Por todo lado, do telejornal à conversa cotidiana, somos recriminados por comer demais, beber demais, fumar, trabalhar muito, fazer pouco exercício físico, não nos prevenirmos corretamente e agora também aglomerarmos-nos e usarmos máscaras de maneira incorreta. O fato é que a sociedade transformou-se em uma religião civil impondo seus dogmas de moralidade laica sobre seus membros.

A impressão que dá é de que somos irresponsáveis. Tratam-nos como inveterados pecadores a ferir ininterruptamente um decálogo que nem sabemos qual é. Sentimo-nos como crianças travessas, tendo de esconder nossos atos para não sermos repreendidos.

E se ousamos nos rebelar, insistindo que as escolhas são nossas e não cabe a ninguém se meter com os hábitos que desenvolvemos, sejam eles bons ou maus, logo os inquiridores do novo mundo trazem à tona o argumento do bem comum. Ah, o bem comum! Este perpétuo legitimador de toda perseguição e acusação, em nome do qual, se pudessem, denunciariam-nos, prenderiam-nos e até matariam-nos.

Por causa do bem comum, referem-se a nós como se fôssemos as piores pessoas que existem, ainda que o mal do qual nos acusam seja incerto e diferido, como a hipotética ocupação de um leito hospitalar, daqui a trinta anos, custeado por um plano de saúde que paguei por cinquenta.

A verdade é que não querem que reste mais nada da nossa autodeterminação. Tudo o que fazemos, se não está de acordo com os cânones da moralidade contemporânea, apressam-se em censurar. Não permitem que sejamos mais os donos do nosso destino. E se alguém ousa seguir seu próprio rumo, precisa se preparar para ser tratado como um pária, quando não um criminoso.