Categoria: Política e Ideologia

Política

Vocação para a Política

O cidadão comum vê os conchavos políticos como imorais. Tanto que os condena em sua vida privada, onde mentir é errado, enganar é feio, prometer e não cumprir é vergonhoso ─ tudo que é natural na política. Aí, de repente, impulsionado pelas novas tecnologias, esse mesmo cidadão passa a acreditar que pode atuar diretamente nos jogos de poder ─ os mesmos jogos onde o que mais se pratica são aquelas atitudes que ele considera antiéticas.

O que o cidadão, algumas vezes, esquece é que povo e política não costumam se misturar. A participação popular, em algum momento, pode ter algum efeito, mas não costuma passar de uma ilusão temporária. No fim, prevalece a vontade da mesma elite de sempre. Em política, até podem acontecer convulsões pontuais, mas as coisas tendem a voltar ao seu padrão histórico, que não conta com a participação do homem comum.

Política prática não é atividade para o cidadão comum porque ele não está disposto a abrir mão de suas convicções morais para se lançar nela. O mundo político é um clube fechado, que exige, como ingresso, requisitos que o cidadão comum não quer ter. E se não está disposto a tê-los, não está apto a jogar o jogo da político e, por isso, seria um contrassenso querer vencê-lo.

O fato é que ser politico é uma vocação e para ingressar nessa carreira é preciso não ter suscetibilidades afloradas para os negócios obscuros que acontecem nos corredores dos palácios. Se a pessoa fica escandalizada com o que acontece no meio político, melhor mesmo é esquecê-lo e ir para casa estudar. Até porque contribui mais para o país um cidadão consciente e conhecedor da realidade do que um político inocente incapaz de se movimentar entre os gabinetes.

Ainda que política seja importante, nem todo mundo nasceu para ela, da mesma maneira que nem todo mundo nasceu para ser artista, jogador de futebol, engenheiro, médico ou jornalista. E insistir em uma carreira para a qual não se tem inclinação é desgastante e frustrante.

Por isso, para quem não tem vocação para a politica, melhor mesmo é manter uma distância segura dela, acompanhando tudo com bastante cuidado e parcimônia.

Eficiência na Democracia

Todos aprendemos que a democracia é o melhor dos sistemas de governo. Louvamo-na como a forma ideal de se organizar a política de um país. Falar contra a democracia transforma a pessoa num anátema.

Diante disso, é natural esperarmos que um governo democrático seja, no mínimo, eficiente. Se ele está inserido no melhor sistema político que existe, é compreensível que aguardemos que suas ações sejam as melhores.

No entanto, logo percebemos que os governos democráticos se mostram, quase sempre, bastante ineficientes. Parece que, para eles, tudo é muito difícil de se realizar.

Diante dessa constatação, não é incomum praguejarmos não apenas contra o governo, mas contra a própria democracia. Alguns de nós chegam inclusive a questioná-la e a flertar com sistemas menos liberais, onde, pelo menos, o governo faz o que se propõe a fazer, sem muitos obstáculos.

O que é preciso entender, porém, é que a democracia não foi feita para ser eficiente. Pelo contrário! Sua função é ser um sistema de contenção. Isso quer dizer que ela existe para impedir a concentração de poder, diluindo-o pelas diversas instituições do Estado.

Para conter a ânsia de poder, porém, toda democracia precisa desenvolver ferramentas que, por meio de constantes ratificações e revisões, dificultem o exercício governamental. E quanto mais destas ferramentas, mais pujante a democracia é considerada.

Obviamente, ferramentas de contenção d epoder tornam o sistema democrático excessivamente burocrático e, por consequência, faz com que, nele, o governo tenha a tendência a ser ineficiente.

Na verdade, o único aspecto pelo qual uma democracia deveria ser julgada é pela liberdade que ela assegura aos seus cidadãos. Quando ela impede a concentração de poder, é isso que ela está buscando. Para tal, porém, muito do ímpeto governamental precisará ser contido e, com isso, também sua capacidade de realização.

