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Taleb: A antibiblioteca do Umberto Eco

Os livros de uma biblioteca particular não estão ali exclusivamente para serem lidos, mas para oferecerem a possibilidade de lê-los. São, assim, uma potência do conhecimento de seu dono.

Quando o pensador Nassim Taleb, em sua obra “A lógica do Cisne Negro”, escreve uma pequena introdução referindo-se a gigantesca biblioteca do escritor Umberto Eco, sua intenção é mostrar como as pessoas dão mais atenção ao que sabem e costumam desprezar o que não sabem – o que aliás é a tese central desse trabalho.

Umberto Eco, citado por Taleb, tinha uma biblioteca com mais de trinta mil volumes. Como todo intelectual com estantes cheias de livros, testemunhou, diversas vezes, a mesma reação daqueles que o visitavam: o espanto seguido da pergunta: “o senhor já leu todos esses livros?”. Isso porque as pessoas pensam que só tem sentido os livros estarem ali se for para serem lidos ou se já foram lidos.

“Livros lidos são muito menos importantes que os não lidos” – afirma Taleb, em uma sentença surpreendente. A razão disso é que os livros de uma biblioteca particular não estão ali exclusivamente para serem lidos, mas como objetos de pesquisa.

E não é que o Taleb tem razão? Pensando bem, um livro lido já se encontra dentro do leitor e, como objeto físico, tem um valor menor que antes de ter sido lido. O livro não lido, pelo contrário, é valiosíssimo, pois ainda espera ser tomado, explorado, absorvido; possui joias a serem descobertas.

A outra afirmação do Taleb é ainda mais incrível, ao dizer que, quanto mais se sabe, maiores serão as pilhas de livros não lidos. Isso se dá porque pessoas bem instruídas, que lêem mais, que sabem mais, possuem uma noção mais clara e ampla do que ainda precisam conhecer, conseguindo mapear melhor sua própria ignorância. O resultado óbvio disso é querer ler mais e, portanto, ter mais livros à sua espera.

É comum darmos muita atenção ao que sabemos e tentarmos esconder o que não sabemos. Valorizamos os nossos conhecimentos, enquanto, na verdade, um único conhecimento é essencial: o conhecimento em relação aquilo que nos falta conhecer. Para entendermos o que nos falta, porém, é preciso saber bem o que se sabe, pois, quando se sabe isso, conseguimos saber o que ainda precisamos saber.

Por isso, é muito mais importante os livros que ainda não lemos do que aqueles que efetivamente lemos. Os livros que lemos indicam quem nós somos, mas os que não lemos apontam para quem ainda podemos ser.

Leituras difíceis

Quem já tentou ler Kant, Lavelle, Homero, Camilo Castelo Branco, Padre Vieira, entre outros, sabe o esforço de atenção, o conhecimento linguístico e a bagagem cultural necessários para compreender o que esses mestres do pensamento e do estilo escrevem. Não são leituras fáceis. Podem tornar-se torturantes, na verdade.

Diversas vezes comecei a ler livros difíceis e abandonei-os. Por algum motivo, decidi, naquele momento, que o esforço não valia a pena ou, simplesmente, que eu não estava capacitado para absorver o escrito. Voltei aos textos que continham uma expressão mais familiar.

Permanecer nos livros fáceis é uma atitude comum. Ainda mais quando se acredita que o mero ato de ler já é edificante por si mesmo. Então, mantem-se na escrita trivial, na narrativa óbvia, no texto simples. Encontra-se um nível confortável de leitura, no qual não se exige esforço e a compreensão é imediata.

O problema é que a receita para formar ignorantes letrados é exatamente estimulá-los a ler muitos livros facilmente compreendidos, que não representem nenhum desafio cognitivo para o leitor – e o mundo da cultura é tomado por gente deste tipo.

Um livro difícil põe o leitor em contato com o que não é imediatamente identificado, exige esforço dele, força-o a superar seus limites linguísticos e culturais. É preciso atenção para ler um livro difícil e isso treina quem lê a manter-se com foco no texto. No fim das contas, um livro difícil requer do leitor sair da sua zona de conforto intelectual e, por isso, eleva-o.

Há muitas razões para não se aventurar em uma leitura mais complexa: tempo, cansaço, prioridades… No entanto, a recompensa por quem se arrisca nela nenhum livreto popular pode oferecer: a chance de elevar-se a um patamar intelectual superior.

