O incômodo da inteligência

Pessoas inteligentes costumam ser chatas. Pelo menos, é assim que as outras – menos inteligentes – pensam. É que o inteligente geralmente é um inconformado. Ele não aceita a aparência. Por isso, questiona tudo e isso incomoda quem está acostumado a aceitar os fenômenos como eles se apresentam de primeira.

O inteligente parece estar sempre insatisfeito, pois ele não se sacia com as explicações convencionais, que geralmente são superficiais. Torna-se um tanto aborrecido por isso. Aliás, inteligência e aborrecimento parecem quase indissociáveis. 

Isso faz do inteligente um tanto inconveniente para quem não sente a mesma necessidade de perscrutação. É que é difícil, para quem não têm sensibilidade para perceber as sutilezas da vida, compreender alguém que não sossega com justificativas fáceis.

Resignar-se com as aparências parece até ser uma virtude. Tem inclusive quem se orgulhe de sua própria acomodação. Porém, esse conformismo quase sempre não passa de ignorância – aquela ignorância peculiar de quem não enxerga nada além do que seus olhos alcançam. 

É que a realidade é complicada. Tudo o que envolve a vida humana está tomado de contradições, incoerências e multiplicidades. Basta ver como o que é bom em uma situação pode ser mau em outra; como o que faz bem para alguns pode prejudicar outros; como o que é certo em determinada circunstância pode ser errado em outra. De fato, se tem algo que define a realidade é exatamente essa sua complexidade.

Mas o ignorante não percebe isso e essa ausência de percepção das complexidades faz tudo parecer muito fácil de entender, tornando o mundo um lugar sem mistérios. Ele acha que já entendeu tudo. Consequentemente, não questiona nada. Por isso, a atitude da pessoa inteligente é-lhe incompreensível. Parece-lhe apenas implicância, como a de um adolescente rebelde. 

O que o ignorante não entende é que a insatisfação é o motor da inteligência. A afirmação de Aristóteles, de que o espanto é o início da filosofia, não faz sentido para ele. Afinal, o ignorante não se espanta. Como dizia Riboulet, “o ignorante não se admira de nada; o espírito medíocre está sempre satisfeito”.

Portanto, quando você se deparar com alguém chato, um tanto cético, que parece nunca estar contente com as explicações comuns, tenha paciência! É bem provável que se trate apenas de uma pessoa inteligente. E se isso lhe incomoda, cuidado: o ignorante pode ser você.

Retorno ao óbvio

Em tempos de construções de narrativas que têm o único objetivo de justificar ideologias – políticas, filosóficas, científicas – e que não se preocupam decididamente com a verdade, é preciso retomar uma racionalidade simples, quase ingênua, que procure ver as coisas, antes de tudo, como elas são.

Uma mente honesta nunca se pergunta, antes de entender o que uma ideia é, se ela é boa ou ruim, benéfica ou prejudicial, útil ou dispensável. Primeiro, busca compreender a essência e só depois disso é que se questiona sobre quais são suas consequências.

Mas quando tudo torna-se disputa ideológica, todo pensamento é julgado pelos objetivos políticos que dele acreditam fluir. Além disso, a própria expressão não tem outro objetivo senão justificar as ideias.

Quando chegamos a esse ponto, quase não se encontra mais espaço para a observação pura, para o entendimento objetivo dos fenômenos e dos pensamentos. E nesse ambiente, perde-se a capacidade de compreensão da realidade, pois tornamo-nos viciados em versões e ficções, e só elas parece que importam.

Não entendemos mais nada e mesmo os intelectuais têm dificuldade de compreender o que acontece e o que as coisas são. Como disse George Orwell, o simples reconhecimento do óbvio está se tornando infelizmente o primeiro dever do homem inteligente.

Realização, sentido e inteligência

Existe frustração, mesmo em meio ao sucesso material, porque a verdadeira satisfação dificilmente reside nas conquistas em si mesmas, mas na convicção de que o que está sendo realizado realmente tem sentido.

Quando somos jovens o sucesso material tem mais importância, pois serve como autenticador de nossa posição social, fornecendo aquela segurança que todo jovem procura. Conforme vamos ficando mais velhos, porém, o significado começa a tomar seu lugar de primazia e a ser o fator determinante de nossa felicidade.

As conquistas materiais podem ser convenientes, úteis e até ajudar na busca de valores superiores. No entanto, elas passam e o que passa não pode ser chamado de duradouro. O significado, porém, sempre reside no duradouro.