Portanto, ao notar a ineficiência de um governo, antes de reclamar da democracia, é sempre bom relembrar que boa parte disso é proposital, como efeito da necessidade de conter o livre-arbítrio do governante. Afinal, uma democracia não foi criada para ser eficiente, mas principalmente para impedir a tirania.

A Essência da Democracia

Burocratas enfadonhos, políticos de índole suspeita e juízes autoritários defenderem a democracia com ardor e, em alguns casos, quase aos prantos, não passa de um teatro cômico, que se não nos faz rir é porque entendemos a tragédia que se encontra por detrás de todo esse histrionismo.

Manifestações grandiloquentes e apaixonadas, comumente apenas oferecidas aos deuses, a favor de uma mera forma de governo poderiam fazer-nos jurar que essa tal democracia se trata de um sistema perfeito, ofertado diretamente pelos céus, oriundo de uma mente superior.

Se há aqueles que exaltam a democracia com efusividade é porque têm a impressão de que ela existe para defender os valores da liberdade, da legalidade, da diversidade e da igualdade. Todavia, a democracia é tão empolgante quanto um emprego num cartório. Aliás, ela transforma mesmo o país em um grande tabelião, burocratizando tudo e impedindo, exatamente em defesa daqueles valores, que os poderes sejam eficientes e independentes. 

Inclusive, esqueçamos aquela ideia pueril da democracia como o governo da maioria. É fato que nela há representantes eleitos, mas esse é apenas um mecanismo marginal de seu funcionamento. A essência do que a caracteriza está na forma como os poderes estabelecidos se relacionam. Nela, nenhum deles deve ter força absoluta. Todos precisam ser refreados, impedindo-se assim que seus atos tenham aplicação imediata e incontestável. 

Os teóricos preferem chamar isso de harmonia entre os poderes, mas só posso concordar com eles se considerarmos que a fiscalização, o refreamento e o impedimento mútuos possam ser considerados expressões harmônicas de convivência.

Democracia nada mais é do que um conjunto de ferramentas disponíveis para tornar mais difícil qualquer ação política, pressupondo que o melhor é criar barreiras para evitar a centralização do poder do que arriscar submeter a sociedade a um tirano. Ela prefere à eficiência a segurança, entendendo que os males de um governo lento e burocrático são menores do que os de um governo ágil, mas possivelmente mau. 

A democracia nada mais é do que o sistema da desconfiança. Não dá para se empolgar com algo assim tão restritivo. Posso preferi-lo, mas sem euforia. No fim das contas, concluímos que a democracia é simplesmente a escolha pelo mal menor diante dos riscos que as outras formas de governo representam. Ninguém pode, portanto, sentir-se tão empolgado em sua defesa e se alguém parece estar certamente será por fingimento.

Enfadonhas Certezas Políticas

Outro dia fui convidado para participar de um seminário sobre política. Depois das palestras, sempre há aquele momento que oradores e plateia se juntam para conversar mais pessoalmente. Não me furtei a isso. No entanto, confesso, não consegui ficar mais do que vinte minutos no local.

No dia seguinte, encontrei-me com meus alunos de filosofia e foi como um bálsamo. Passei o dia inteiro com eles e ficaria mais. A diferença é que enquanto aquelas pessoas do dia anterior tinham certeza de tudo, teoria sobre tudo, respostas exatas sobre as questões mais complicadas do mundo e as soluções para os problemas mais complexos da sociedade, meus alunos tinham principalmente dúvidas.

Pessoas muito certas do que falam costumam ser chatas porque não há espaço, no diálogo com elas, para o aprendizado. Há apenas a exposição do que se pensa que se sabe. Geralmente, quem participa de movimentos políticos já escolheu um lado, possui uma ideologia pronta, tem uma visão de mundo bem estabelecida. Uma conversa de cinco minutos com qualquer pessoa desse tipo, por isso, torna-se enfadonha, pois não passa de um desfile de teorias e convicções.

