Categoria: Últimos textos

Opinião comedida

Quem se apressa a expor seus pensamentos, geralmente, não percebe que o que é dito não volta e, a partir do momento que é dito, aquilo passa a ser a SUA opinião. Uma vez exposta, essa opinião lhe marca, como um carimbo bem no meio da sua testa.

Ao ter definida uma opinião como sua, a pessoa está amarrada a ela. Esta opinião passa a ser um peso que precisa carregar. Obviamente, pode ser alterada, mas poucos fazem isso, por motivos psicológicos.

Leon Festinger descobriu, por meio de suas experiências, que uma pessoa, se forçada a defender uma idéia em público, mesmo contra suas convicções internas, tende, com o tempo, a acatar essa idéia compartilhada.

Por uma necessidade de manter uma imagem de coerência, tendemos a racionalizar sobre aquilo que falamos publicamente. Sempre faremos de tudo para mostrar que o que falamos ontem está certo ainda hoje.

Quem expõe uma opinião acaba engessado intelectualmente, seja por ficar identificado com ela, seja porque, a partir dela, a pessoa não estará mais aberta para evoluções que talvez exijam modificá-la ou até negá-la.

É preciso ser comedido em opiniões. Não que elas não devam ser dadas, mas devem ser dadas sem pressa, sem leviandade, após a devida reflexão e estudo.

Crítica cômoda

Destruir é fácil; criticar é confortável. Colocar-se na posição de quem vive a acusar os erros alheios é como apontar um canhão de dentro de uma casamata. Há pouco risco e faz-se muito estrago.

O pensamento crítico, tão exaltado, muitas vezes, é apenas o apontamento do óbvio. É que o erro, em boa parte dos casos, é algo tão evidente, detectável por qualquer mente sadia, que apontá-lo chega a ser quase uma tautologia. Não que discerni-lo seja equivocado, mas não deixa de ser, muitas vezes, também, só oportunismo.

Não é à toa que tanta gente se especializa na crítica. A pessoa só tem a ganhar com isso. Mantém-se na posição cômoda de dizer sobre o erro que vê – ou acha que vê – e não precisa expor-se. Afinal, se sujeita ao juízo quem faz; o julgador apenas paira impavidamente acima das vissicitudes humanas.

O que a crítica, muitas vezes, esconde, é o fato de que, no mundo das escolhas, nem tudo é tão óbvio quanto parece. Um ato, que é o efeito de uma decisão, sofre tantas influências que, não é incomum, parecer, à primeira vista, desacertado, quando, entre as opções possíveis, é apenas o menos pior.

Isso é muito comum em política, por exemplo, onde os jogos de poder e de acordos não se tratam de valores óbvios, nem absolutos. Uma decisão política pode parecer equivocada, quando observada sem o conhecimento de todas as circunstâncias que a envolveram. Vista, porém, diante da realidade que a cerca, pode ser que ela se configure como a melhor entre as hipóteses possíveis.

Quando alguém aponta um aparente erro, costuma ser visto como uma pessoa razoável, até admirável. Experimente, porém, exigir dela que, além do equívoco realçado, apresente qual seria a alternativa considerada, por ela, melhor. Não será surpreendente perceber que a opção exibida é pior do que aquela contestada.

Pôr abaixo qualquer coisa é simples. Lembro de quando eu era um garotinho, de uns seis anos de idade, que, junto com um amigo, um pouco mais velho do que eu, passávamos horas batendo, com pedras que carregávamos em nossas mãos, em um muro de uma casa abandonada que ficava na rua onde morávamos. Todo dia, íamos até lá e, pouco a pouco, descascávamos aquele muro velho. Até que aconteceu, depois de tanto fazermos aquilo, o que parecia impossível para dois pirralhos: o muro veio abaixo. Se pedissem para que levantássemos uma construção que fosse um décimo do tamanho daquele muro não conseguiríamos, mas fazê-lo cair foi algo que até dois fedelhos foram capazes. Destruir a obra alheia é, de fato, trabalho para qualquer um; construir, porém, para poucos.