E, com o tempo, percebemos que esse significado nunca reside nas conquistas materiais em si mesmas. Para alguns, pode até estar no status e conforto que elas proporcionam, mas, ainda assim, só de maneira muito frágil. O verdadeiro sentido apenas vai ser encontrado naquilo que nos transcende, naquilo que nos leva para além de nós mesmos. Está além do corpo, que sofre com a corrupção. Está, com efeito, na inteligência, no espírito.

Por isso, a perseguição do que é relativo à inteligência não é apenas uma expressão vocacional, um exercício do talento. Também não é mera atividade exercida como fruto do gosto. O que se refere à inteligência liga-se ao que permanece, ao que supera à matéria, aquilo que sobrevive à experiência terrena.

É por essa razão que a vida da inteligência tem mais sentido. Ela não está encarcerada no mundo presente, nem no tempo presente, mas ousa lançar-se à eternidade. E nada pode ter mais sentido do que algo que segue a eternidade.

Inteligência e confusão

Mais do que burras, as pessoas são confusas. Muito daquilo que chamamos de burrice nada mais é do que a dificuldade de colocar em ordem os pensamentos, de maneira que eles se tornem claros o suficiente para permitir entender a realidade.
 
Mesmo pessoas de nível cultural inferior, dentro daquilo que seu conhecimento lhes permite saber, poderiam pensar com muito mais claridade se aprendessem a organizar aquilo que está na cabeça delas.
 
É por isso que vemos tantos considerados intelectuais falando asneiras e tomando posições estúpidas. Por mais que tenham muitas informações em suas cacholas, estas são apenas um emaranhado de dados, sem conexão, sem ordem, sem sentido.

Amar para compreender

Estudar outras culturas, religiões e movimentos ideológicos não é uma tarefa simples. Há diversas dificuldades que se apresentam para compreendê-los profundamente. Por serem manifestações humanas, carregam em si mesmas contradições, instabilidades e conflitos que se apresentam sempre onde os homens estão.

E não sendo como as ciências exatas, que aceitam o observador frio e distante, as humanas exigem dele um envolvimento que vai muito além do olhar indiferente e sem empatia. Se quiser entendê-las, o estudioso precisa mergulhar, não apenas nos fatos e doutrinas, mas no imaginário e sentimentos daqueles que fizeram e fazem parte dos grupos investigados.

Em suma, de alguma maneira é preciso amá-los!

Se o amor é deixar-se absolver pelo outro, não tenho nenhuma dúvida que quem quiser compreender, da maneira mais profunda possível, a mentalidade de pessoas que pertencem a coletividades as quais ele mesmo não pertence, precisa permitir-se pensar como elas, sentir como elas, imaginar como elas. Precisa, enfim, amá-las!

Mas como é possível fazer isso quando se deparam com ideias tão diferentes e tão contrárias aquilo mesmo que acreditam?

O único jeito é buscar o que há de universal nessas culturas, pois mesmo os movimentos mais encarniçadamente ideológicos possuem, em seu cerne, algo que lhes dá, no mínimo, um sentido com o qual concordamos e está de acordo com nossa visão do mundo. Ainda que seja apenas uma farsa, ali está o motivo que mantém muitos na mentira e engana tantos. Seja a promessa de justiça social do marxismo ou o ensinamento de obediência irrestrita a Deus dos islâmicos, existem ali preceitos com os quais podemos nos identificar e neles está a chave que nos abrirá as portas para a compreensão mais profunda da mentalidade de seus membros.

Esse é um exercício difícil! Apenas pessoas bem resolvidas e seguras de si mesmas conseguem aplicá-lo. Os outros preferem fechar-se em seus castelos de certezas levianas, com suas metralhadoras apontadas contra todos que ousam se aproximar de suas fortalezas, atirando contra elas sem sequer levantar a cabeça. Fazem isso por uma boa causa, que é não contaminar-se. No entanto, tal atitude não lhes protege de um outro mal: a ignorância.

Certeza inabalável de gente inigualável

Fazer perguntas, levantar questionamentos, confessar dúvidas e estar disposto a mudar de opinião são atitudes vistas com desconfiança pelo brasileiro. Quem faz isso, logo é acusado de sonso e sentenciado como alguém que quer enganar os outros. A parcimônia opinativa é vista como fraqueza e a suspensão do juízo como vacilo.

Aqui, há uma profusão de jovens recém saídos dos bancos escolares ginasiais que possuem uma convicção inabalável sobre todos assuntos. Em suas mentes prodigiosas, não existe espaço para um milímetro de nebulosidade, nem um minuto de incerteza.