Toda vez que troco palavras com pessoas ligadas à política me frustro. Não porque não gosto de falar sobre política – pelo contrário –, mas costumo fazer isso tentando levantar mais suspeitas do que certezas. Consciente da dificuldade que existe na colheita dos dados que devem formar meu conhecimento, prefiro tomar as informações como temporárias e suspendo os julgamentos o máximo que eu posso. No entanto, isso é visto nos meios políticos como falta de engajamento, como isenção. Neles, se a pessoa não tiver muito claro o que está ocorrendo no mundo, quem são os inimigos a se combater e os objetivos a se buscar ela é vista como alguém que mais atrapalha do que ajuda.

Na política, não há muito espaço para questionamentos. Simplesmente, você precisa entrar nela já certo de todos os movimentos que ocorrem na sociedade, com todas teorias sobre as forças que existem bem estabelecidas em sua mente. Qualquer vacilo quanto a tudo isso é sinal de fraqueza.

A militância política é o exato oposto do que se espera de uma personalidade filosófica. Esta, apesar de buscar a verdade e perseguir a certeza, tem como princípio a dúvida e como primeira lição o mapeamento da própria ignorância. Uma mente filosófica compreende a complexidade do mundo e sabe que os fatos são sobrepostos. Por isso, ela entende que as primeiras impressões que tem sobre o que acontece geralmente não refletem a verdadeira natureza das coisas nem a essência dos fatos.

Se a filosofia propõe mais perguntas do que oferece respostas não é porque se delicia na dúvida, mas por querer encontrar uma verdade que seja inabalável e sabe que, para isso, tem de rastrear os dados com muito cuidado e parcimônia.

Não é por acaso que minhas conversas com os alunos de filosofia são deliciosas: elas não possuem aquela certeza apressada de quem acha que pode entender o mundo com base em algumas informações confusas. O verdadeiro estudioso de filosofia é humilde, no sentido mais exato desse termo, sabendo sua posição no mundo e seu estado atual de conhecimento, estando, assim, mais abertos ao aprendizado mútuo. Por isso, apesar de não haver certeza sobre muitas coisas, os diálogos com eles são muito mais frutíferos.

A Natureza da Nação

Quando a nação é vista como um corpo místico, os atos do seu governo são encarados não apenas como processos burocráticos, mas como ações espirituais, capazes de contaminar a alma do seu povo. A fé na existência ontológica do Estado leva à crença de que, se o centro do poder do país é mau, todo o resto estará, inapelavelmente, infectado.

Surge, então, uma aflição no coração das pessoas, não só pelo destino da nação, mas por si mesmas, como cidadãos. Elas temem que as práticas malévolas dos governantes lhes atinjam em seus espíritos e de seus compatriotas.

Ortega y Gasset, porém, diria que esta é uma preocupação infundada, pois, para ele, uma nação não tem nada de mística. Na verdade, ela não passa de uma construção, um artifício criado por causa de determinadas circunstâncias e interesses. Sangue, filiação, língua – nada disso forma uma nação; o que a forma é uma comunidade de empresa e objetivos.

Para Ortega, a relação entre os cidadãos e seu governos é meramente formal, jurídica, burocrática. Não há unidade ontológica entre eles. Isso não significa que, com o tempo, dessa relação não possam surgir tradições e culturas, sentimentos de irmandade e amor patriótico. No entanto, tudo isso não torna a nação um ente transcendental; ela continua sendo um artifício, nascido de projetos comuns.

Portanto, se um governo é mau, corrupto, maligno pode até causar estragos na vida daqueles que vivem sob sua jurisdição, porém, não é capaz de antigi-los, automaticamente, no âmago do seu ser; pode corrompê-los, porém, não como que por infusão, mas pelo exemplo e pela predisposição dos homens de imitar o que é mau e ser influenciado por ele.

