Importam apenas as ideias dos náufragos, pois são pensamentos de alguém em um cenário concreto, inescapável, fatal; pensamentos que dispensam o supérfluo e agarram-se ao essencial.

Em meio ao caos e às restrições que enfrenta, o náufrago organiza sua vida com base naquilo que lhe está disponível. Nesta situação, não há espaço para a pose, para a falsidade, nem afetação; não faz nenhum sentido perder-se em sutilezas vazias e especulações estéreis. Diante do caos instalado, ele precisa ser sincero e absolutamente honesto consigo mesmo, sem fingir que sua situação não é trágica.

Nós, porém, escolhemos negar essa circunstância fatal na qual nos encontramos e preferimos nos refugiar numa mentalidade abstrata que, para manter-se coerente e lógica, recorta a realidade, purifica-a de sua experiência vital, afasta-a de suas incongruências práticas e evita suas contradições. Encontramo-nos, por isso, alienados.

O que são os nossos sistemas de governo, estruturas jurídicas e modelos sociais senão aquilo que nos permitem ter a ilusão de viver em uma situação minimamente estável, apesar de imponderável?

Se vivemos, porém, como se tudo fosse inabalável, ainda que instalados em terreno movediço, nos encontramos, então, como que hipnotizados, e, para libertar-se dessa situação, a única saída é uma conscientização radical, uma abertura total de visão para o que está acontecendo.

Precisamos admitir que construímos uma ilusão e, ao mesmo tempo, abraçar o nosso caos, aceitando que este é o estado natural das coisas; enfrentar a vida de forma corajosa, sem nos escondermos no universo quimérico das ideias abstratas; reconhecer o caráter desafiador da existência e concordando com o fato de que nos encontramos perdidos.

Precisamos ser como os náufragos que, pela característica extrema e vital que os acomete, encontram-se desprovidos de fingimento e engano, reconhecem a fatalidade da sua experiência real e consideram aquilo que, verdadeiramente, deve ser levado em conta. Por isso, suas ideias são as que realmente importam.