Uma pessoa fala uma coisa, a outra aparentemente fala a mesma coisa e, no final, percebemos que elas estão falando coisas bastante diferentes. Este é o resumo das discussões que testemunhamos por aí. Os conversadores usam os mesmos símbolos, mas a realidade a que se referem, geralmente, são bem discordantes.

Isso acontece porque não sabemos o significado de boa parte das palavras que usamos. Aprendemos seus símbolos, mas não sabemos qual é a realidade que de fato se encontra por detrás delas. Com a educação formal que recebemos na escola, esse problema amplia-se formidavelmente. Somos inundados com termos e expressões sobre os quais, no máximo, possuímos uma ideia muito vaga e, só depois, e mesmo assim apenas em alguns casos, somos apresentados às coisas indicadas por eles. Nos acostumamos, então, a falar sem saber sobre o que estamos falando.

Durante toda a nossa vida há uma infinidade de palavras que só conhecemos pelos seus símbolos, seus sons e como uma referência distante a algo sobre o qual sabemos muito pouco. Ainda assim, é-nos exigido que manipulemos essas palavras no dia-a-dia, usando-as largamente como se delas fôssemos íntimos. O que mais existe são pessoas de inteligência normal falando coisas com uma compreensão muito limitada do que dizem. Verbalizam ideias, expressam pensamentos, raciocinam com base em sensações, mas são incapazes de identificar onde tudo isso se encontra na realidade. Possuem uma referência muito vaga daquilo que dizem, pois estacionaram nos signos. É como se falassem da doçura de uma fruta sem nunca tê-la provado. Se bem que, neste caso, ainda haveria a consciência de estar se referindo a algo que sabem que existe em algum lugar, enquanto em diversas outras situações, principalmente naquelas que tratam de coisas mais abstratas, pelo simples fato de conhecerem a palavra, acreditam que também conhecem aquilo que ela representa, o que é um engano profundo.

Vivemos sob uma cultura essencialmente linguística, imersa em abstrações que sequer são pensáveis diretamente. Ainda assim, acreditamos que sabemos exatamente a que elas se referem. Termos como “liberdade”, “amor”, “democracia”, “ética”, “virtudes”, “coragem”, “pecado” e uma infinidade de outros, sobre os quais se tem alguma ideia sobre o que significam, são usados abundantemente, mas acompanhados de uma incapacidade extrema de identificá-los na realidade. Assim, cada pessoa acaba fazendo sua própria interpretação daquilo que diz. Quando discute com alguém, nada pode garantir que esteja falando sobre a mesma coisa que a outra pessoa. É bem provável que não. Isso porque, apesar de usarem as mesmas expressões, é quase certo que cada uma tenha em sua cabeça algo bastante diferente do que há na outra. E se a discussão sobrevive é só porque faz uma referência, ainda que diáfana, à realidade – o que preserva a sensação de compreensão.

A verdade é que pensar por palavras é a grande enfermidade espiritual de juristas, teólogos, filósofos e eruditos em geral. E esta é uma doença contagiosa, que se espalha por toda a cultura, impregnando a mente de todo mundo. Hoje em dia, já não se pode confiar no que qualquer pessoa diz, pois é quase certo que o que ela diz não tenha muito a ver com o que aquela palavra realmente significa. Não é por acaso que as discussões dificilmente chegam a algum consenso. Com essa incapacidade de conectar as palavras com a realidade, o único resultado que se pode esperar é a mais absoluta confusão.