As pessoas deveriam ser avaliadas, principalmente, pelo que se propõem erigir, não apenas pelo que elas combatem. Se para entender as idéias de alguém pode ser importante saber contra o que se levanta, para desmascará-lo, sendo ele um charlatão, basta exigir dele que apresente as alternativas, que tem em sua mente, ao que critica. Ao fazer isso, revelar-se-á, invariavelmente, que a crítica pode parecer muito inteligente, mas a alternativa, muitas vezes, é bastante estúpida.

Exaltar quem vive de mostrar as falhas alheias pode ser um erro, pois pode fazer você associar-se intelectualmente a alguém que, a despeito de aparentar sabedoria, não passa de um iconoclasta.

E para não se transformar, você também, em um deles, é mister, antes de fazer qualquer crítica, perguntar-se quais são às alternativas possíveis àquela a ser criticada. Se revelar-se algo melhor ao que foi feito, mantenha a censura. Caso contrário, é melhor calar-se.

Uma cultura esquizofrênica

Há características culturais que se assemelham muito a patologias. Costumamos ver estas como anormalidades que se manifestam nas pessoas individualmente. Porém, já escrevi sobre como uma cultura pode apresentar, por exemplo, características psicopáticas. Agora, quero mostrar que ela também pode ser esquizofrênica.

A característica marcante da esquizofrenia é a defesa obsessiva do self. O esquizofrênico vê tudo como uma ameaça ao seu ego e, para protegê-lo, chega a criar selfs-máscaras, que servem para esconder quem ele é verdadeiramente.

O esquizofrênico pode parecer, muitas vezes, uma pessoa bastante normal. Mas isso é só aparência. O que ele faz é criar personagens que interajam socialmente. Mas isso com um objetivo muito claro: esconder e proteger a verdadeira personalidade.

O problema da personalidade esquizóide é que ela é paranóica e acha que todo mundo está tentando desvendá-la. Seu maior medo é ser descoberta; é verem quem ela é verdadeiramente. A vida do esquizofrênico praticamente resume-se em agir em defesa de seu ego.

Posto isso, fica muito claro que quase toda a atuação das pessoas em redes sociais e demais círculos de convivência tem muito dessa atitude esquizofrênica. Percebe-se que boa parte de suas manifestações, ditos e interações são feitas não pelo seu self verdadeiro, por sua verdadeira personalidade. O que se apresenta são, de fato, as máscaras – ou como os sociólogos e filósofos preferem chamar: os papéis sociais.

Papel social uma pinóia!

O que aparece mesmo é um belo de um personagem, uma figura fingida que faz o maior esforço para, ao mostrar aquilo que seu autor quer mostrar, esconder a pessoa real que se esconde por trás.

E tudo isso sob os aplausos e aprovação do meio. Afinal, uma atitude esquizóide só pode ser considerada normal dentro de uma cultura esquizóide.

O cerne da religião

Quando a religião deixa de ser a abertura para a verdade, ela já não mais faz diferença. É apenas mais um meio, entre tantos, para a satisfação da alma, para seu consolo, para a tentativa de encontrar paz.

Quando ela se transforma nisso, não existe mais diferença entre uma reunião religiosa e um workshop motivacional promovido por um coach. Os temas são os mesmos, a abordagem idêntica e até as formas se assemelham.

No final, tudo gira em torno da necessidade humana de conforto, de felicidade e de sentido. Independentemente de qualquer verdade subjacente, de qualquer realidade que se sobrepõe a nós, o mais importante passa a ser o sentimento, a sensação experimentada. O que as coisas são não importa. Importa o que elas nos causam.

No entanto, a religião deveria ser um mergulho profundo no sentido radical da existência. Nem sempre esse sentido traz sensações agradáveis. Pelo contrário, às vezes é até perturbador. Mas, não importa, é a verdade.

Isso não significa que a religião não ofereça boas sensações. Porém, estas são mero efeito, quase sempre indireto, de sua essência.

