Minha esposa reclama que sou uma pessoa irrequieta. Não que eu demonstre isso em meu modo de falar, em meu comportamento ou em meu trato pessoal. Pelo contrário, sou tido, nessas áreas, até como alguém bem pacato. No entanto, minha inquietude costuma revelar-se em algo mais externo: na mudança que imponho aos ambientes onde habito. Seja em nossa casa ou no escritório (principalmente neste, onde minha autonomia é absoluta), não há um mês após o outro que os móveis permaneçam no mesmo lugar. Periodicamente, eu imponho mudanças no ambiente, arrastando mesas, mudando estantes de lugar, realocando os livros etc. Até o Rafael Nogueira (que aparentemente é mais conservador do que eu) reclamava que, a cada vez que ele vinha dar uma aula, encontrava a sala disposta de maneira diferente.

Talvez haja algo de arquiteto ou decorador de espaços em mim. No entanto, toda essa mudança revela uma necessidade mais profunda, que é adaptar o ambiente às demandas da minha personalidade. É provável que haja um elemento de insatisfação nisso tudo, mas o principal motivo para tantas mudanças é a busca por aquilo que realmente me deixe satisfeito, que faça sentido, naquele momento, para mim. As mudanças decorativas e arquitetônicas são um mero sinal de uma necessidade que as transcende. Elas revelam minha procura por adaptar as circunstâncias que me cercam àquilo que realmente sou, àquilo que meu ser está exigindo para se sentir satisfeito.

Minha primeira grande decisão de mudança, na vida, aconteceu aos dezesseis anos de idade, quando resolvi abandonar uma promissora carreira futebolística. Já bem encaminhado dentro de um dos maiores clubes do país, gozando do respeito de técnicos e diretores do time, simplesmente decidi abandonar tudo aquilo e nunca mais pisar oficialmente em um campo de futebol. Imagine a decepação de meus familiares, formados, desde meu pai até todos os meus tios, por admiradores (alguns fanáticos) pelo esporte, e que já viam em mim um motivo para se gabar diante dos amigos de boteco! Ainda assim, tomei uma decisão sem volta e segui minha vida por rumos completamente diferentes.

Fiz o mesmo com a faculdade de jornalismo (apenas com a diferença de que, neste caso, não houve lamentos, exceto da minha mãe que me queria formado o mais rápido possível). Quando, depois de dois anos, percebi que não queria ser repórter, mas articulista e, para isto, não era precisava ser jornalista, não pensei duas vezes em trancar o curso e resolver depois o que iria fazer da minha vida.

Foi então que conquistei o sonho de todo brasileiro: passei num concurso público. Uma vida de burocracia me esperava no Banco do Brasil. Porém, neste caso, eu nem me dei ao trabalho de tentar. Como quando eles me chamaram para tomar posse eu havia acaba de me formar em Direito, simplesmente informei-os, explicando os detalhes dos motivos da minha decisão, que renunciaria minha vaga, pois abriria minha própria banca de advocacia. Estupefatos pela troca de um emprego seguro e perpétuo por uma carreira que se iniciaria do absoluto nada, tomaram minha assinatura e chamaram outro agraciado para o meu lugar.

Dez anos depois, com uma carreira jurídica já estabilizada, uma inquietação, dentro de mim, chegou ao seu ápice. É que eu sabia que a advocacia não era minha vocação. Foi-me útil, sim, mas não me realizava. O que eu gostava mesmo de fazer, e fazia bem, era dar aulas e escrever. Foi, então, que resolvi tomar a decisão mais estúpida, financeiramente falando, e a mais sábia existencialmente: abri minha própria escola – que era, na verdade, um espaço onde eu poderia dar meus cursos.

Mais uma vez, virei a minha vida do avesso para adaptá-la às demandas da minha alma. Para um observador externo, poderia tratar-se apenas de mais uma loucura do Fabio. Para alguém que me conhecia, poderia ser somente aquela necessidade de mudança que eu sempre tive. No entanto, eu sabia que tratava-se de uma exigência mais profunda. Em todas essas decisões, não havia meros caprichos, mas uma busca por um encontro com algo que realmente fizesse sentido para mim.

Hoje, quando a história se repete na minha vida, nada está sendo diferente. Neste momento, quando decido priorizar meu trabalho de professor e escritor, praticamente abandonando tudo o que construí como advogado, percebo, entre meus amigos, os mesmos olhares incrédulos e os cochichos de reprovação de sempre.

Mas isso realmente não me incomoda. Até porque a preocupação dos amigos é compreensível. Eles têm os olhos, principalmente, voltados para os riscos. Por isso, cada uma dessas mudanças representa, para eles, o abandono de algo que estava sendo construído, a perda de uma oportunidade ou o interrompimento de uma carreira. O que, porém, talvez mais os assuste é esse negócio de ter de começar de novo, muitas vezes do zero – o que consideram um loucura, evidentemente.

Quem olha de fora, obviamente, vê os riscos financeiros, porque as pessoas costumam observar tudo segundo suas contingências materiais. Vêem os clientes que serão perdidos, o salário que se vai deixar de ganhar, a carreira que vai ser abandonada.

Não que eu negue a existência desses riscos. Pelo contrário, eles costumam materializar-se em perdas reais, invariavelmente. De qualquer forma, em quase todas as decisões que tomei nunca tentei minimizá-los. Tomei-as apesar do risco que representavam.

As perdas financeiras, porém, foram todas devidamente compensadas, e até enormemente ultrapassadas, pelos ganhos existenciais colhidos. Isso porque, em cada mudança que empreendi, o que busquei foi mais do que uma mera satisfação pessoal, mas uma adaptação das circunstâncias que me cercavam às necessidades do meu ser.

O que as pessoas não percebem é que, apesar dessas transformações exteriores e recomeços externos, há sempre uma e mesma pessoa envolvida. Cada mudança representa simplesmente uma nova fase dessa pessoa, um rearranjo para que o entorno adapte-se à sua evolução pessoal.

A questão é até mais simples e pode ser resolvida por meio de um raciocínio bem objetivo. Em todas as decisões de mudanças, houve sempre duas coisas em risco: minhas finanças e minha sanidade. Como eu bem sei que para o louco o dinheiro não tem muita serventia, nunca tive dúvidas de dar preferência à minha sanidade.