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Agitação e Interioridade

Quem já teve dificuldade para dormir, por causa de algum problema que estava passando, tendo ficado com os olhos abertos, enquanto os pensamentos cavalgavam selvagemente dentro de si, entende bem o que quer dizer “conseguir colocar a cabeça no travesseiro”.

Nessa sentença popular, está embutida uma verdade universal: o quanto à noite, e o seu silêncio, pode trazer à tona os fantasmas interiores. É naquele momento, que deveria se de paz e descanso, que os elementos da fantasia (os fantasmas) resolvem aparecer e aterrorizar.

Esses fantasmas se aproveitam da ausência de dispersões, da falta de imagens, sons e sensações, que, durante o dia, ocupam espaço na mente das pessoas, e assombram-nas, perturbando a tranquilidade delas.

Depois que o cansaço vence o terror e o sono vem, a manhã surge como um alívio. Na verdade, os sons do dia e a movimentação do cotidiano acabam servindo como refúgio, que afasta aqueles provocadores noturnos.

Eu nunca entendi muito bem o gosto pela algazarra e pela multidão. No entanto, essa preferência pode ser explicada pelo fato da agitação sobrepor a interioridade. O barulho e toda a ebulição diária faz sair de si mesmo – de onde habitam os fantasmas – e permite seguir em paz, entretido com todo o passatempo costumeiro.

O burburinho do dia-a-dia serve para aplacar a consciência e possibilita viver o sossego da irreflexão.

Assim, se existe uma atração pela balbúrdia e pela aglomeração, nada explica melhor esse gosto do que a necessidade de exilar-se de si mesmo.

Abrigo no ruído

Foi nos momentos mais difíceis da minha vida que entendi a razão das pessoas buscarem o ruído. Quando dormir era difícil e sobressaltado levantava de madrugada, percebi o quanto o silêncio pode ser aterrador. Percebi ainda que o barulho do cotidiano pode servir como a fuga perfeita para quem não está conseguindo lidar bem com a realidade que amedronta. Nele, as vozes dos fantasmas de cada um se perdem em meio ao vozerio confuso que cerca todo mundo. Assim, ali, onde há barulho, é o lugar perfeito para sentir-se seguro e, ao mesmo tempo, despreocupado.

Não julgo mais essas pessoas que, como crianças, escolhem a algazarra. Na verdade, tenho pena delas, como compadecido fiquei de mim mesmo nos dias de angústia, quando o encontro com minhas mazelas feria-me de morte e a balbúrdia exterior, ainda que por alguns momentos, ajudava-me a esquecer.

O fato é que é bonito falar do encontro consigo mesmo, da viagem interior, da superioridade da interioridade. No entanto, é bom saber que, nessa jornada, talvez o que se encontre não sejam as belezas de uma harmonia esperada, nem a paz do equilíbrio aguardado. Pode ser que, ao se deparar com o próprio eu, o que se apresente seja tão difícil de ser encarado que correr para longe de si mesmo seja a única reação de alguém que quer um pouco de tranquilidade, nem que seja o sossego do barulho alienante.

Quem estuda a psiquê humana sabe que ela é um universo tenebroso. Psicanalistas como Jung demonstraram isso fartamente. Por isso, enveredar-se pelos recônditos da alma humana está longe de ser uma viagem romântica. Pelo contrário, ali podem habitar os piores demônios.

Isso não significa que fugir para o mundo exterior seja a solução definitiva. Quem faz isso não afasta os males, apenas os abafa, sabendo que logo terá que, em algum momento, retornar para dentro de si e enfrentar o que ali o desafia.

A verdade é que só a sinceridade inegociável, que não tenta esconder os monstros exteriores, mas os expõe despudoradamente, enfrentando-os sem reservas, pode transformar tudo. Quem consegue isso pode até não transformar sua vida em um mar de rosas, mas, pelo menos, não terá mais necessidade de viver como um fugitivo, buscando abrigo em qualquer burburinho que vê pela frente.