Portanto, quando os governantes são maus, não é pela nossa alma que devemos temer; nem pelo espírito da nação – que sequer existe. Quando os governantes são maus, devemos nos preocupar em não sermos influenciados por eles, protegendo o nosso coração e a nossa mente de seus desvios.

Espectadores de um Teatro Macabro

Os homens, em algum momento da história, perceberam que seu estado de natureza representava uma limitação para o desenvolvimento comunitário e, para superar essa barbárie, criaram a civilização.

A civilização, portanto, nada mais é do que um conjunto de técnicas e artifícios produzidos para abafar nosso primitivismo e conter nossos instintos.

Apesar de sobreviver em nós um resquício de intuição de nossa natureza bárbara e do caos que é o nosso mundo, sufocamos-na, refugiando-nos nos quadros fantasmagóricos que pintamos. Esquecemos do caráter artificial da sociedade que criamos e vivemos como se tudo nela fosse natural e espontâneo.

Os ritos, as liturgias, as leis, as convenções ─ tudo que serve para substituir o caos da natureza ─ acabam assumindo o papel da realidade. Passamos, então, a viver em um ambiente ilusório, mas convencidos de que se trata da realidade mesma, dedicando a ele nossas esperanças, esforços e investimentos; esperando dele todas as respostas.

Às vezes, temos algum lampejo de lucidez e entendemos que há muito mais para além desses jogos sociais. Porém, é tarde. Depois de tanto tempo vivendo sob a ilusão, a maior parte das pessoas se tornou incapaz de perceber que tudo não passa de um simulacro.

Assim, denunciar a mentira constitutiva de nossa sociedade torna-se inútil. Há muito tempo, aceita-se a pose, a farsa, o fingimento e a afetação como a representação fiel da realidade e, agora, quem pretende se colocar do lado de fora dessa ficção obviamente será tido por maluco.

Diante disso, resta para os minimamente despertos participar desse teatro macabro como meros espectadores, conscientes da natureza fantástica da encenação, sendo permitido comentar sobre as cenas, torcer pelos personagens e até opinar sobre o roteiro, mas sem qualquer poder para influenciar o espetáculo.

Retórica do Oprimido Amigo do Poder

As falas esquerdistas são sempre carregadas de vitimismo. Com iphone na mão ou andando de jatinho, expressam a dor dos perseguidos, a revolta dos desprivilegiados.

Ao mesmo tempo que posam de oprimidos, os esquerdistas tornaram-se defensores do sistema. Louvam líderes globais, promovem agendas ditadas pelos poderosos e, pasmem, acreditam piamente nas mega corporações.

Se os esquerdistas estão do lado dos grandes poderes globais não é porque deixaram de ser socialistas, mas porque esses poderes deixaram de ser liberais, tornando-se cada vez mais socialistas.

O socialismo é a cultura dominante dos nossos tempos e a univocidade dos discursos, repetindo as categorias do marxismo, é a prova disso.

Hoje, não pensar como socialista é colocar-se na contramão do sistema; é por-se do lado contrário aquilo que está se tornando regra e senso comum.

Os poderosos deste mundo impõem o discurso belo, certo e moral, os esquerdistas, estupidificados, replicam-no docilmente e os outros, que se recusam a tomar parte nesse processo, parecem malucos no meio disso tudo.

A relação da esquerda com o poder é íntima e lasciva. Ela se diz vítima, mas é apenas uma mucama satisfeita das forças financeiras e políticas do globo; rameira bem paga das potestades macabras que ditam os caminhos da humanidade.

Eleições e Soberania

Um dos perigos de acompanhar política diuturnamente é perder-se na imensidão de notícias que se sobrepõem, sendo boa parte delas referentes a trivialidades irrelevantes.

