Categoria: Pedagogia

Pedagogia

Pensamento Crítico

Pais, com ares de que irão tomar uma grande decisão, saem de casa garbosos, em busca de uma escola na qual confiarão seus filhos. A oferta é grande e as promessas infinitas. Escolhem uma que na propaganda afirma que aplica os métodos mais modernos da pedagogia. Como tudo o que é moderno parece bom, marcam uma reunião com a diretora. Ao chegarem à escola ficam encantados com a ordem e segurança do local. No entanto, como são pais que se preocupam em proporcionar a melhor formação para suas crianças, ficam seduzidos pela promessa de que ali os alunos são estimulados a desenvolverem, desde cedo, um pensamento crítico.

Aqueles pais, já imaginando, cheios de orgulho, seus filhos vociferando, numa tribuna qualquer, à maneira de uma Greta Thunberg, contra os males da sociedade, assinam o contrato e voltam para casa aliviados, certos de que cumpriram sua missão.

A escola, então, cumprindo fielmente o prometido, começa a estimular as crianças a olharem para a sociedade de maneira a examiná-la, avaliá-la e julgá-la. Não demora e logo surge uma redação sobre algum tema espinhoso (pode ser sobre as queimadas na Amazônia, o racismo estrutural, a participação feminina na política ou mesmo sobre os altos índices de criminalidade).

Não importa que aqueles pequenos infantes não tenham a mínima ideia do assunto que vão tratar; que não tenham a mínima capacidade de tecer qualquer comentário sobre o tema; que não saibam nada da vida, nem tenham estudado nada sobre a matéria. O que importa, para os novos pedagogos, é que, sendo estimuladas a dar suas opiniões, fortalecerão sua capacidade de criticar, que é o objetivo pedagógico declarado.

Desenvolver o pensamento crítico até seria louvável. O problema é querer fazer isso desde muito cedo, estimulando as crianças a darem opinião sobre o que não têm a mínima noção, viciando-as em serem palpiteiras e a falar sem ter dedicado um mínimo de atenção e espaço ao assunto abordado.

Obviamente que, ao serem estimuladas a isso, aprendem a concentrar-se em seus próprios raciocínios, valorizando seus próprios processos cognitivos, enquanto desprezam a riqueza do conhecimento acumulado pela sociedade e os próprios fatos.

O resultado desse tipo de aprendizagem é a exaltação da opinião, não do conhecimento. Com o tempo, o apego às concepções pessoais torna-se tão forte que o aluno já não consegue conceber outras “verdades” senão aquelas que ele mesmo consegue formular. Suas opiniões acabam confundidas com a própria realidade.

Alguns métodos educativos modernos, portanto, tornam os jovens intelectualmente autofágicos e cognitivamente egocêntricos. São capazes de gerar falastrões, mas dificilmente formarão filósofos.

Isso é uma traição à própria missão da pedagogia, que não é fazer o aluno mergulhar para dentro de si mesmo, em um processo de retroalimentação de suas próprias concepções, mas conduzi-lo para além de suas experiências e perspectivas, colocando-o em contato com a riqueza de sabedoria que existe no mundo.

Na verdade, o objetivo da educação é tornar o aluno menos confiante em relação ao que pensa saber e fazê-lo desconfiar do que sabe, despertando nele o desejo de buscar o conhecimento fora, onde quer que o conhecimento esteja.

O fato é que educar (do latim ex ducere, ou seja, levar para fora) é tirar o indivíduo de dentro de si, de seu mundinho reflexo unicamente de suas sensações imediatas; é fazê-lo ver as coisas de maneira indireta; é ensiná-lo a olhar por outros prismas; é fazê-lo entender que o abismo entre o que se pode retirar da sua experiência direta e o que se pode absorver do conhecimento universal é imenso.

A função da educação é colocar o aluno em contato com o conhecimento universal. Se isso irá gerar nele um pensamento crítico, será meramente por um efeito indireto, porém nunca como meta; no máximo, como efeito indireto do desenvolvimento de uma mente capaz de ler a realidade.

