O valor humano e a desvalorização calvinista

Soube que um conhecido cantor cristão andou escrevendo que a cruz não revela nossos pecados, mas nosso valor. Indignados, vi, também, vários teólogos refutando o rapaz. O que ambos lados parecem não entender é que a cruz não é um sinal estático, mas, como todo símbolo, carrega em si vários significados. Ela aponta o pecado, sim, pois nela esteve aquele que o carregou. Mas também o nosso valor, porque Cristo foi pregado nela por nós.

Se não houvesse qualquer valor intrínseco no homem, nada faria sentido. É a existência de algum valor humano que serve como referência de seus atos. Se não há valor, não há o bem, nem o mal. Se todos são, meramente, o nada, não há diferença entre o santo e o crápula.

Cristo morreu por um nada? Deus amou um nada?

É o próprio amor divino quem declara que há algum valor em seu amado; é o próprio ato de sacrifício que diz que havia algo ali a se salvar.

Mas os calvinistas mais radicais confundem, na ânsia de justificar sua doutrina fatalista, méritos e valor. Atropelam a razão misturando o ser e seus atos.

Se dizem que não há mérito algum no homem, capaz de lhe propiciar a salvação, não há o que lhes opor. Quando, porém, em consequência dessa máxima concluem que, por isso, não existe valor algum no ser humano, então merecem a mais dura reprimenda.

É óbvio que o homem possui um valor intrínseco, afinal, é criatura divina. E ainda que se afirme que sua decadência é plena, ninguém pode dizer que ele é outra espécie, senão a mesma criada por Deus. Sendo assim, pelo mero fato de ser obra do Criador, seu valor fica já escancarado. A não ser que alguém tenha coragem de declarar que uma feitura de Deus não tem valor nenhum.

Além disso, não há declaração maior do valor humano do que a própria encarnação. Deus não se fez um nada. E sendo Cristo o arquétipo perfeito de uma raça, dizer que todos os integrantes dessa raça não são nada beira à insanidade.

E por quem Jesus se sacrificou senão por aqueles a quem amou? E se morreu por eles é porque os amou, e se os amou é porque viu neles algo que valia a pena salvar. E que não se confunda isso com méritos. Os homens não merecem e não fizeram nada para ter a salvação. No entanto, apesar deles mesmos, de seus pecados e suas transgressões, Deus vê neles algo de valor para ser resgatado.

O diamante não possui mérito algum de ser o que é, nem o sal pode ser louvado por dar sabor aos alimentos. E apesar de não serem mais do que são, isso não tira o valor que possuem. O homem, da mesma forma, é o que é. E se não pode ser louvado pelo que é, isso não lhe retira sua condição de ser importante para Deus.

Na verdade, o que os deterministas cristãos não entendem é que se o valor do homem não é suficiente para ser-lhe dada a salvação, e nisto não há o que retrucar, ao menos é a razão para ela ter-lhe sido oferecida, ou imposta, como eles preferem.

 

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