O cerne da religião é o que ela revela. Se essa revelação tem bons e agradáveis efeitos, isto é lucro.

Eterno estudante

De todas as minhas atividades, aquela que mais me define é a de estudante. Se um dia eu parar de estudar, é porque enlouqueci ou morri mesmo.

Eu digo isso porque conheço gente que acha que não precisa estudar mais; que tem um momento da vida que importa fazer, conquistar. Que os estudos se encaixam dentro de uma época, principalmente quando se é jovem. Eles seriam, então, parte de um período preparatório, mas dispensável no momento que o que importa são as realizações.

Então, seus estudos cessam-se. Na melhor das hipóteses, diminuem drasticamente. E,na mesma proporção que se envaidecem por suas conquistas, emburrecem-se. Quem já se deparou com empresários bem-sucedidos, mas ignorantes e com obtusos que alcançaram notoriedade sabe exatamente do que eu estou falando.

É preciso entender que nós, seres humanos, não somos – como nada na natureza – estáticos. Das células que compõem o nosso corpo aos conteúdos da nossa mente, estamos em constante movimento. Não temos assim o privilégio da manutenção. Isso quer dizer que se não evoluímos, necessariamente corrompemo-nos; se não crescemos, diminuímos.

A vida intelectual – que é espiritual, de toda maneira – não é diferente. Se paramos de adquirir conhecimento, isso não significa que nos manteremos com o mesmo nível de inteligência de antes. Pelo contrário, a inteligência que não é alimentada definha-se.

Às vezes, pensamos em nossa mente como um repositório de dados que, uma vez colocados ali, estarão para sempre disponíveis para serem acessados. No entanto, o processo é bem mais complicado. Há todo um dinamismo que envolve memória, conexões, raciocínio, simbolizações, referências e associações que torna incrivelmente complexo o processo mental. Sendo assim, ela precisa ser exercitada e alimentada constantemente. Pare de fazer isso e gradativamente sua mente irá perder suas capacidades, e mesmo aquilo que se sabe começa a ser perdido ou, pelo menos, vai ficando nebuloso.

Fora isso, existe o fato de que o conteúdo de informações disponível é muito mais abrangente do que qualquer mente individual consegue abarcar. Quando alguém abdica de continuar estudando, portanto, está abrindo mão da possibilídade de adquirir novos conhecimentos – que sempre existirão além daquilo que a pessoa já sabe. Isso pode representar uma mera resignação, uma simples desistência de conhecer mais. Mas pode ser algo bem pior: a ilusão de que o que conhece abarca quase tudo. E, neste caso, estamos diante da verdadeira estupidez, que é a ignorância em relação aquilo que não se sabe.

A verdade é que permanecer estudando não significa o adiamento de uma vida produtiva, nem uma confissão de despreparo – como algumas pessoas entendem – mas o reconhecimento que, se quisermos continuar evoluindo, precisamos manter alimentando nosso espírito. Como disse o químico francês, Michel Chevreul: “O homem deve considerar-se um estudante por toda a vida, uma vez que deve procurar, toda a vida, tornar-se mais capacitado e melhor”.

Ser um eterno estudante é reconhecer a essência da nossa natureza, a saber, algo dinâmico que precisa alimentar-se para continuar evoluindo.

Por essa razão, repito: de tudo o que sou, de tudo o que faço, nada me define melhor do que ser um estudante. Por isso, tenho certeza que morrerei assim: estudando.

Como se (não) fossem morrer

Dizem que o certo é viver como se fôssemos morrer amanhã. Sêneca, e depois Montaigne, diziam que viver é exatamente isso: aprender a morrer.

O mártir tornou-se o ideal de conduta. Aquele que despreza a morte o exemplo a ser seguido.

Só que quando eu observo o que a quase totalidade dos homens construiu, percebo que o que os motivou foi algo bem diferente do que a consciência sobre a morte. Fica claro que a energia que encontraram para fazer o que fizeram veio do fato não de viverem como se fossem morrer, mas, pelo contrário, de viverem como se não fossem morrer jamais.