Professor Reflexivo

Um professor de escola pública não precisa comportar-se como um burocrata; nem um professor de escola particular precisa ser um mero cumpridor das ordens do seu patrão. Pedagogia não é seguir manuais e cartilhas e o fiel cumprimento de um planejamento não garante uma boa aula. Professores que apenas seguem o roteiro programado não se desenvolvem, não aprimoram sua didática e não ajudam seus alunos a evoluir.

Pedagogia é um processo humano, essencialmente interativo, que se aprimora na experiência, exigindo o ajuste constante, com a eliminação do que não está dando certo e melhora do que funciona. Por isso, o professor jamais deve se acomodar nos métodos que lhe foram ensinados, mas buscar sempre aprimorar sua didática.

No entanto, não existe aprimoramento sem reflexão. Por isso, um professor comprometido com sua vocação reavalia-se constantemente, pois é isso que permite com que suas práticas didáticas estejam sempre em harmonia com as necessidades dos seus alunos, com as circunstâncias que os envolvem e com os objetivos propostos para seu desenvolvimento. São essas reavaliações que proporcionam o ajustamento do método à realidade, afastando o que fracassa e promovendo o que funciona. Sem contar que o processo de desenvolvimento pedagógico é ininterrupto, pois sempre é possível melhorar mesmo aquilo que já está dando certo.

Donald Schön, pedagogo norte-americano que escreveu sobre o professor reflexivo, elencou os três tipos de reflexões que os professores devem fazer: (1) a reflexão da prática, que é a avaliação da didática em si mesma, pela verificação da aplicação do método pedagógico e sua eficácia imediata; (2) a reflexão sobre a prática, que envolve a análise da método pedagógico, seus objetivos, seus motivos, sua razão de existir, permitindo uma crítica sobre sua própria aplicação e (3) a reflexão sobre a reflexão sobre a prática, que envolve a crítica da própria existência do método didático e de sua relação com as circunstâncias, permitindo a avaliação do método, em relação a sua relevância e sentido diante da realidade prática que se impõe.

O fato é que o professor que realmente tem a intenção de sempre oferecer o melhor para os estudantes com os quais interaje não se esquiva do processo de constante reflexão sobre seu trabalho, mas, por um exercício de autoanálise, pela observação crítica do próprio trabalho, pelo fortalecimento do conhecimento teórico e, obviamente, pela experiência prática, torna seu exercício pedagógico cada vez mais eficiente, torna realidade o que jamais deve escapar de suas vistas: o constante aprimoramento dos alunos.

Crítica prematura

Antes de querer criticar, aprenda sobre seu objeto de crítica. Isso é uma regra básica, uma atitude óbvia. Não existe crítica sem conhecimento do criticado. É assim em qualquer área do conhecimento humano – do futebol à metafísica.

E não basta um conhecimento superficial do assunto. Quem se arroga no direito de criticar algo precisa conhecê-lo com profundidade, a ponto de poder julgá-lo com autoridade.

Criticar sem conhecer é leviandade e os jovens têm sido estimulados a ser levianos ao serem induzidos a desenvolver o chamado senso crítico sem antes conhecerem aquilo sobre o que pretendem tecer suas críticas. Pior ainda: são provocados a criticar governos, sociedade, tradições sem nem mesmo entenderem a realidade mais elementar e imediata que os cerca.

Isso é uma inversão completa da razão. Não é difícil entender que a crítica é um direito adquirido de quem conhece, de quem entende como determinada coisa funciona. Quem se arroga no direito de avaliar o que não entende não passa de um palpiteiro.

Todo nosso sistema de ensino, portanto – da pré-escola à universidade – é uma fábrica de palpiteiros. Aliás, toda nossa cultura, com sua indução ao parto prematuro de idéias, é uma geradora incansável de falastrões, que acham que podem dar opiniões sobre tudo, mas que não fazem esforço para entender qualquer coisa.

Professores socialistas

Nossos professores são, realmente, em sua maioria, socialistas?

Muitos deles afirmam que não, apesar do notório viés socialista de boa parte do conteúdo que ensinam.