Livros inúteis

Nem toda leitura é proveitosa. Há livros inúteis, livros ruins, livros que são perda de tempo e até livros prejudiciais. Não é porque alguém decidiu escrever umas palavras, mandou imprimi-las, fez uma capa bonita para envolvê-las e colocou-as em circulação que, por causa disso, esse material está automaticamente habilitado para ser consumido. Nem tudo o que é escrito merece ser lido.

Mesmo eu sendo um fomentador de cultura e um estimulador da leitura, não sou daqueles que acreditam que, independentemente de qualquer coisa, o que importa é ler. Não acho que qualquer coisa lida é melhor do que não ter lido nada. O tempo tem seu valor, e desperdiçá-lo com o que nada tem a acrescentar não é correto.

São esses que, quando vêem uma pessoa com algum livro na mão, mesmo que seja um daqueles de autoajuda bem toscos, ou aqueles romances mal escritos de banca de jornal, ou aqueles esotéricos cheios de clichês e frases feitas, acham isso lindo. Em um país que quase ninguém lê, carregar um livro, mesmo um completamente inútil, já é sinal de inteligência.

Há tantos livros já publicados, e tantos outros ainda a ser, que, mesmo que sejamos leitores vorazes, conseguiremos ler apenas uma fração ínfima deles. Sendo assim, sermos judiciosos é imperioso.Se vamos ler, de todos, uns poucos, ler os ruins é burrice.

Selecionar é fundamental. Afinal, não lemos por nada. Pelo contrário, a leitura de um livro pressupõe uma busca, a procura por algo que ainda não temos. Seja uma informação, um conhecimento, uma inspiração, um conselho, algo que deixe sua alma mais leve, mais rica, que lhe faça mais inteligente – abrimos um livro porque acreditamos que ele nos dará algo.

Lemos um livro para nos tornarmos mais sábios, mais fortes, mais motivados, mais felizes, mais espiritualizados. Lemos um livro não apenas para consumir suas palavras, mas para absorver suas idéias. E que estas sejam as melhores; as que nos transformem; as que nos tornem superiores; as que realmente alimentem nossa alma.

Os livros são uma coisa maravilhosa! Talvez, a invenção mais importante da humanidade. Por isso, não podem ser desperdiçados. Não podem ser algo só para preencher o tempo.

As escolhas dos livros devem ser criteriosas. Afinal, ler é bom – aliás, ler é essencial. Porém, essas leituras precisam ser selecionadas para realmente fazerem a diferença em nossa vida.

Quantos livros devemos ler

Schopenhauer era um ardente crítico dos eruditos que liam por compulsão e não reservavam tempo para refletir sobre o que seus olhos tinham acabado de ver. Em seu livro ‘A arte de escrever”, ele se mostra convicto de que a leitura em demasia desacostuma da clareza e profundidade necessárias para a verdadeira compreensão.

Haveria, então, um limite às leituras? Seria de bom senso ler, mas com certo cuidado, evitando o que poderia ser considerado um excesso?

Que ler é essencial para o desenvolvimento intelectual não há a menor dúvida. Nas publicações escritas encontram-se os tesouros do conhecimento e da sabedoria. Nem mesmo a internet, com sua promessa de expansão infinita da informação, conseguiu substituir a profundidade de conteúdos que apenas é encontrada nos livros.

Ler é indispensável. Ainda assim, é importante ressaltar que a quantidade de livros consumidos não é indicativo absoluto de conhecimento, muito menos de sabedoria. Há eruditos bastante inteligentes, como há os estúpidos. Há quem leia muito e não aprenda nada, como há os que pouco lêem e, ainda assim, conseguem desenvolver bem suas inteligências.

A única certeza nisso tudo é que quem não lê não cresce intelectualmente. Sem leituras é impossível possuir qualquer conhecimento substancial. No entanto, não é porque um livro foi publicado que, automaticamente, ele mereça ser lido. Sertillanges dizia que “livros existem por toda a parte, mas só bem poucos são indispensáveis”. O mundo está cheio de publicações inúteis, lotado de livros irrelevantes. Livros não possuem valor em si mesmos. Fica claro, portanto, que despender energia na leitura desses livros não é aconselhável. Nosso tempo é precioso e perder dias em leituras que nada acrescentam à nossa vida é desvalorizá-lo sobremaneira.

Sinceramente, eu não acredito na ideia, tão difundida, de que todos os livros são úteis; que, ao menos, eles servem para desenvolver o hábito da leitura. Na verdade, a maioria deles é prejudicial. No mínimo, suga tempo e energia do leitor. Em casos piores, vicia na má literatura, o que a torna desaconselhável.

