Falar a verdade sobre a escravidão não é, necessariamente, ser favorável a ela. Nem quem tem o compromisso com a realidade dos fatos pode ser considerado racista

No programa A Hora Final, do dia 20 de novembro de 2014, escolhi como tema uma reflexão sobre o chamado Dia da Consciência Negra, analisando os motivos da criação desse dia e também fazendo uma revisão histórica do que foi a escravidão no Brasil e suas consequências.

Tentei ser bastante ponderado, sem me esquivar de apresentar os fatos como eles realmente aconteceram. Não neguei, em nenhum momento, as mazelas da escravidão e o legado de dificuldades que ela deixou para os negros, porém não deixei de mostrar como há fatos que revelam que muito do que se ensina sobre aquele período não passa de mito e retórica para o fortalecimento da militância racial.

Ainda assim, algumas reações, como já esperado, foram de extrema indignação, chegando ao ponto de prometerem me denunciar à polícia por racismo. Como se eu estivesse cometendo algum crime, pessoas, que certamente são militantes, acharam diversas coisas que eu disse um absurdo e uma afronta e acreditam, sinceramente, que eu merecia alguma punição por isso.

E o que eu disse, basicamente? Nada que já não seja do conhecimento de qualquer pessoa que minimamente estuda o tema:

  • que antes de serem escravos por aqui, os negros eram escravizados na própria África, obviamente, por outros negros;
  • que houve escravidão promovida por negros contra outras raças em períodos históricos anteriores;
  • que a escravidão era um fato social, não sendo considerado nenhum absurdo na época;
  • que a abolição da escravatura não foi conquistada pelas lutas dos escravos, mas, principalmente, pelo trabalho dos abolicionistas, que eram, em sua maioria, brancos;
  • que Zumbi não era necessariamente contra a escravidão, pois ele mesmo teve escravos;
  • que a escravidão não era fruto de preconceito, mas tinha fundamento econômico e cultural;
  • que o fim da escravidão traria, inevitavelmente, dificuldades sociais para os negros e que essas dificuldades se refletem até hoje. No entanto, elas são menos fruto de preconceito do que da consequência óbvia da inserção dessas pessoas na vida social livre.

No entanto, militantes jamais pensam de maneira ponderada. Seus raciocínios são dirigidos por slogans e suas falas são apenas repetições vazias de frases feitas que não têm qualquer compromisso com a realidade, mas apenas com os objetivos da militância.

No caso, nenhum daqueles que se levantaram contra o que falei no programa apresentaram razões minimamente decentes para contestar o que apresentei. Simplesmente, fizeram eco aos velhos chavões que o movimento negro vive proferindo para todos os lados.

O que esse pessoal não entende é que falar a verdade sobre a escravidão não é, necessariamente, ser favorável a ela. Nem quem tem o compromisso com a realidade dos fatos pode ser considerado racista. Os fatos são o que são e foram o que foram. Não é possível mudar a história somente para que sirva para promover uma ideia, ainda que esta tenha as melhores das intenções.

Que os negros ainda sofrem com as consequências da escravidão, isso é óbvio. Se há pouco mais de um século seu ascendentes se tornaram recém libertos, é evidente que dificuldades ainda refletem nos dias de hoje. Não se muda o status social de um grupo por meio de uma canetada, de um decreto. É necessário que o tempo vá corrigindo as diferenças e, gradualmente, mais e mais negros consigam ascender socialmente.

É errado tentar analisar essa situação por meio de números absolutos. É preciso verificar como, proporcionalmente, os negros estão conseguindo seu lugar digno na sociedade. Deve-se pensar assim: com o fim da escravidão, praticamente 100% dos negros ficaram à margem da vida social. Aos poucos, a porcentagem de negros que vão conseguindo se inserir na sociedade vai aumentando. Então, o que deve ser analisado, é qual a curva estatística da porcentagens de negros que conseguem participar da vida social de maneira equivalente a todos os outros.

Eu sei, isso parece cruel e injusto, mas esse tipo de acerto social não se resolve por meio de determinações legais. A própria sociedade deve trabalhar para que isso aconteça, porém, consciente de que nada disso se resolve em uma, duas nem três gerações.

Querer, com a análise enviesada dos fatos, inculcar na cabeça dos negros de nosso país que a sociedade brasileira é preconceituosa e quer, deliberadamente, deixar à margem todos eles é algo criminoso. É óbvio que um país com as dimensões do Brasil sempre apresentará casos de racismo e de outros tipos de violência, mas se observarmos a nação como um todo, não é possível que alguém afirme, sem estar com más intenções, que somos um país racista.

Quanto aos militantes, com estes sequer perco meu tempo em tentar convencê-los de algo, pois os argumentos racionais e a lógica não são coisas às quais eles sejam muito afeiçoados.