No entanto, talvez essa negação não seja tão mentirosa.

É bem provável que a maioria dos professores sequer seja socialista convicta, mesmo que suas convicções intelectuais e, por consequência, aquilo que ensina, sejam ideias de origem e vinculadas ao pensamento socialista.

Isso porque as ideias socialistas que esses professores absorveram em sua formação, apesar de lhes terem sido apresentadas como as mais nobres, as melhores e as mais corretas, não lhes foram apresentadas como ideias socialistas.

Além do que, para formar um professor de mentalidade socialista, não é preciso induzi-lo à militância, nem fazer propaganda explícita de qualquer ideologia; basta fazer com que ele acredite que os preceitos socialistas, travestidos de preceitos científicos, que aprendeu de seus mestres são os corretos.

Então, mesmo sem saber que tratam-se de ideias socialistas, ele irá replicá-las exaustivamente porque crerá ser o que existe de melhor, senão o único pensamento que existe.

Além disso, basta ensiná-lo a venerar Paulo Freire, a respeitar Emilia Ferrero, a crer que Marx era um gênio e a louvar Vigotsky e não é preciso mais nada para formatá-lo como um bom professor à moda socialista.

E, assim, orgulhoso de ter tido acesso ao que acredita ser o que há de melhor entre os pensadores e ideias em suas respectivas áreas de atuação, despejará confiante e orgulhosamente esses ensinamentos sobre seus alunos.

Por isso, antes de se discutir sobre o que os alunos estão aprendendo de seus professores, é preciso questionar o que estes professores estão aprendendo como alunos.

O papel do professor

O que os pais esperam da escola é que ela prepare seus filhos para a sobrevivência. A expectativa é de que a escola lhes dê a instrução necessária para enfrentar os desafios impostos pela vida. Os pais querem que seus filhos aprendam a ler, a escrever, a fazer contas, sobre as leis da natureza e sobre a história do mundo onde habitam – pois são esses os instrumentos necessários para viver em sociedade

Porém, do lado dos pedagogos, que são os responsáveis por suprir essa expectativa dos pais, parece que o objetivo é outro. Eles têm a convicção de que seu papel é ensinar os pequeninos a romperem com as tradições. Eles estão certos de que os alunos precisam aprender, principalmente, a serem críticos, a não se conformarem e a quebrarem as amarras das convenções.

Instaura-se, então, um conflito: os pais esperando que seus filhos sejam formados para a vida; os professores querendo deformá-los.

Explico a deformação: os pedagogos não levam em conta que só pode ser crítico quem é conhecedor profundo do objeto a ser criticado. É assim com os críticos de arte e até com os comentaristas de futebol. Porém, é impossível para alunos em idade escolar terem um conhecimento assim sobre a vida. Eles não possuem tempo de existência suficiente para ter absorvido o necessário para compreender o que é a sociedade. O resultado disso, portanto, não poderia ser outro: se são instigados a serem contestadores antes mesmo de entenderem minimamente aquilo que estão contestando, esses meninos e meninas tornam-se meros palpiteiros. E palpiteiros revoltados, que acham que podem julgar o mundo sem saber nem o que o mundo é.

Qual é, então, o papel fundamental do professor? Simples! É um papel absolutamente conservador: reforçar, nos alunos, os valores existentes – valores comuns que são a base da sociedade onde esses mesmos alunos vivem. Ao fazer isso, a escola ensina-os a desnudarem a realidade, instrui-os sobre o funcionamento do mundo e informa-os sobre como se dá os processos da natureza – tudo o que precisam saber para viver no ambiente em que estão.

Isso não significa, de qualquer forma, que esses mesmos alunos não possam se tornar críticos da sociedade. Torná-los críticos, apenas, não deve ser o objetivo principal da escola. Se, depois deles absorverem os elementos necessários para compreender a sociedade e conviver nela, esses jovens acharem necessário e quiserem criticá-la, tudo bem! Aliás, tais críticos são mesmo necessários.

