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Geração arrogante

O que mais me assusta nas novas gerações não é sua arrogância em acreditar que podem salvar o mundo, nem sua certeza de que são as portadoras da verdade, mas sua insolência em achar que podem ensinar aos mais velhos o que é certo e errado.

Quando eu era jovem, também fui um tanto rebelde. Acreditava que minha geração podia mudar tudo. Cria que os mais velhos eram opressores e deveriam ser combatidos. No entanto, algo nunca passou por minha cabeça: achar que poderia ensinar algo para aqueles que tinham mais experiência que eu. Na minha mente envenenada, a geração anterior havia se corrompido e meu dever era combatê-la. Porém, era um combate contra um inimigo que eu respeitava, que eu tinha a certeza que era mais forte e mais capaz do que eu.

Hoje, os jovens perderam completamente esse respeito. O que eles estão aprendendo é que as pessoas mais velhas são obtusas, crias de um tempo de trevas, quando nada se compreendia da realidade, quando todos eram racistas, preconceituosos, usuários de uma linguagem distorcida e incapazes de compreender as necessidades da sociedade. Mas, pior que isso, são ensinados que eles são os responsáveis por educar gente de mais experiência sobre o que é correto. Numa completa inversão da natureza, creem que, mesmo sendo crianças, têm o dever de abrir os olhos daqueles que já viveram bem mais do que elas.

Hoje, qualquer adolescente aprende que é capaz de orientar seus pais sobre como cuidar do planeta, o que fazer com o dinheiro, como se dirigir as pessoas, que palavras usar. A juventude está sendo induzida a acreditar que é a responsável por trazer os mais antigos à luz, tirando-os da escuridão da ignorância que sua época lhes legou. Então, testemunhamos menininhos e menininhas dando lições para o mundo. São milhões de Gretas Thunbergs vociferando seu ódio e sua pretensa sapiência. Tudo sob aplausos de quem não percebe o perigo dessa inversão.

Na verdade, sob os falsos aplausos daqueles que sabem muito bem o que estão fazendo, ao usar esses pequenos para que sejam os portadores daquelas velhas ideologias, ainda que camufladas por um novo ornamento. São os mesmos velhos usando as crianças como armas para alcançar os seus mesmos decrépitos objetivos.

Certeza inabalável de gente inigualável

Fazer perguntas, levantar questionamentos, confessar dúvidas e estar disposto a mudar de opinião são atitudes vistas com desconfiança pelo brasileiro. Quem faz isso, logo é acusado de sonso e sentenciado como alguém que quer enganar os outros. A parcimônia opinativa é vista como fraqueza e a suspensão do juízo como vacilo.

Aqui, há uma profusão de jovens recém saídos dos bancos escolares ginasiais que possuem uma convicção inabalável sobre todos assuntos. Em suas mentes prodigiosas, não existe espaço para um milímetro de nebulosidade, nem um minuto de incerteza.

Confessar em meio a essa gente que há diversos assuntos sobre os quais o juízo não está completo, sobre os quais ainda não se chegou a uma conclusão é visto com suspeição. Quem não tiver decidido, irrevogavelmente, a religião que segue, o partido que vota, a ideologia que defende e o time que torce é um frouxo, um tonto, que não merece sequer participar da vida pública.

Por estas terras não se faz perguntas, não se observa de forma isenta, não existe neutralidade. Tudo é preto no branco, sim ou não, certo ou errado. Não há graus, não há níveis, não existe proporção.

O Brasil é o país das pessoas mais bem resolvidas do mundo. Aqui, todo mundo sabe exatamente o que quer, no que acredita e entende perfeitamente como as coisas são.

Não são realmente inigualáveis os brasileiros?

A velhinha de Zaragoza e o espírito de nosso tempo

Fatos isolados, muitas vezes, representam fielmente o espírito de uma época. Há certas atitudes que, ainda que pareçam únicas, são, na verdade, uma amostra perfeita de seu tempo. Quando, há um ano, li a notícia da velhinha de Zaragoza, que, ao tentar restaurar uma pintura do século XIX com a imagem de Cristo, simplesmente a destruiu, tornando-as, ela e a pintura, objetos de zombaria e escárnio, pensei: ‘Está aí uma demonstração exata do que fazemos’!

Cristo no parece, por tantas vezes, desgastado com o tempo. Seu olhar místico atrai pela peculiaridade, mas as marcas dos anos se mostram mais fortes que tudo. Ao olhar para ele, ainda é possível captar a singeleza de seu semblante voltado para as coisas celestiais, mas a ação dos elementos deste mundo insistem em tomar, pouco a pouco, sua beleza. Vendo a imagem de Cristo corrompendo-se assim, esperamos, inconsolavelmente, o dia em que nada sobrará de sua face.

E é insuportável ver Cristo se apagando. Não importa que o desgaste se dê por culpa nossa, que deveríamos abrigá-lo com zelo. Nem importa que o nosso descaso seja o seu maior promotor. Queremos apresentar um ícone apreciável, afinal, uma imagem em decomposição não é muito atrativa. E Cristo, pensamos, precisa ser agradável aos olhos e às sensações.

Surge, então, nosso espírito restaurador. E todo homem o possui em latência. Se Cristo não é mais tão agradável, porque os tempos o desgastaram, há em cada um de nós o anseio por reforma pronto para lançar-se sobre a a figura do Messias e fazê-la de acordo com nossas expectativas. Que seja a fazer isso um moço ou uma senhora octogenária não importa! Sob a conivência daqueles que também não se agradam com a imagem desgastada de Jesus, qualquer um que se lance à empreitada de sua restauração não é impedido. Nem mesmo os sacerdotes o fazem. Eles mesmos, filhos de sua época, anseiam sempre por mudanças.

O que mais espanta, no entanto, é a petulância com que nos dignamos possuidores dos talentos necessários para obra tão difícil. Cremos, sinceramente, que nossos paradigmas, nossos conhecimentos e nossas percepções são suficientes para restaurar o deus quase esquecido. Sequer nos preocupamos a respeito das razões da obra-prima. O seu criador, para nós, é como se não existisse. Como se o Cristo não tivesse uma origem, uma finalidade, uma razão. Quando nos colocamos a reviver um Jesus quase perdido, o fazemos baseados em nossas abstrações, em nossos prismas individuais, em nossa própria visão da vida.

Borramos-no, então, sem medo! Não há compromisso algum com o projeto original. E fazemos isso não porque queremos oferecer um novo deus para o mundo, mas porque acreditamos que o Cristo que surgirá de nossas mãos será o retrato fiel do original. Cada um de nós se crê o restaurador e o intérprete final da obra como ela fora apresentada ao mundo.

Lançamo-nos, então, com audácia e descuido sobre Jesus. Derramamos sobre ele nossas tintas descuidadas e arrogantes. O resultado que alcançamos, com isso, não é nem uma nova imagem atraente, nem o renascer revigorado da velha imagem desgastada. O fruto dos pincéis soberbos que carregamos, instrumentos de nossa própria petulância, é um borrão de Cristo, que não apenas não lembra nada o original, mas serve de escárnio para o mundo inteiro.