A urgência política é insaciável e clama por olhares superficiais, que teimam em estacionar nas questões mais comezinhas dos ardis palacianos.

As pequenezas políticas são uma perfeita forma de entretenimento, pois, enquanto prende o público nos capítulos da novela pública, permite que os movimentos mais importantes, muitas vezes, passem desapercebidos.

No presente momento, a multidão inconformada com a fraude evidente acompanha atentamente o desenrolar do romance tecnológico envolvendo as urnas, com seus códigos-fonte e algoritmos. A cada dia, um capítulo; a cada momento, uma novidade.

Enquanto isso, o eleito pelas máquinas suspeitas já fala como chefe maior do Estado e não esconde que está pronto para atuar, na verdade, como representante das forças internacionais que sempre tiveram um olhar cobicento para o que temos de naturalmente precioso nestas terras.

Sem nenhum pudor, nem respeito ao sentimento nacional, ele expõe abertamente seu plano de atrair as forças globais para a Amazônia, com a desculpa de que somos incapazes de cuidar de nosso próprio quintal.

Há alguns dias escrevi que o nosso problema não era eleitoral, mas de soberania, e, a cada dia, vai ficando mais claro o que eu quis dizer.

Nosso problema eleitoral é apenas a parte técnica de um desejo mundial que nosso país esteja, cada vez mais, alinhado aos projetos globalistas. Poderíamos até dizer: não alinhados, mas submetidos.

Mal-Estar pela Influência Marxista

Poucas pessoas têm noção do quanto o marxismo influencia o pensamento contemporâneo. Elas aprenderam a falar de doutrinação e de assédio intelectual, mas pouco se dão conta de que o marxismo moldou a mentalidade atual, tornando-se a cultura dominante dos nossos tempos.

Ter consciência disso foi a minha motivação para escrever o livro ‘As Origens do Mal – A Filosofia Marxista e como Ela Transformou o Mundo’. Saber que o marxismo formatava a forma de pensar das pessoas motivou-me a tentar abrir os olhos delas, mostrando, em detalhes, como suas mentes estão afetadas por essa ideologia.

Sem ler o livro, tem gente que vai achar que é um exagero dizer que o marxismo forjou a cultura destes dias. Ninguém nega sua influência, mas muitos tendem a minimizá-la, como se fosse algo pontual.

A dificuldade de enxergar o domínio marxista deve-se ao simples fato de ainda persistirem resquícios da cultura anterior, que é essencialmente cristã, nas instituições e tradições sobreviventes. Isso cria uma ilusão de que essas formas anteriores são predominantes.

Quando olhamos nossas instituições, de longe elas parecem as mesmas de sempre, porém, quando nos aproximamos delas na realidade, já percebemos que foram tomadas pelo pensamento marxista. Não há uma delas que tenha saído incólume dessa invasão.

O sucesso do aparelhamento marxista deve-se à natureza do marxismo, que longe de ser – como muitos pensam – uma mera proposta econômico-social, trata-se de uma filosofia e de uma visão de mundo. O marxismo tomou a cultura como as religiões fizeram no passado, transformando não apenas as instituições sociais, mas oferecendo novas categorias de pensamento e, por consequência, de percepção.

A experiência que os leitores do meu livro têm relatado, porém, é dúbia: se, por um lado, dizem que é esclarecedora, por outro, sentem um certo mal-estar, por perceber o quanto eles mesmos estão contaminados. Como um aluno relatou-me: é como se estivéssemos mergulhados num piche e, com a leitura, conseguíssemos levantar para respirar, mas ainda sujos.

A percepção da sujeira é tanto mais forte quanto a pessoa a reconhece e deseja limpar-se. Se meu livro causa essa sensação de sujeira, então, parece-me que ele está conseguindo atingir o seu objetivo.

