Só entende a misericórdia divina quem já precisou dela. Os homens bons, aqueles que são zelosos e nunca pecam, estes jamais saberão o que significa a clemência infinita de Deus.
A mentalidade terrena, baseada em uma justiça horizontal, tem dificuldade de conceber um Deus misericordioso, que exalta um pecador com Davi, que escolhe um orgulhoso como Paulo. Os erros nos quais caíram, aquele por sensualidade e este por radicalismo, são, segundo a mera concepção humana de direito, dignas dos mais severos castigos.
O que Deus, porém, ofereceu para eles foi a misericórdia e o perdão. Não que não tenham sofrido as consequências de seus atos impiedosos, mas tiveram, ainda assim, a compaixão de Deus em favor deles.
Não se costuma pensar muito nessas coisas enquanto se tem a si mesmo como homem digno. Os fariseus não entendiam não porque eram maus, mas porque se achavam realmente bons. Judas não entendia isso porque se via como uma pessoa dedicada a uma causa maior, mais valorosa.
Quem compreendeu e anelou pelo perdão foram aqueles que tinham realmente consciência de que necessitavam dele. Foram injustos até ali, pecaram até ali, mas encontraram, naquele momento, a chance de se limparem, de começar uma nova história.
A beleza e força do cristianismo se encontra exatamente nisso. É a última chance para o homem redimir-se. A oportunidade derradeira de arrancar o peso da injustiça de suas vidas. É a vocação para a cura.
Quem não entende que Cristo veio salvar e não julgar, não compreendeu nada do Evangelho. E por mais que não pareça, esta é a parte de sua mensagem mais difícil de ser assimilada. É que, na verdade, os que teorizam sobre essa misericórdia, normalmente são aqueles que já se vêem como limpos. Ainda que compreendam intelectualmente que são pecadores, não se enxergam, assim, tão maus. Acham que cometem erros, mas, em geral, são justos, corretos e exemplares. Afinal, se esforçam para obedecer a Deus e são zelosos com isso.
Aqueles, porém, que não apenas sabem, mas experimentam a força de sua própria impiedade, que carregam nos ombros o peso de seus pecados, que são perseguidos pelo fantasma de seus vícios, que não conseguem mais conceber uma forma de não terem seu passado como um algoz inapelável, acabam mais receptivos à mensagem perdoadora de Jesus. Isso porque eles sabem que somente algo divino, algo que extrapole a medida humana, pode agir de maneira a aliviar o fardo que carregam em seus lombos.
Não é à toa que Cristo veio para os doentes. São eles que sentem nos ossos a dor de sua própria enfermidade. Não se justificam, nem se enganam, como se fossem sãos. Simplesmente, seguem cada dia com suas moléstias, pois, para eles, parece não haver mais esperança.
Os sãos, por seu lado, não precisam de Cristo. Até porque jamais o compreenderão. Podem dizer quem ele é, o que ele fez e até sua proposta, mas jamais saberão, na experiência, o que ele veio fazer neste mundo.
Apenas uma alma quebrada pode ser consertada. Apenas um doente pode ser curado. Apenas quem se depara com sua própria miséria pode ser exaltado. Apenas quem experimenta as dores de seu próprio pecado e não sabe mais o que fazer para aliviar seu coração pode compreender a proposta de libertação do jugo e alívio do espírito que Cristo oferece.
Só um pecador anseia por salvação.