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Quem o governo representa

Uma convicção comum é de que o governo deve representar a vontade do povo. Diante disso, a pergunta que faço é: qual povo e qual vontade? Dentro de um país, não existe aquilo que pode ser chamado de vontade comum de um povo. As pessoas não têm os mesmos interesses, nem os mesmos objetivos, nem as mesmas convicções.

Convenhamos, falar que o governo representa a vontade do povo é uma mera artificialidade. O governo faz apenas sua própria vontade e, no máximo, a de seus grupos mais diretos de apoio.

Ainda assim, prevalece a idéia de que o governo deveria lhes representar. As pessoas só não conseguem dizer a quem representar: o liberal, o conservador, o social-democrata, o reacionário, o anarquista, o monarquista, o comunista, o revolucionário, o religioso, o ateu, o que não pensa em política ou qualquer outro.

Vontade geral tornou-se daquelas expressões que funcionam bem como slogan, mas não se materializam na realidade. Para que ela existisse, seria necessário que o povo fosse bem mais homogêneo do que é, que seus interesses fossem os mesmos e as convicções também.

Enquanto isso, existem diversidade de interesses e conflitos de opiniões demais para que se fale em uma vontade geral.

Porém, é exatamente essa concepção artificial, segundo a qual o governo é o portador da vontade geral, que permite com que ele seja autoritário. Quando se acredita que o governo existe para representar a vontade do povo, todas as suas ações já se manifestam travestidas de legitimidade. Tudo o que faz parece ser correto, parece justo. Se ele afronta qualquer liberdade individual, por exemplo, isso se justifica pelo fato de estar agindo em favor da vontade geral.

Não é incomum, inclusive, déspotas originarem-se do voto popular, legitimados por eleições diretas.

A verdade é que somente o reconhecimento de que o governo, de fato, não representa ninguém permite uma relação saudável com ele. Quando isso acontece, espera-se não que ele reflita a vontade do povo, mas que não imponha sua própria vontade sobre o povo.

O papel do governo deveria ser fundamentalmente um: impedir com que forças sociais, inclusive sua própria força, sobressaiam-se de maneira artificial sobre as outras. Sua função deveria ser impedir os monopólios de ações, idéias, influências e, principalmente, exercícios de vontade e poder. Seu objetivo deveria ser impedir que uma vontade se imponha sobre todas as outras. Quando o governo age dessa maneira, ele se torna muito mais contido, muito mais respeitador das liberdades individuais e, obviamente, muito menos autoritário. A sociedade mais democrática que já existiu, os Estados Unidos da América, nasceu exatamente sobre esses princípios.

Isso só pode acontecer, porém, com o reconhecimento de que a vontade geral de um povo não existe, mas sim as infinitas vontades que, invariavelmente, estão em rota de colisão.

Um governo que desconfia de si

Um conservador, mesmo no poder, não pode perder o seu traço fundamental: a desconfiança – desconfiança em relação às ideologias, às soluções definitivas, às medidas salvadoras e, enfim, ao seu próprio governo.

Isso porque é exatamente esse tipo de ceticismo que lhe torna confiável. Por suspeitar até de suas próprias propostas, o conservador não precisa apegar-se sentimentalmente a elas e pode assim ter humildade suficiente para alterá-las quando não dão certo.

É a desconfiança conservadora que impede de fazer do governo um tipo de seita e do Estado uma religião civil – como vimos durante o tempo em que os petistas transformaram o planalto em uma espécie de templo satânico.

Só o conservadorismo freia o próprio ímpeto e faz trabalhar principalmente para a libertação do indivíduo. Afinal, é na valorização do indivíduo que reside o antídoto contra o veneno da ideologia.

Menos planos, mais princípios

Uma das maiores incoerências que vejo na análise dos candidatos à presidência é esse fetiche por planos de governo. Nem parece que o Brasil já sofreu o suficiente com os planos mais mirabolantes, que nos colocaram no quase caos que vivemos hoje. Os analistas, ainda assim, continuam exigindo que os candidatos tenham planos minuciosos a apresentar, como se tudo pudesse ser resolvido por meio de planilhas e números.

Isso não esconde que mesmo essa gente que reclama da centralização do governo federal e do excesso de Estado, no fundo, espera algum tipo de Salvador da pátria, que, se não resolverá os problemas por meio do milagre, o fará por meio de suas excelsas capacidades administrativas. Mostram que são, na verdade, estatistas enrustidos, entusiastas da planificação nacional, da mesma maneira que os mais ferrenhos comunistas.

De minha parte, entendo que um presidente não deve ter muitos planos de governo. Ele deve ter, sim, princípios claros. Eu, como alguém que realmente não acredita na eficiência estatal (diferente de muitos liberais que, apesar de declararem isso, ficam exigindo minúcias de planejamento dos potenciais presidentes, como se a ineficiência estatal fosse um problema de gestão e não de natureza), tenho convicção que a presidência mais eficiente é aquela que trabalhe para afastar a si mesma de qualquer administração técnica, lançando para os indivíduos e para os entes menores da federação as responsabilidades por implementar políticas públicas.

O problema é que isso parece impensável, inclusive para os analistas mais liberais que continuam acreditando que um bom candidato é aquele que apresente, em detalhes, tudo o que ele pretende impor sobre a cabeça dos cidadãos. O que eles querem, parece, é um novo Lenin, com seus planos quinquenais.

Independência e a relação com a autoridade

A noção de autoridade é de algo que se deve respeitar e até obedecer, porém por tolerância, a fim de não ter-se por rebelde. A modernidade, porém, criou a ideia de autoridade que não apenas deve ser obedecida, mas servida, e de onde deve-se esperar as soluções para as questões mais comezinhas da vida cotidiana.

A forma como as pessoas, hoje em dia, se referem à autoridade, esperando dela tudo e até criticando-a quando ela não vem acudi-las da maneira que esperam, é uma completa inversão de como o cristianismo ensina que deve ser a relação do homem com os poderes terrenos.

E tal atitude apenas cria, nesses que aguardam tudo dos governos, uma incapacidade de resolverem suas próprias vidas, de buscarem suas próprias soluções, de assumirem a responsabilidade total por aquilo que fazem e por aquilo que conquistam.

O cidadão moderno não sabe defender-se, não sabe prevenir-se, não sabe sequer preparar-se para o futuro. Tudo ele espera que lhe seja dado pelas autoridades e, quando elas não agem de acordo com suas expectativas, o que é a regra, aliás, então usam de sua maior força: o direito de reclamar.