É na profundidade do ser individual que Deus se torna, razoavelmente, mais compreensível
Quando alguém diz que Deus não pode ser encontrado fora, mas apenas no interior do indivíduo, as mentes teológicas costumam ficar escandalizadas, dizendo que isso é um subjetivismo inaceitável à mais pura doutrina cristã. Deus, para eles, parece mais um senhorzinho barbudo sentado em seu trono no céu, do que o Senhor do universo, de quem não podemos nos esconder, nem sequer fugir de sua presença.
Tudo o que conhecemos se dá por relação. Apenas sabemos algo porque conhecemos alguma outra coisa com a qual fazemos algum tipo de comparação. Isso acontece com o conhecimento sensível, mas também em relação às coisas abstratas. Conhecemos uma mesa porque já vimos algumas, conhecemos um cachorro porque já vimos outros e assim por diante.
Em relação a Deus, no entanto, não há referência possível. Nada pode ser comparado a Ele. Por isso, para compreendê-lo, tentamos encontrar o que mais se aproxima de um ser pessoal e racional, para, assim, ainda que por analogia, entendermos quem é Deus. Na criação, o homem é este ser, e não é por acaso que a Bíblia diz que ele é o único criado à imagem e semelhança divinas. Por isso, quando queremos compreender alguma coisa da divindade, nos referimos a ela quase como a um ser humano. Apesar de termos consciência que Deus não é humano, sendo, sim, infinitamente superior, pensamos nele como um tipo de homem grande. Se não fizermos isso, não conseguimos imaginá-lo de maneira minimamente compreensível. Os que fogem dessa referência humana acabam imaginando um Deus impessoal ou uma mera força cósmica.
Se o homem é a referência de comparação para tentarmos compreender Deus, nada mais natural, portanto, do que encontrar Deus no próprio homem. Não que Ele esteja circunscrito à natureza humana, mas se torna perceptível nela. Então, olhando para a humanidade, acabamos por entender, de alguma maneira, quem Deus é, como age, como pensa, o que faz. É verdade que essa é uma referência ainda frágil, mas não há outra melhor para usarmos.
Por isso, não adianta procurar Deus olhando para as nuvens (Atos 1.11), nem buscá-lo nas reminiscências das Ideias, nem fixar o olhar na natureza irracional. Todas essas coisas possuem algum efeito de Deus (Romanos 1.20), são, de alguma maneira, teofanias do Altíssimo, mas ainda distantes do próprio Ser divino para podermos ter um verdadeiro encontro com Ele através delas.
É na profundidade do ser individual que Deus se torna, razoavelmente, mais compreensível. Ali, conhecemos Ele pelas fagulhas de amor que residem no homem; compreendemos algo de Sua misericórdia por haver alguma coisa dela dentro de cada um; da mesma maneira, ali achamos, ainda que tibiamente, a justiça, a verdade, a razão e a vontade que espelham, mesmo que de maneira confusa, as próprias características divinas.
Por isso, já que é dentro de cada homem que se encontra o reflexo mais forte da divindade, não há outro lugar onde buscá-lo. Apenas o mergulho no ser interior, no segredo da relação entre o espírito humano com o Espírito de Deus é que há o verdadeiro encontro. Somente quando o homem fecha a porta do seu quarto, que é linha divisória entre o indivíduo e o mundo, é que ele se torna apto a manter comunhão com Deus.
O hipócrita ora em pé na sinagoga, ou seja, à vista de todos. Sua relação com Deus é exterior, pois, para ele, Deus está nos templos, nas sinagogas, nas igrejas. Como seu contato com a divindade é apenas exterior, somente pode receber o que do exterior vem, que é o reconhecimento humano, o prazer temporal e o saciar momentâneo. Esta é sua recompensa.
Quem espera encontrar Deus fora de si, encontra apenas seus efeitos. Como que tateando, tenta achá-lo (Atos 17.27). Sente sua atuação, observa o poder de seus atos, percebe a harmonia de sua criação e identifica até, na magnitude de tudo, sua existência. Porém, não experimenta a experiência profunda da relação íntima com o Ser Supremo. Torna-se mais um expectador da glória, do que um participante dela.
E como podemos ter certeza da existência divina? Se tudo o que há no exterior do homem são apenas efeitos que aparecem aos olhos como uma imagem distorcida da eternidade, como atestar que Deus realmente é?
Somente pelo testemunho da consciência individual isso é possível. Recebemos informações, testemunhos, argumentos, revelações e experiências exteriores que tentam nos convencer da existência de Deus. No entanto, elas não são suficientes para nos comprová-la decididamente. Por isso, as buscas por provas científicas sobre Deus são impossíveis. Apenas a consciência do indivíduo é quem testifica a existência e atuação de Deus. Não há prova mais evidente e comprovação mais decisiva do que essa.
Todos podem falar sobre Deus, pode haver literaturas infinitas sobre sua existência, podem testemunhos sobre sua atuação multiplicarem-se, ainda ssim, todas essas coisas não são suficientes para convencer o homem sobre quem é Deus. Podem dizer que Deus está aqui ou lá, mas ele apenas pode ser encontrado dentro de cada um (Lucas 17.21). Apenas quando o homem tem a experiência de, no profundo de seu ser, encontrar o próprio Deus e com Ele manter uma comunicação sincera e espiritual, é que pode dizer que o conheceu.
Quantos, hoje, não se perdem em uma relação frágil com Deus? Esperam dele as bênçãos, mas sempre como algo que surge de alguém distante, que derruba raios de alegrias sobre os homens. Deus, para a mentalidade do homem carnal, é quase um deus grego, sentado em um trono do Olimpo, se relacionando com o homem como se dois homens fossem.
Sem mergulhar no interior de seu próprio ser, para ali falar com Deus, e ali conhecê-lo, o homem não adquire a noção de quem verdadeiramente Deus é. Continuará olhando para o alto, esperando senti-lo como sente um vento que passa, mas, jamais, compreenderá quem Ele é, na perenidade de seu Ser eterno.