas; é o movimento das ideias artificiais que, para serem conhecidas, exigem ser divulgadas. Saiba que por detrás dessa balbúrdia narrativa existe uma vida real, com pessoas reais e histórias reais que continuam sustentando o mundo.

Portanto, toda vez que você se sentir só, tendo a impressão de que suas ideias são muito diferentes das ideias do restante da humanidade, lembre-se que o que lhe oprime não passa de uma farsa, não se sustenta, é falso. Saiba, definitivamente, que os pensamentos da maioria das pessoas são muito parecidos com os seus — elas só não alardeiam isso o tempo todo.

Percepções originais

Quando houver a impressão de que apenas a sua percepção está captando algo que todo mundo parece ignorar, saiba que provavelmente é você quem chegou atrasado; outros captaram antes.

Há os que, enganados pela convicção de que o que sabem abarca quase toda a realidade, ao se depararem com o que até ali não conheciam, presumem que se trata de algo realmente novo. Não percebem que – como geralmente acontece – outras pessoas viram o mesmo. Assim, transformam sua própria ignorância em pioneirismo.

Outrossim, abundam os profetas que, crendo-se portadores de um conhecimento original, insistem para que a humanidade os ouça, a fim de que sejam conhecidas as novidades que apenas eles possuem. Acreditam que são iluminados e que o que pensaram é fruto de uma vocação única. Contudo, não passam de replicadores inconscientes do que a humanidade lhes legou.

E esse orgulho de crer-se conhecedor de realidades insondadas leva o pretenso vanguardista ao isolamento, pois sente-se incompreendido em sua percepção original. Ao mesmo tempo, torna-o arrogante, insuflado que é pela certeza de ser agraciado por uma revelação única.

A experiência mostra, porém, que há pouco nesta existência que possa ser considerado inaudito. Quase tudo já foi percebido, pensado, debatido, divulgado. O que se diz já se disse, o que se propõe já foi proposto alguma vez.

Se os filósofos e teólogos entendessem isso, haveria muito menos fantasias vendidas como idéias. E as pessoas seriam muito menos solícitas com os pregoeiros de extravagâncias que se apresentam de tempos em tempos.