Um livro, para merecer ser lido, precisa ter algo de substancial. Se ele não provocar uma mudança positiva no leitor, não serve para nada. Toda leitura que valha a pena precisa causar algum tipo de acréscimo intelectual, espiritual ou moral. Se não for capaz disso, deve ser dispensada.

Porém, ainda que a maioria dos livros seja ignorável, é certo que existe uma multidão deles que merece ser lida. São em número tão grande, que é impossível lê-los todos em uma única vida. Por isso, LEIA O MÁXIMO QUE PUDER.

Eu não compactuo com o conselho de moderação, beste caso. Não acredito que deva ser algo feito com parcimônia. Conhecer é bom e o conhecimento está nos livros; portanto, quanto mais lermos mais conhecimento teremos – e isso, por si só, é bom.

Mas não significa que deve-se enterrar a fuça nos livros e devorá-los como hienas sobre a carniça. Apesar de tudo, o que fará maior diferença no desenvolvimento intelectual não será a quantidade de leituras, mas a maneira como elas são deitas. Até porque de nada adianta ler muito se o conteúdo não for adequada e profundamente absorvido. Leituras feitas assim transformam letras em sementes entre pedras, que não criam raízes.

Por isso, todas leituras devem ser feitas com objetivo, não por compulsão. Os eruditos criticados por Schopenhauer a faziam por vício, por fetiche. No entanto, delas, no máximo, extraíam informações, não conhecimento. A repreensão do pensador alemão, porém, serve a todos nós. Devemos ler sabendo porque lemos, certos do que buscamos, conscientes do que queremos.

É por essa razão que toda leitura deve conter algo de relevante. Ainda que seja preciso suportar uma parte do livro até encontrar o que realmente importa, é imprescindível que ele possua algo de substancial a oferecer. O fato é que toda leitura, de alguma maneira, precisa fazer sentido. Convicto disso, hoje em dia não tenho mais nenhum pudor de abandonar uma obra quando percebo que ela não possui nada de relevante a me oferecer. A vida é preciosa demais, e seu tempo também, para jogá-la fora com o que não importa.

No entanto, não adianta o livro possuir um conteúdo relevante se esse conteúdo não for bem absorvido. Seria como pérolas lançadas a porcos. Não sem razão Sertillanges insistia na importância da solidão para o desenvolvimento intelectual e Schopenhauer criticava quem lê muito, mas não pensa sobre nada. Ler muito sem dar o devido tempo para a digestão dá congestão. O certo é encontrar um equilíbrio entre leitura e reflexão. O conteúdo precisa ser refletido. O que o autor escreveu precisa frutificar na alma do leitor. Sem isso, são apenas palavras ao vento.

É por essa razão que toda leitura deve ser feita com muita atenção. Exige-se concentração. Portanto, leia sempre na medida em que a compreensão do conteúdo esteja acontecendo plenamente. Não adianta nada voracidade sem assimilação. Quando a leitura torna-se enfadonha, a concentração esvai-se e a compreensão fica prejudicada, melhor fechar o livro e retornar mais tarde. Pestanejar sobre ele pode parecer um ato heroico, mas não passa de esforço de Sísifo.

Não quero dizer com isso que sou aliado daqueles que acreditam que a leitura deve sempre ser prazerosa. Pelo contrário, muitas vezes ela demanda bastante esforço. Ler é, em boa parte das vezes, como uma batalha. Mas, ainda assim, esse esforço só é válido se dele resultar uma boa compreensão do que se está lendo.

De tudo o que expus, o mais importante é saber que ler é sempre bom e ler bastante melhor ainda. No entanto, para que essas leituras sejam proveitosas é preciso que elas façam alguma diferença.

O hábito de repetir as leituras

As pessoas costumam ler, mesmo os bons livros, apenas uma vez na vida. Agem assim porque entendem que uma leitura é suficiente para absorver o que o livro tem para oferecer. A consequência, no entanto, é que acabam desperdiçando muito do que o livro pode dar.

isso porque somos pessoas muito diferentes nas diversas fases que passamos nesta vida e se, nessas diferentes fases, repetíssemos as leituras que fizemos nas anteriores, teríamos perspectivas bem diversas daquelas que tivemos antes.

A cada período de nossa vida temos conhecimentos novos que se acumulam, experiências que se sucedem e, para aqueles que têm um impulso filosófico, reflexões e insights que periodicamente se apresentam. Sendo assim, seria mesmo impossível interpretar as mesmas leituras da mesma maneira sempre. É outra cabeça que está pensando sobre o livro, são ouros olhos que o veem.

É por isso que a Bíblia e os grandes livros devem ser lidos de novo, de tempos em tempos. Afinal, nunca é o mesmo homem que os lê.