Sou um homem criado no meio da Igreja. Nasci e cresci nela e tive minha vida abençoada por tudo o que experimentei entre amigos e líderes que fiz durante todo esse tempo. No entanto, não posso negar que, em muitos momentos, algumas experiências que tive poderiam, caso minha personalidade fosse mais frágil, ser consideradas traumáticas.

Encontrei, na congregação, de tudo, desde aqueles santos senhores que pareciam não possuir um pecado na vida, até as mais devassas garotas, que pareciam estar ali apenas para arrumar com quem ir para a cama. Conheci jovens completamente dedicados à obra divina, como vi o mal que causa a língua de senhoras fofoqueiras.

Em relação à liderança, conheci homens exemplares e cultos, para os quais eu olhava e me imaginava, um dia, como eles. No entanto, também estive do lado de pastores da pior espécie, que conduziam seu rebanho como a gados, que eram ignorantes e vaidosos e viam as almas como meros instrumentos para sua ascensão eclesiástica.

Para falar a verdade, vi, na Igreja, o mundo, com toda sua diversidade, sua problemática, suas lutas e até dissensões. Sinceramente, olhando, assim, em retrospectiva, não encontrei nenhum paraíso na terra, se bem que estava longe de ser o inferno que vemos em muitos lugares deste planeta.

Nisso, não há nada de surpreendente. O que muitas pessoas não entendem é que a Igreja não é composta de homens perfeitos, já prontos para serem arrebatados aos céus. Pelo contrário, como dizia o apóstolo Paulo, se dirigindo a cristãos, há uma luta constante, mesmo nestes, entre a carne e o espírito, entre o velho e novo homem. E tudo isso se reflete em suas atitudes.

Mas também muita gente não percebe que, de alguma maneira, a Igreja é reflexo da sociedade onde ela esté inserida. Quando uma sociedade vai mal, quando os valores nela se esfarelam, quando a corrupção humana se destaca, considerando que a Igreja é formada por homens desta mesma sociedade, não há como não sentir os efeitos dessa decadência no seio da própria comunidade cristã.

Ainda assim, sempre percebi algo de peculiar na Igreja e, acredito, era isso que a tornava especial. Mas essa diferença, decididamente, não estava nos homens que a compunham, nem nos lugares onde se estabeleciam. Havia algo de diferente nas palavras ditas ali dentro. Estas, sim, não se encontravam por aí, em qualquer lugar.

E foram esses ensinamentos, essa verdade superior, os princípios que eram professados ali que, a despeito de todos problemas que vi ocorrerem na Igreja, ela me foi sempre um lugar especial. É que, ainda que faltasse, muitas vezes, a piedade, ao menos estava claro o padrão que deveria ser buscado. Enquanto, no mundo, o mal é louvado, de tantas formas, como virtude, na Igreja, se, às vezes, ele é praticado, isso apenas é possível por meio da dissimulação, pois não há um pregador que suba no púlpito para chamar o mal de bem, o errado de certo.

Por isso, não sou um crítico da Igreja, nem posso ser. Além de ser devedor do que ela me proporcionou durante toda minha vida, tenho plena consciência que o mal que a assola nos últimos tempos é apenas o reflexo óbvio de uma sociedade que decaiu a níveis inimagináveis de corrupção e estupidez.

No entanto, isso não me dá o direito de fechar os olhos para uma realidade que se me apresenta de forma tão evidente e de fingir que o que vem ocorrendo na Igreja é um problema menor, pequenas falhas que podem ser relevadas como meros vacilos juvenis.