Os homens encontram vontade de fazer as coisas geralmente porque fingem não perceber que a morte está à espreita. É esta ilusão de perpetuidade que os leva a acumular riquezas que não usufruirão, a criar instrumentos que não gozarão, a lutar por causas das quais não tomarão parte dos resultados.

Viver pensando na morte não é errado. Pelo contrário, é o ideal. Mas é algo para santos e heróis. Porém, se todos vivessem assim, como se fossem santos e heróis, o mundo seria um caos.

O que nos amedronta

Não fosse o túmulo vazio, estaria eu contando meus dias, aguardando apenas o enlace definitivo de uma vida sem sentido.

Mas o corpo daquele que esperavam estar lá deixou, vivo, a frieza do sepulcro, anunciando ao universo que a temida morte estava, enfim, derrotada.

A partir daí, o que nos amedronta? Absolutamente nada!

O terror dos homens foi subjugado. O que pode deter-nos, então?

Razões Armamentistas – Lição 01 – Armas, um instrumento de igualdade

Quando se pensa em alguém que defende o armamento, logo vem à cabeça aquele tipo apaixonado por armas, colecionador, que conhece todos os tipos e marcas de revólveres e espingardas. Porém, este não é o meu caso. Eu não tenho intimidade alguma com armas, jamais tive uma arma, não possuo qualquer afeição especial por armas e, ainda assim, sou um defensor do armamento do cidadão comum.

Na verdade, para defender o armamento, não é necessário ser um apaixonado por armas. Isso porque defender o armamento não é uma questão de gosto, nem dever ser impulsionado pela paixão, mas sim pela lógica e pela análise da realidade e do Direito.

Foi assim que cheguei à conclusão que o armamento geral e quase irrestrito é o melhor para uma sociedade civilizada. Digo isso, inclusive, porque além do meu desinteresse pessoal pelas armas, eu ainda defendia uma ideia sobre o desarmamento que me parecia bastante racional, mas que eu percebi estar equivocada. Eu dizia que era a favor do desarmamento desde que fosse possível desarmar a todos. Assim, eu era um armamentista, porém, apenas por entender que era a única opção possível diante da impossibilidade estatal de desarmar a todos, principalmente os criminosos. Claro que, quando eu dizia isso, sabia que estava lançando mão de um recurso retórico, ciente da impossibilidade real daquilo que eu dizia acreditar. Isso me tornava, pode-se dizer, menos um armamentista por convicção do que um armamentista por resignação.

No entanto, com o tempo eu fui percebendo que mesmo esta minha posição possuía um equívoco fundamental, que encontrava-se na raiz da concepção que eu possuía em relação à natureza da arma. O fato é que eu apenas conseguia enxergar a arma como um instrumento de agressão – seja de ataque, seja de defesa. Assim, eu concluía que, se outras pessoas possuem acesso a esse instrumento de agressão, para poder defender-me, eu deveria também possuir esse direito.

Porém, ainda que essa fosse uma conclusão bastante lógica, escapava-me uma característica essencial das armas que mudava completamente a forma de enxergá-las: o fato delas serem não apenas instrumentos de ataque ou defesa, mas, antes de tudo, de paridade física. Deixando de olhar apenas para sua função material direta, pude perceber sua função social mais ampla: de possibilitar a existência de uma sociedade mais igualitária.

O que eu quero dizer é que, considerando que, em relação à força física, as pessoas são diferentes, havendo sempre os mais fortes e os mais fracos, a arma acaba cumprindo o papel de equalizador dessas forças, oferecendo a possibilidade aos mais fracos de colocarem-se diante dos mais fortes não mais como vítimas indefesas, mas como semelhantes.

