censuraSer artista no país é uma aventura. Pensar em viver de arte, por aqui, é loucura. Fazer música não pode ser mais que uma brincadeira. Querer ser cineasta, insanidade. Pintura ou escultura não podem ser mais que passatempos. Claro, estou falando isso no caso do artista não ser um apaniguado do pessoal do Ministério da Cultura. Neste caso, suas chances de sucesso aumentam exponencialmente.

É que, de fato, o MinC se tornou um escritório de censura, no melhor estilo daqueles que existiam nos países da Cortina de Ferro. Ali ficam uns burocratas que analisam quais projetos artísticos cumprem os requisitos impostos e, consequentemente, estão aptos a serem patrocinados pela iniciativa privada.

E o que dá suporte a essa sua atuação é uma lei muito bem feitinha, que, à primeira vista, parece ser uma ideia genial, criada com o objetivo de estimular a cultura nacional, mas que, no final das contas, é a arma decisiva que os funcionários do governo têm para agirem como censores de toda expressão artística que é feita no país.

Quando alguém afirma que a Lei Rouanet é prejudicial à cultura nacional, as pessoas não entendem muito bem o motivo. Mesmo aqueles que criticam-na, muitas vezes o fazem pelas razões erradas.

Antes de tudo, é preciso deixar bem claro que a perniciosidade da lei não está no oferecimento de verbas públicas para financiar projetos artísticos. Ainda que eu não seja muito favorável a esse tipo de atuação do Estado, pois acredito que ele deve meter-se o mínimo possível na vida das pessoas, não é a concessão de dinheiro público o problema mais sério neste caso.

O mal da Lei Rouanet está em tornar o governo o definidor de quais projetos podem receber benefícios do Estado, tornando o Ministério da Cultura, na verdade, em um Ministério de Censura.

Funciona assim: o artista tem um projeto e precisa de dinheiro para colocá-lo em prática. Então ele se dirige ao MinC, que analisa e define se ele está apto a receber financiamento privado. Sendo aprovado, o artista se dirige às empresas e tenta convencê-las a patrocinar seu trabalho. O melhor argumento que tem para isso é dizer que o patrocínio é vantajoso, pois a empresa irá fazer propaganda de sua marca e ainda descontar boa parte do que gastou em seu imposto de renda.

Tudo muito bonito! Tudo muito correto! Porém, as consequências, da forma como estão sendo feitas as coisas, são nefastas.

É que, se as pessoas não percebem, isso inviabiliza a captação de financiamento privado que não seja por meio da Lei Rouanet. Qual empresa vai querer colocar seu dinheiro em um trabalho artístico diretamente, se ela pode fazer isso descontando quase tudo do que investiu no Imposto de Renda?

Na prática, se o artista bater na porta de uma empresa, pedindo seu patrocínio, a melhor resposta que ele pode ter é: “tudo bem, eu aceito patrocinar seu projeto, mas só faço isso se for pela Lei Rouanet“. Ou seja, quem não tem a prévia aprovação do Estado não tem direito ao dinheiro privado. Simples assim! Os outros, aqueles que os burocratas não aprovaram seus projetos, baterão com suas caras nas portas dos possíveis patrocinadores.

O Ministério da Cultura, diante dessa realidade, se torna um órgão de censura, evidentemente. Sem suas bênçãos, nenhum artista deste país está apto a obter patrocínio. Assim, se não se ajoelhar diante do governo, se não agradá-lo, o artista brasileiro está condenado a ter seu trabalho apenas como um passatempo, jamais como algo realmente rentável.

Quem não percebe que isso torna o Brasil um país semelhante às piores ditaduras comunistas é cego. Só em ditaduras os artistas dependem do aval estatal para existir, só em ditaduras o Estado tem tal poder sobre eles.

A função do governo, em relação ao artista, deve se ater a apenas uma: garantir sua liberdade de expressão. Tudo o que passar disso é ingerência que, além de tudo, corrompe a própria essência da arte.