Por uma educação elitista

Um sistema educacional que privilegia a inserção e o nivelamento jamais vai produzir gênios.

Quando o mais importante é mostrar que todos podem, quem realmente teria condições de apresentar resultados notáveis acaba se ofuscando em meio ao emaranhado de mediocridades. Quando o máximo esperado é preparado para ser alcançado por muitos, é uma multidão de operários que se está formando. Pior, operários que se acreditam geniais, enganados que foram pelos critérios que lhes foram entregues.

Por isso, temos essa infinidade de técnicos, que abundam por todo lado, e mesmo assim é tão difícil tirar dentre eles alguns poucos que sejam surpreendentes, que se comparem ao que há de melhor no mundo.

Porém, não se enganem, nosso problema não é genético, mas cultural e ideológico.

De alguma maneira, escolhemos ser estúpidos.

Razão e método na pedagogia

Todo bom professor é, de alguma maneira, corrosivo. Sem o intuito de carcomer os vícios que se impregnam na alma discípula, sem querer consumir os empecilhos naturais que atravancam o conhecimento, não se faz verdadeira pedagogia. Esta clama por alguém que não se satisfaz com o que está, mas que possui a ânsia por mexer com o que existe dentro do aprendiz. Há o interesse pela matéria e o amor pelos alunos, mas o que move um verdadeiro mestre é sua paixão pela transformação humana, por ver que o indivíduo não é mais o mesmo depois de sua atuação.

Não acredito, portanto, em pedagogos que são meros mediadores entre os fatos brutos e a mente vazia. Nem que esta pode, por si mesma, desabrochar. Isso é ligar o nada a lugar nenhum. Apenas aprende quem já possui algo em si mesmo. Só compreende quem tem os fundamentos para isso. Se não houver, tudo o que for absorvido se tornará um amontoado de ideias, sem método, sem ordem, sem sentido.

E esses elementos fundamentais não são imanentes. Não que o homem seja uma tábula rasa, mas o que sabe naturalmente é insuficiente para, por si só, concatenar os dados que se lhe apresentam. O estado humano bruto não oferece as condições para que uma cultura tão complexa seja apreendida e entendida.

É preciso, portanto, lançar as bases, preparar o terreno para que se possa edificar a mentalidade capaz de decifrar os significados por detrás da multidão de informações que se lhe apresentam. Este é o papel do professor, esta é sua missão.

Mas isso não se faz apenas pela informação. Não é assim que o ser humano se forma. Uma pedagogia eficiente se dá, de fato, por duas vias, que se completam e se encontram: o professor lançando os alicerces, ao apresentar sua compreensão da realidade, e mostrando o caminho tomado para atingir o seu intento. Tudo, afinal, é uma questão de razão e método e exemplo! Isso é o que basta para estremecer o espírito educando.

Por isso, não acredito em apostilas, em grades curriculares, nem em cadeiras. Não que não tenham alguma utilidade, mas são insuficientes para um ensinamento profundo. Eu apenas acredito no acompanhamento, pelo aluno, de seu mestre. É testemunhando sua atuação, é entendendo como ele faz, é absorvendo sua experiência e conhecimento que se forma, na alma humana, o ambiente propício para uma vida intelectual.

O resto é apenas informação; e isso qualquer pedaço de papel é capaz de fornecer.

Publicado originalmente no Núcleo de Estudos Cristãos

Quem é responsável pelos nossos filhos

Há um atributo do homeschooling que normalmente não é levado em conta. Quando as pessoas pensam em ensino domiciliar, elas costumam considerar, como razões para sua aplicação, questões morais, políticas, religiosas e de consciência. No entanto, ao menos para mim, o maior motivo para assumir a responsabilidade pelo ensino intelectual dos próprios filhos é a convicção de que são os pais os encarregados por isso, não o governo.

Em nossa cultura de achar que é sempre do Estado a incumbência pela educação das crianças, falar em homeschooling soa absurdo. Os pais que decidem por isso são mesmo tido por irresponsáveis, como se tirar as crianças da escola fosse um crime, um abandono intelectual.

