Esta cidade moderna que se levanta, com sua garbosidade e presunção, nada mais é do que a síntese da civilização de nosso tempo: uma mistura improvável de arrogância e solidão

Minha cidade cresce cada vez mais rápido. Com a promessa do tal do pré-sal, a coisa ficou mesmo descontrolada. São prédios e mais prédios sendo levantados, um atrás do outro, um mais suntuoso que o outro, um mais caro que outro. É a riqueza ou a promessa dela que vai fomentando o crescimento e a especulação. E com tanto dinheiro rolando por aí, é de se esperar que tais novas construções deixem a cidade mais bonita, mais charmosa e mais aconchegante. Afinal, são edifícios feitos para as pessoas morarem e se sentirem bem. No entanto, não é bem assim que acontece.

Dizem que dinheiro não traz felicidade, mas há mais que ele não traz: o bom senso e o bom gosto. As novas construções são simplesmente horríveis. Pior, sequer são confortáveis. O modelo repetido pelos engenheiros é sempre um grande caixote, adornado com acrílico e uma fachada colossal. À primeira vista, até salta aos olhos a grandiosidade desses pequenos monumentos. Também aguça a cobiça tamanha ostentação. No fim das contas, porém, o que resta para os infelizes compradores é um espaço hostil à vivência humana, enfurnando-a em uma caixa de sapatos, onde ela deveria dar-lhe espaço e destruindo a individualidade, onde ela deveria estimular a convivência.

Isso tudo, porém, não é resultado do mero desejo de ostentação. Há, nessas formas arquitetônicas modernas, não apenas o produto da ganância e da pobreza de espírito, mas também muito da ideologia. Ainda que muitos arquitetos não saibam, seus desenhos apenas repetem alguns conceitos que começaram a ser implantados no começo do século XX e se alastrou na cultura do mundo inteiro. O modernismo chegou para ficar, e impor sobre os homens sua visão de mundo. Por esta, os indivíduos não são mais do que parte de um todo, não importando muito suas pessoalidades.

Esta cidade moderna que se levanta, com sua garbosidade e presunção, nada mais é do que a síntese da civilização de nosso tempo: uma mistura improvável de arrogância e solidão. Ao mesmo tempo que seu concreto declara sua prosperidade material, suas formas denunciam sua pobreza espiritual. Aliás, essa engenharia de hoje parece simplesmente imitar a alma humana contemporânea, que cuida do corpo como um espartano e do espírito como um bárbaro.

Basta ver as obras do mais aclamado arquiteto de nossa época, o recém falecido Oscar Niemeyer. Suas construções chamam a atenção, é verdade, e às vezes até conseguem arrancar alguma admiração. No entanto, em geral, são feias em essência. Isso porque não são feitas para seres humanos. Suas medidas e sua composição esquecem quem deveria ser o beneficiário da obra: o homem como ser individual e passível de relacionar-se com outros seres individuais. Quando olho um de seus monumentos, a primeira impressão que tenho é que estou diante de algum objeto deixado na terra por um alienígena gigante qualquer.

Na verdade, nossas construções são o espelho de nosso tempo. Ostentam, na fachada, a aparência de castelos reais, enquanto em seu interior misturam a claustrofobia de uma masmorra nos espaços privados e a impessoalidade de uma penitenciária, nos espaços comuns. Seja pela impossibilidade de arejar a mente, seja pela dificuldade de relacionar-se, no final, para o indivíduo, tudo não passa de formas diversas de aprisionamento.