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Livros, minha vida

Estou orgulhoso do ritmo de leituras que tenho conseguido impor em minha rotina nos últimos tempos. Os livros passaram, decididamente, não apenas a fazer parte da minha vida, mas a ser minha vida. Com isso, posso dizer que hoje leio como um erudito (pelo menos, considerando o número de páginas). Por exemplo, finalizei a História da Filosofia, do Julián Marias, com mais de quinhentas páginas, em quatro dias. Considerando que a maioria dos livros que leio possui a metade desse tamanho, esse ritmo me proporcionaria, aproximadamente, cem livros por ano – nada mal!

Muita gente pode achar a implementação dessa quantidade de leituras algo um tanto excêntrico e até desnecessário. Não me cabe, porém, no parco espaço deste texto, discutir essa questão. O que posso dizer é que não as julgo por pensarem assim, de qualquer maneira. Nem todo mundo é vocacionado para a vida intelectual e, por isso, essas pessoas não são obrigadas a entender o que leva alguém a viver com o nariz enterrado nos livros.

Por outro lado, eu também conheço várias pessoas que gostariam de ler mais, de ter um ritmo de estudos mais consistente, mas sentem uma dificuldade terrível de colocar essa vontade em prática. É gente que sente a necessidade de obter mais conhecimentos, mas percebe que a vida cotidiana apresenta obstáculos que parecem insuperáveis.

Intuitivamente, o que essas pessoas pensam em fazer para conseguir colocar em prática suas ambições de estudos é traçar um plano. Então, elas organizam-se de maneira a separar momentos específicos para praticar suas leituras e fazer seus estudos. Isso é muito bom, mas tem um inconveniente: geralmente, esses planejamentos são idealizados e não consideram as circunstâncias. O resultado é que, apesar do planejamento, dificilmente conseguem colocá-lo em prática.

Acabam, assim, tornando-se céticas quanto a possibilidade de se ler tanto. Elas chegam à conclusão de que, para isso, precisariam abdicar completamente de suas vidas sociais e até profissionais. No fim, desistem, resignando-se com suas leituras esparsas e esporádicas.

O problema nisso tudo, porém, encontra-se menos no planejamento que tentaram colocar em prática do que em algo mais profundo: na própria escolha do estilo de vida que se decide ter. No meu caso, se consegui alcançar uma produtividade satisfatória em meus estudos, isso deveu-se menos ao planejamento – que, na verdade, nem faço – do que à decisão de que os livros passariam a ser mais do que parte da minha vida: eles passariam a ser a minha vida.

O que eu quero dizer é que, se você quer ler a quantidade de livros que acredita satisfatória para o desenvolvimento da sua intelectualidade, não adianta separar momentos para isso. Quem decide dedicar-se à vida intelectual, não planeja quando vai ler; planeja, no máximo, o que vai fazer quando não estiver lendo.

Eu não disse que as leituras hoje são a minha vida? Então… sendo assim, eu não preciso planejar-me para fazer aquilo que envolve a minha vida. Não há momentos específicos para isso. Ler é algo que faço todos os dias, todas as horas, sempre que algo mais urgente não reclame minha atenção. E mesmo nestas horas, ainda dá para encaixar alguma leitura nas pausas que me são oferecidas.

Na verdade, eu não penso sobre quando vou ler. Se há algo que preciso pensar por antecipação é exatamente sobre o que eu vou fazer naqueles poucos momentos quando não estou com um livro aberto diante dos meus olhos.

Quantos livros devemos ler

Schopenhauer era um ardente crítico dos eruditos que liam por compulsão e não reservavam tempo para refletir sobre o que seus olhos tinham acabado de ver. Em seu livro ‘A arte de escrever”, ele se mostra convicto de que a leitura em demasia desacostuma da clareza e profundidade necessárias para a verdadeira compreensão.

Haveria, então, um limite às leituras? Seria de bom senso ler, mas com certo cuidado, evitando o que poderia ser considerado um excesso?

Que ler é essencial para o desenvolvimento intelectual não há a menor dúvida. Nas publicações escritas encontram-se os tesouros do conhecimento e da sabedoria. Nem mesmo a internet, com sua promessa de expansão infinita da informação, conseguiu substituir a profundidade de conteúdos que apenas é encontrada nos livros.

Ler é indispensável. Ainda assim, é importante ressaltar que a quantidade de livros consumidos não é indicativo absoluto de conhecimento, muito menos de sabedoria. Há eruditos bastante inteligentes, como há os estúpidos. Há quem leia muito e não aprenda nada, como há os que pouco lêem e, ainda assim, conseguem desenvolver bem suas inteligências.