O que não é muitas vezes considerado é que o ensino domiciliar significa os pais assumirem a obrigação de conduzir sua própria prole e, independente de suas convicções morais, afirmarem que, nas questões essenciais da vida dos filhos, são os pais que resolvem as coisas.

Nada mais justo e valoroso! Se os filhos são meus sou eu que devo cuidar de sua formação intelectual.

Isso não significa que esses pais precisam, pessoalmente, ser os mestres. Mas, certamente, são eles que irão escolher os professores, decidir o método que estes irão aplicar e as matérias que vão ensinar. São eles, os pais, que serão assumirão a tarefa de avaliar o desenvolvimento das crianças e decidir quando cada assunto é propício a ser ministrado.

Isso soa um escândalo para os ouvidos acostumados a escutar sobre a responsabilidade do Estado sobre as nossas vidas, do quanto ele é obrigado a oferecer boa educação e direcionar a mente dos nossos próprios filhos. No entanto, a ideia do homeschooling nada mais é do que mais uma face da filosofia do faça-você-mesmo ou do entendimento que você é quem responde por sua vida e de sua família.

Por isso, homeschooling não pode ser tratado como uma opção de radicais anti-sociais. Pelo contrário, trata-se de uma decisão bastante racional de quem sabe muito bem quais são suas obrigações dentro de uma sociedade e deseja viver sem sobrecarregá-la, nem depender dela.

Professor por vocação

Há os professores de ofício, que cumprem seus papéis, são responsáveis, gostam do que fazem e que até dão boas aulas. O mundo precisa deles. Se a maioria dos profissionais da educação fosse assim praticamente todos os problemas na área estariam resolvidos.

Mas existe um grupo ainda mais seleto, representado por algumas joias de dentro do universo da pedagogia, que não se satisfaz por oferecer aulas satisfatórias, mas esforçam-se – e conseguem – torná-las altamente desejáveis. Esse grupo é composto pelos professores por vocação. 

A qualidade das aulas de um professor vocacionado não está relacionada com o contra-cheque que recebe, nem com o ambiente acadêmico onde está inserido. Sequer ela é afetada pelo seu humor. Isso porque, para um professor por vocação, a ministração da aula é seu momento de redenção. Ali – ainda que temporariamente – seus problemas, seus anseios, suas frustrações e seus medos são deixados de lado. Importa o conhecimento a ser transmitido, o assunto a ser compartilhado.

Um educador que possui o chamado vai além do papel meramente burocrático, de quem se detém a cumprir um currículo pré-determinando, despejando mecanicamente conteúdos sobre sua audiência . Ele é um apaixonado, não apenas pelo assunto que conhece – muitos estudiosos afeiçoam-se aos temas que estudam, sem se tornarem, com isso, mestres -, mas pelo desejo intenso de repartir o conhecimento que possui e conduzir seus instruídos a uma compreensão penetrante do tema abordado.

O verdadeiro pedagogo não persegue o louvor. Sua realização dá-se mais com a absorção, pelo estudante, do que lhe foi entregue, do que com o elogio que possa receber por isso. Seu maior prazer é ver os primeiros passos desacompanhados daqueles que aprenderam com ele. Sua alegria é observar que seu aprendiz superou o mestre. E esta felicidade permanece, ainda que o próprio aluno não reconheça os méritos do seu professor.

Uma submissão travestida de autonomia

O homeschooling é o exercício do direito que os pais possuem de promover, em relação aos seus filhos, uma educação intelectual independente, segundo seus próprios critérios pedagógicos, filosóficos, morais e religiosos, isenta de qualquer interferência estatal quanto aos métodos, matérias e instituições envolvidas. Portanto, no cerne do direito à educação domiciliar encontra-se a completa autonomia em relação ao Estado quando se trata de educação dos filhos.

Considerando isso, o Projeto de Lei 3179/12, do deputado Lincoln Portela, apresentado na Comissão de Educação e Cultura da Câmara Federal, apesar de ser uma tentativa de libertar a educação das amarras estatais, mesmo após tantas outras que esbarraram no controle público absoluto sobre ela, é insuficiente para atender a demanda dos pais desejosos de aplicar o homeschooling, exatamente porque ignora os princípios que fundamentam essa escolha.