Confessar em meio a essa gente que há diversos assuntos sobre os quais o juízo não está completo, sobre os quais ainda não se chegou a uma conclusão é visto com suspeição. Quem não tiver decidido, irrevogavelmente, a religião que segue, o partido que vota, a ideologia que defende e o time que torce é um frouxo, um tonto, que não merece sequer participar da vida pública.

Por estas terras não se faz perguntas, não se observa de forma isenta, não existe neutralidade. Tudo é preto no branco, sim ou não, certo ou errado. Não há graus, não há níveis, não existe proporção.

O Brasil é o país das pessoas mais bem resolvidas do mundo. Aqui, todo mundo sabe exatamente o que quer, no que acredita e entende perfeitamente como as coisas são.

Não são realmente inigualáveis os brasileiros?

Os efeitos intelectuais da submissão ao politicamente correto

Uma das maneiras mais eficientes de alguém emburrecer rapidamente é submeter-se aos ditames do politicamente correto. Por isso, quem tiver o interesse de proteger sua inteligência, o primeiro passo é entender que sua subjetividade é muito valorosa para se deixar escravizar pelas ordens vindas de coletividades formadas por pessoas que há muito tempo abriram mão de seus cérebros em favor de uma mente amorfa e simiesca.

O fato é que o politicamente correto impede o desenvolvimento da inteligência. Isso porque ele não permite que o espírito humano se manifeste com espontaneidade, pois impõe, desde fora, as formas predeterminadas de linguagem. E são principalmente os adjetivos que sofrem mais intensa perseguição, criando-se uma verdadeira lista de palavras proibidas, ao mesmo tempo que cria outra com aquelas que devem ser usadas obrigatoriamente, sob pena de repreensões severas. Que em um ambiente assim as pessoas tenham sua capacidade de raciocínio atrofiada não é de se espantar.

Outro problema é que, baseado em eufemismos, o politicamente correto suga o espírito da coisa referida, arrancando o seu sentido verdadeiro, revestindo-a com nomenclaturas que apenas fazem referências distantes ao que ela é, de forma sempre a amenizar a realidade, parecendo dizer algo completamente diverso do que diz de fato. A questão é que quem se habitua a falar assim acaba perdendo contato com a realidade, passando não mais a descrevê-la como a percebe, mas fazendo o movimento contrário, enxergando-a pelas lentes da linguagem predeterminada. Não há como não perceber que essa forma de agir vicia o cérebro, que desacostumado de dizer o que realmente vê, começa a raciocinar apenas abstratamente, perdendo completamente a conexão com o mundo real e tornando dependente de algo exterior que lhe informe como cada coisa deve ser descrita. Disso para as pessoas não conseguirem mais narrar fatos simples de suas vidas ou expor as ideias mais banais é uma consequência óbvia.

Além de tudo isso, há ainda o fato de a submissão ao politicamente correto alijar a criatividade, impedindo sua plena manifestação. Como para ele, qualquer sinal de pensamento independente e de desprezo em relação às suas imposições é vista como arrogância e intolerância, qualquer um que se atreva a falar diferente dos demais, se referindo ao mundo em sua volta conforme o percebe, sofre um policiamento intenso e constante. A pessoa então, a fim de não ferir suscetibilidades, começa a falar de uma maneira excessivamente controlada, chegando ao ponto de ser o fiscal de si mesmo no uso da linguagem. É evidente que impedida da manifestação fora dos ditames rígidos do politicamente correto, a inteligência se tornará menos criativa e mais conformista, tendendo a repetir aquilo que já está definido, o que é a antítese do espírito artístico. Basta ver a escassez de uma arte de alto nível para confirmar isso. Alguns discordantes talvez levantem uma pequena objeção neste ponto, afirmando que em momentos de repressão a arte tende a se manifestar com mais força. E não demoram a citar o caso dos artistas brasileiros na época do governo militar. Nesta questão, deve-se considerar três hipóteses: 1) que a arte daquele período não seja tão boa assim; 2) que a repressão não fosse tão forte como dizem; 3) que a repressão não impede a boa arte. Considerando a arte produzida na Coréia do Norte, minha tendência é acreditar que somente as duas primeiras hipóteses podem ser verdadeiras.

Por tudo isso, permitir que o politicamente correto se imponha é o mesmo que castrar-se intelectualmente. Quem pretende preservar a integridade de sua inteligência deve mandar às favas toda norma de polimento bocó e uso forçado de eufemismos e preocupar-se unicamente em descrever as coisas como elas realmente são, da forma como são exatamente percebidas. Só assim poderá manter-se são em meio à loucura de uma sociedade que elevou o politicamente correto à norma indiscutível.

 

Originalmente publicado no Liceu de Oratória