Lideranças nos Movimentos de Massa em Tempos de Redes Sociais

As manifestações que ocorrem em todo o Brasil são a expressão da frustração que boa parte da população sentiu por causa de um processo eleitoral, desde o início, viciado e sem transparência. Havia, há anos, a solicitação de que, pelo menos, os votos pudessem ser auditados, transformando o pleito em algo um pouco mais confiável. As autoridades, porém, preferiram fechar-se na declaração de inexpugnibilidade das urnas e, além de ignorar o pedido, fizeram de tudo para calar a boca daqueles que reclamassem.

Como muita gente desconfiava, venceu as eleições o candidato que mal podia sair às ruas, com indícios de manipulação de urnas e uma contagem de votos ainda mais suspeita. Esperar que o povo, simplesmente, aceitasse calado tal situação é apostar demais numa tradição passiva brasileira que pertence há um tempo que parece ter ficado para trás.

Essa multidão que se dirigiu, por todo o país, para a frente dos quartéis, pedindo que algo fosse feito diante das imensas suspeitas sobre o processo eleitoral, possui todas as características de um movimento de massa – e isso, em princípio, não significa algo negativo. As massas, são, por natureza, simples, impulsivas, reativas e contagiadas. Além disso, diria-se que ela necessariamente precisa de um líder.

No entanto, esse aspecto específico dos movimentos de massas é algo que mais me questiono neste momento. Isso porque todos os estudos sobre a psicologia das multidões foram feitos antes do advento da internet, e em todos eles a figura do líder é apresentada como essencial. Não existe movimentos de massa sem líder, de quem dependem quase totalmente e sem o qual tendem a desaparecer.

Não é por acaso que aqueles que querem destruir o atual movimento brasileiro estão tentando descobrir quem seriam os líderes por detrás dele, para isolá-los, esperando, com isso, refrear o ímpeto da multidão. Eles não conseguem imaginar que possa haver algo dessa magnitude sem que haja uma liderança conduzindo tudo.

A questão é que as redes sociais parecem estar trazendo um elemento novo a esse estudo da psicologia das massas. O que antes era imprescindível, a figura do líder, com Freud, inclusive, fazendo uma relação dela com o pai primordial mítico, agora parece estar sendo substituída por algo mais fluido e sem tanta necessidade de identificação.

Não que a figura do líder não seja ainda necessária, mas parece que hoje ela é muito mais capaz de ser mantida, mesmo que personalizada, não necessariamente corporificada. A imagem, a voz e até os comandos do líder podem ser mantidos ausentes enquanto são substituídos por várias vozes que serviriam como replicadores fiéis do seu pensamento.

Se for isso, não significa que a psicologia alterou-se, mas a possibilidade da multiplicidade de vozes acrescentou um elemento novo, que permite com que o líder não precise ser tão presente e tão ativo, enquanto suas supostas ideias são replicadas aos milhões e das mais diversas formas.

Isso não significa que a figura do líder não seja importante. Eu ainda não acredito que um movimento de massa consiga sobreviver apenas da espontaneidade de seus membros. É preciso uma figura agregadora, na qual todos confiem e estejam dispostos a sacrificar-se por ela. Essa figura nem precisa ser uma pessoa, mas pode ser mesmo uma instituição.

A questão que fica é: se esse líder escondido ou essa instituição, em algum momento, deixarem claro que não irão atender as demandas da massa, o que essa fará? Será que ela terá coesão suficiente para seguir ativa mesmo sem ter uma referência para quem possa suplicar? Será que essa massa sem líder é capaz de manter-se firme apoiando-se apenas em uma ideia? Será que as redes sociais e a multiplicidade de vozes que ela permite são capazes de sustentar movimentos de massa duradouros? Ou será que a massa exigirá sempre o surgimento de algum líder substituto – que é o que ela, por natureza, costuma fazer?

Sinceramente, essa é uma questão que eu ainda não tenho as devidas respostas. O fenômeno é novo e só o tempo dirá como funciona a psiquê coletiva nessas situações.