Pela proposta, seria acrescentado ao artigo 23 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, um parágrafo estabelecendo a possibilidade de os pais assumirem a responsabilidade pela educação de seus filhos, nos seguintes termos:

§ 3o É facultado aos sistemas de ensino admitir a educação básica domiciliar, sob a responsabilidade dos pais ou tutores responsáveis pelos estudantes, observadas a articulação, supervisão e avaliação periódica da aprendizagem pelos órgãos próprios desses sistemas, nos termos das diretrizes gerais estabelecidas pela União e das respectivas normas locais.

Ocorre que, com a aprovação dessa redação, o homeschooling não seria, como se espera, um direito dos pais, mas mera concessão do Estado. O ensino domiciliar estaria, assim, no Brasil, muito distante de seu aspecto ideal, que é o exercício de uma liberdade e de um direito fundamental. Quando o Projeto de Lei propõe a faculdade da admissão ao arbítrio do governo, apesar de gerar uma possibilidade atualmente inexistente, longe de proteger o exercício de um direito, com todas as garantias que lhe são próprias, criará apenas uma expectativa dependente da boa vontade do ente público, com toda precariedade típica desse tipo de concessão.

Além de tudo isso, há nessa proposta algo ainda mais pernicioso: a concentração do poder fiscalizador indiscriminado nas mãos dos agentes públicos. Ao estabelecer, de maneira ampla e indefinida, que o poder governamental é o responsável pela supervisão e avaliação periódicas das atividades exercidas dentro das famílias optantes pelo homeschooling, o Projeto de Lei está vulnerabilizando-as em face das investidas, nem sempre justas, nem sempre de acordo com os valores respeitados por elas, do Estado.

Não que algum tipo de avaliação não seja necessária, principalmente para evitar que pais relapsos utilizem da liberdade para abandonar intelectualmente as crianças que estão sob sua responsabilidade. No entanto, esses critérios avaliativos devem ser claros, objetivos e respeitosos. Como o Projeto de Lei está redigido, a discricionariedade pode ser tão grande que, ao invés do reconhecimento da autonomia educacional, promoverá a invasão estatal legalizada do seio familiar.

Casos de abusos praticados por agentes de Conselhos Tutelares têm sido veiculados ultimamente. À revelia da lei e do bom senso, alguns têm feito uso de seus cargos para, intrometendo-se em assuntos familiares, alienar os pais do exercício pleno do pátrio poder. Ora, se os abusos já ocorrem sob a égide de uma legislação dúbia, como a atual, quando a norma lhes der autoridade, como a prescrita no Projeto de Lei, esse poder concentrado em suas mãos os tornará verdadeiros policiais da educação, do pensamento e da paternidade.

A lei, se for aprovada como está proposta, escancarará as portas das casas praticantes do homeschooling para a ação constante e indecorosa dos agentes estatais. Serão assistentes sociais, psicólogos, conselheiros tutelares e tantos outros agindo em favor da manutenção da ordem pública e pela proteção das crianças. Quem serão os acusados, os suspeitos, os agressores? Obviamente, os pais.

Permitir tamanha ingerência estatal sobre a vida familiar é o oposto do que deseja qualquer pai que opta pela educação familiar. Se o que eles buscam é a autonomia, o Projeto de Lei apresentado não a oferece, de maneira alguma. Pelo contrário, como está proposto, os chamados homeschoolers tornar-se-iam presas fáceis das investidas do Poder Público, ficando à mercê de sua atuação, que, sabe-se bem, não é geralmente afeita à liberdade individual e independência.

Pode parecer que a aprovação de qualquer lei que permita a prática do ensino domiciliar no Brasil seja um passo em direção à liberdade. Porém, se ela não respeitar os princípios que o fundamentam, no lugar da autonomia prometida oferecerá, na verdade, a total submissão ao Estado.