Na verdade, a invenção da arma caracteriza algo típico de uma sociedade civilizada, a saber, a vitória do homem sobre a natureza. Isso porque a natureza, deixada em si mesma, permite que coexistam forças muito desiguais. Em estado natural, sempre haverá homens mais fortes e outros mais fracos e, quase sempre, homens mais fortes que mulheres. A arma, portanto, supera essa imposição natural e permite que homens mais fracos e mulheres possam, minimamente, igualar suas forças em relação aqueles indivíduos naturalmente mais fortes. São as armas que elevam os mais fracos fisicamente a condição de iguais. Até por isso eu entendo que as mulheres deveriam ser as primeiras a defender o armamento. Elas são as maiores beneficiadas por ele. Com uma arma, uma mulher tem bastante diminuídas as possibilidades de sofrer qualquer tipo de abuso. As armas são, portanto, o verdadeiro instrumento de igualdade.

Por isso, as armas acabam sendo um instrumento indispensável a uma sociedade civilizada, principalmente para uma democracia. Se a democracia é o sistema político que busca dar a todas as pessoas os mesmos direitos e as mesmas oportunidades, oferecendo a chance a todos de participar dela de uma maneira razoavelmente igualitária, as armas acabam sendo um instrumento indubitável de sua manutenção. Tanto que a maior democracia do mundo, a dos Estados Unidos da América, foi estabelecida sobre o direito inalienável de seus cidadãos de portarem armas. E este direito, materializado na segunda emenda da Constituição Americana, está arraigada na mentalidade daquele povo. Não é à toa que mesmo com os incessantes ataques ideológicos, ela continua firme e forte, dando sustento à democracia do país que ela sustenta. Na história dos Estados Unidos, as armas cumpriram a função de manter o equilíbrio entre as diversas forças que se impunham dentro de seu território. Forças e idéias tão diferentes, mas que precisavam coexistir e construir juntas uma nação. Nesse contexto, foram as armas que forneceram o fundamento necessário para que isso acontecesse.

Por tudo isso, minha posição atual é que as armas são um instrumento indispensável à democracia. Por sua natureza, elas são indispensáveis em qualquer nação civilizada. Na verdade, a arma é uma criação humana, da mesma maneira que a civilização é uma criação humana e a arma foi exatamente criada de forma a tornar a civilização possível. São os grupos selvagens que estão sujeitos as forças da natureza, onde os mais fortes sobrepõem-se sobre os mais fracos. As armas, portanto, superam isso, tornando, em alguma medida, todos iguais.

Ao ponderar todas essas considerações, eu passei a admirar as armas, não como objetos materiais, mas como idéia. Também, não tenho receio algum de afirmar que o direito ao uso de armas, por todos os integrantes de uma sociedade, é algo que deve ser perseguido e defendido por quem trabalha em favor de uma sociedade mais justa e mais igualitária.

Razões Armamentistas – Lição 01 – Armas, um instrumento de igualdade

Quando se pensa em alguém que defende o armamento, logo vem à cabeça aquele tipo apaixonado por armas, colecionador, que conhece todos os tipos e marcas de revólveres e espingardas. Porém, este não é o meu caso. Eu não tenho intimidade alguma com armas, jamais tive uma arma, não possuo qualquer afeição especial por armas e, ainda assim, sou um defensor do armamento do cidadão comum.

Na verdade, para defender o armamento, não é necessário ser um apaixonado por armas. Isso porque defender o armamento não é uma questão de gosto, nem dever ser impulsionado pela paixão, mas sim pela lógica e pela análise da realidade e do Direito.

Foi assim que cheguei à conclusão que o armamento geral e quase irrestrito é o melhor para uma sociedade civilizada. Digo isso, inclusive, porque além do meu desinteresse pessoal pelas armas, eu ainda defendia uma ideia sobre o desarmamento que me parecia bastante racional, mas que eu percebi estar equivocada. Eu dizia que era a favor do desarmamento desde que fosse possível desarmar a todos. Assim, eu era um armamentista, porém, apenas por entender que era a única opção possível diante da impossibilidade estatal de desarmar a todos, principalmente os criminosos. Claro que, quando eu dizia isso, sabia que estava lançando mão de um recurso retórico, ciente da impossibilidade real daquilo que eu dizia acreditar. Isso me tornava, pode-se dizer, menos um armamentista por convicção do que um armamentista por resignação.

