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Caos e ordem na comunicação

Quando precisamos comunicar nosso pensamento, organização e coerência são necessárias. As palavras precisam sair ordenadas, uma após outra, de maneira que a sequência forme um sentido.

O pensamento, quando na mente, caracteriza-se pelo caos, porém, quando sai pela boca ou pela escrita, é ordem.

Ordem e caos é o que diferencia a comunicação do pensamento.

Comunicar-se bem, portanto, com eficiência e de maneira coerente, significa, no fim das contas, saber colocar ordem no caos dos pensamentos.

Essa ordenação é o que chamamos de raciocínio. Portanto, comunicar-se bem, exige, antes de tudo, uma boa capacidade de raciocínio.

Intuição preguiçosa

Intuição é pensamento imediato, é instinto. É um atalho, na verdade. Ela pode ser útil, pode ser ótima, mas também pode apenas ser sinal de preguiça.

É que se privilegiou a intuição como um tipo superior de pensamento. Quase como algo mágico. Como algo à parte e além do raciocínio.

Quanto ao raciocínio: foi renegado. Parece que ninguém mais quer pensar. A busca de razões tornou-se o símbolo da intolerância, da frieza. Dizem que quem se esforça pelo pensamento coordenado, lógico, tem tendência autoritária.

Bonito é ser intuitivo, é abrir as portas da percepção. É não se preocupar em ter razão, mas em deixar os sentidos falarem.

A verdade, porém, é que a intuição, muitas vezes, é a desculpa perfeita para a preguiça. Como o raciocínio exige esforço, atenção, foco e demanda energia, ser intuitivo é uma maneira esperta de abrir mão do esforço cognitivo, sem que pareça indolência. É um jeito de acomodar-se naquilo que nosso cérebro faz sem dificuldade, sem precisar fazer força.

É por isso que a intuição é tão louvada hoje em dia: ela se acomoda à vagabundagem mental que toma as gentes.

A argumentação na busca da verdade

Certa vez, um amigo questionou-me se eu acreditava que meus argumentos estavam sempre certos. De pronto, respondi-lhe que sim. Afinal, se eu não acreditasse nisso, que motivo teria para expô-los?

Eu sempre gostei de argumentar. Para mim, é como um exercício: ao mesmo tempo que cansa, fortalece. É que a argumentação exige raciocínio, e também coerência . Isso demanda concentração, consumindo energia mental. Mas também tonifica o cérebro, tornando-o capaz de desbravar mesmo idéias que parecem as mais obscuras.

No entanto, a força intimida, e quem demonstra ter um raciocínio robusto e bem treinado é visto como uma potência ameaçadora. Talvez por isso meu amigo tenha feito aquela pergunta. Talvez ele, simplesmente, tenha se sentido ameaçado.

Até certo ponto, isso é compreensível. Argumentos, com sua obsessão por dar razão a tudo, são tentativas de desmascarar o erro. E as pessoas não se sentem à vontade quando seus erros, geralmente baseados em idéias prontas, são perturbados.

Um argumentador compulsivo como eu, às vezes, é visto como um chato. Não só isso. Quem insiste em apresentar motivos sempre que fala parece arrogante, como alguém que faz de tudo para mostrar que tem razão.

Porém, é preciso ver as coisas por uma outra perspectiva. Quem reclama de um argumentador não percebe a grandeza do ato de argumentar. É que, como afirma Chaim Perelman, “para argumentar é preciso ter apreço pela adesão do interlocutor, pelo seu consentimento, pela sua participação mental”.

Uma pessoa só se esforça por apresentar fundamento para o que diz porque acredita que seu ouvinte é inteligente o suficiente para entender o raciocínio, justo o suficiente para poder ser convencido e importante o suficiente para merecer tal esforço. No fundo, o argumento – seja ele qual for – é um elogio.

Quem dera as pessoas abandonassem um pouco suas certezas estabelecidas e suas sentenças pré-formatadas e começassem a usar da argumentação como um meio, não apenas de apresentar razões, mas também de compreender a realidade. Afinal, um argumento não nasce na boca do argumentador, mas começa em sua mente, em uma conversa dele com ele mesmo.

Por isso, não se deve desprezar um esforço argumentativo, afinal, o primeiro a ser convencido por ele é o próprio argumentador e é isso que faz da argumentação um instrumento indispensável na busca da verdade.

Inteligência e confusão

Mais do que burras, as pessoas são confusas. Muito daquilo que chamamos de burrice nada mais é do que a dificuldade de colocar em ordem os pensamentos, de maneira que eles se tornem claros o suficiente para permitir entender a realidade.
 
Mesmo pessoas de nível cultural inferior, dentro daquilo que seu conhecimento lhes permite saber, poderiam pensar com muito mais claridade se aprendessem a organizar aquilo que está na cabeça delas.
 
É por isso que vemos tantos considerados intelectuais falando asneiras e tomando posições estúpidas. Por mais que tenham muitas informações em suas cacholas, estas são apenas um emaranhado de dados, sem conexão, sem ordem, sem sentido.

A universalização da experiência pessoal

Um dos erros básicos de raciocínio, que eu vejo uma infinidade de pessoas cometendo, é a universalização da experiência pessoal. Fulano toma algo que aconteceu com ele e disso tira a teoria para todos as outras situações similares. Bastou ele ter um patrão injusto e já toma todos os patrões por injustos, foi só tomar um chifre da mulher e toma todas as mulheres por infiéis. Inclusive, eu mesmo poderia estar universalizando isso que observei, se não fosse o fato de ver a situação ocorrendo o tempo todo e com tanta gente, além de ter lido em outros autores a mesma observação, que já é possível dizer que trata-se de uma verdadeira epidemia.

Se levarmos em conta que as experiências dependem ainda da interpretação que cada um dá a elas, temos então uma infinidade de teorias baseadas não apenas no que cada um viveu, mas na interpretação que cada um deu a determinada situação. É o império do subjetivismo a todo vapor!

Tal equívoco de pensamento tem sido a base de diversas teorias que são vistas por aí. De doutrinas religiosas a concepções políticas, poucos se esforçam por absterem-se, ainda que temporariamente, de suas experiências mais imediatas, para prestarem um pouco mais de atenção ao que acontece com outras pessoas e assim tirar suas conclusões de maneira mais embasada e sólida. Não! Preferem já defender que as coisas são de tal maneira exatamente porque elas mesmas experimentaram aquilo como a descrevem.

Tal erro é ainda alimentado por uma característica dos nossos tempos, que é a exaltação exacerbada do sentimento pessoal. Em um mundo que aprendeu a valorizar a expressão íntima do indivíduo em detrimento dos dados que lhe são oferecidos desde fora e desde antes, como dos seus antepassados, acreditar que sua percepção diante de um fato representa uma verdade universal não é nenhuma surpresa.

Então, o que temos é uma infinidade de pessoas, com uma infinidade de experiências, dando uma infinidade de interpretações, causando uma infinidade de teorias. Não é à toa que aparece uma nova solução para cada situação a cada nova semana. As prateleiras das livrarias entopem-se disso. As redes sociais, então, transbordam.