No entanto, com o tempo eu fui percebendo que mesmo esta minha posição possuía um equívoco fundamental, que encontrava-se na raiz da concepção que eu possuía em relação à natureza da arma. O fato é que eu apenas conseguia enxergar a arma como um instrumento de agressão – seja de ataque, seja de defesa. Assim, eu concluía que, se outras pessoas possuem acesso a esse instrumento de agressão, para poder defender-me, eu deveria também possuir esse direito.

Porém, ainda que essa fosse uma conclusão bastante lógica, escapava-me uma característica essencial das armas que mudava completamente a forma de enxergá-las: o fato delas serem não apenas instrumentos de ataque ou defesa, mas, antes de tudo, de paridade física. Deixando de olhar apenas para sua função material direta, pude perceber sua função social mais ampla: de possibilitar a existência de uma sociedade mais igualitária.

O que eu quero dizer é que, considerando que, em relação à força física, as pessoas são diferentes, havendo sempre os mais fortes e os mais fracos, a arma acaba cumprindo o papel de equalizador dessas forças, oferecendo a possibilidade aos mais fracos de colocarem-se diante dos mais fortes não mais como vítimas indefesas, mas como semelhantes.

Na verdade, a invenção da arma caracteriza algo típico de uma sociedade civilizada, a saber, a vitória do homem sobre a natureza. Isso porque a natureza, deixada em si mesma, permite que coexistam forças muito desiguais. Em estado natural, sempre haverá homens mais fortes e outros mais fracos e, quase sempre, homens mais fortes que mulheres. A arma, portanto, supera essa imposição natural e permite que homens mais fracos e mulheres possam, minimamente, igualar suas forças em relação aqueles indivíduos naturalmente mais fortes. São as armas que elevam os mais fracos fisicamente a condição de iguais. Até por isso eu entendo que as mulheres deveriam ser as primeiras a defender o armamento. Elas são as maiores beneficiadas por ele. Com uma arma, uma mulher tem bastante diminuídas as possibilidades de sofrer qualquer tipo de abuso. As armas são, portanto, o verdadeiro instrumento de igualdade.

Por isso, as armas acabam sendo um instrumento indispensável a uma sociedade civilizada, principalmente para uma democracia. Se a democracia é o sistema político que busca dar a todas as pessoas os mesmos direitos e as mesmas oportunidades, oferecendo a chance a todos de participar dela de uma maneira razoavelmente igualitária, as armas acabam sendo um instrumento indubitável de sua manutenção. Tanto que a maior democracia do mundo, a dos Estados Unidos da América, foi estabelecida sobre o direito inalienável de seus cidadãos de portarem armas. E este direito, materializado na segunda emenda da Constituição Americana, está arraigada na mentalidade daquele povo. Não é à toa que mesmo com os incessantes ataques ideológicos, ela continua firme e forte, dando sustento à democracia do país que ela sustenta. Na história dos Estados Unidos, as armas cumpriram a função de manter o equilíbrio entre as diversas forças que se impunham dentro de seu território. Forças e idéias tão diferentes, mas que precisavam coexistir e construir juntas uma nação. Nesse contexto, foram as armas que forneceram o fundamento necessário para que isso acontecesse.

Por tudo isso, minha posição atual é que as armas são um instrumento indispensável à democracia. Por sua natureza, elas são indispensáveis em qualquer nação civilizada. Na verdade, a arma é uma criação humana, da mesma maneira que a civilização é uma criação humana e a arma foi exatamente criada de forma a tornar a civilização possível. São os grupos selvagens que estão sujeitos as forças da natureza, onde os mais fortes sobrepõem-se sobre os mais fracos. As armas, portanto, superam isso, tornando, em alguma medida, todos iguais.

Ao ponderar todas essas considerações, eu passei a admirar as armas, não como objetos materiais, mas como idéia. Também, não tenho receio algum de afirmar que o direito ao uso de armas, por todos os integrantes de uma sociedade, é algo que deve ser perseguido e defendido por quem trabalha em favor de uma sociedade mais justa e mais igualitária.