A única certeza nisso tudo é que quem não lê não cresce intelectualmente. Sem leituras é impossível possuir qualquer conhecimento substancial. No entanto, não é porque um livro foi publicado que, automaticamente, ele mereça ser lido. Sertillanges dizia que “livros existem por toda a parte, mas só bem poucos são indispensáveis”. O mundo está cheio de publicações inúteis, lotado de livros irrelevantes. Livros não possuem valor em si mesmos. Fica claro, portanto, que despender energia na leitura desses livros não é aconselhável. Nosso tempo é precioso e perder dias em leituras que nada acrescentam à nossa vida é desvalorizá-lo sobremaneira.

Sinceramente, eu não acredito na ideia, tão difundida, de que todos os livros são úteis; que, ao menos, eles servem para desenvolver o hábito da leitura. Na verdade, a maioria deles é prejudicial. No mínimo, suga tempo e energia do leitor. Em casos piores, vicia na má literatura, o que a torna desaconselhável.

Um livro, para merecer ser lido, precisa ter algo de substancial. Se ele não provocar uma mudança positiva no leitor, não serve para nada. Toda leitura que valha a pena precisa causar algum tipo de acréscimo intelectual, espiritual ou moral. Se não for capaz disso, deve ser dispensada.

Porém, ainda que a maioria dos livros seja ignorável, é certo que existe uma multidão deles que merece ser lida. São em número tão grande, que é impossível lê-los todos em uma única vida. Por isso, LEIA O MÁXIMO QUE PUDER.

Eu não compactuo com o conselho de moderação, beste caso. Não acredito que deva ser algo feito com parcimônia. Conhecer é bom e o conhecimento está nos livros; portanto, quanto mais lermos mais conhecimento teremos – e isso, por si só, é bom.

Mas não significa que deve-se enterrar a fuça nos livros e devorá-los como hienas sobre a carniça. Apesar de tudo, o que fará maior diferença no desenvolvimento intelectual não será a quantidade de leituras, mas a maneira como elas são deitas. Até porque de nada adianta ler muito se o conteúdo não for adequada e profundamente absorvido. Leituras feitas assim transformam letras em sementes entre pedras, que não criam raízes.

Por isso, todas leituras devem ser feitas com objetivo, não por compulsão. Os eruditos criticados por Schopenhauer a faziam por vício, por fetiche. No entanto, delas, no máximo, extraíam informações, não conhecimento. A repreensão do pensador alemão, porém, serve a todos nós. Devemos ler sabendo porque lemos, certos do que buscamos, conscientes do que queremos.

É por essa razão que toda leitura deve conter algo de relevante. Ainda que seja preciso suportar uma parte do livro até encontrar o que realmente importa, é imprescindível que ele possua algo de substancial a oferecer. O fato é que toda leitura, de alguma maneira, precisa fazer sentido. Convicto disso, hoje em dia não tenho mais nenhum pudor de abandonar uma obra quando percebo que ela não possui nada de relevante a me oferecer. A vida é preciosa demais, e seu tempo também, para jogá-la fora com o que não importa.

No entanto, não adianta o livro possuir um conteúdo relevante se esse conteúdo não for bem absorvido. Seria como pérolas lançadas a porcos. Não sem razão Sertillanges insistia na importância da solidão para o desenvolvimento intelectual e Schopenhauer criticava quem lê muito, mas não pensa sobre nada. Ler muito sem dar o devido tempo para a digestão dá congestão. O certo é encontrar um equilíbrio entre leitura e reflexão. O conteúdo precisa ser refletido. O que o autor escreveu precisa frutificar na alma do leitor. Sem isso, são apenas palavras ao vento.

É por essa razão que toda leitura deve ser feita com muita atenção. Exige-se concentração. Portanto, leia sempre na medida em que a compreensão do conteúdo esteja acontecendo plenamente. Não adianta nada voracidade sem assimilação. Quando a leitura torna-se enfadonha, a concentração esvai-se e a compreensão fica prejudicada, melhor fechar o livro e retornar mais tarde. Pestanejar sobre ele pode parecer um ato heroico, mas não passa de esforço de Sísifo.

Não quero dizer com isso que sou aliado daqueles que acreditam que a leitura deve sempre ser prazerosa. Pelo contrário, muitas vezes ela demanda bastante esforço. Ler é, em boa parte das vezes, como uma batalha. Mas, ainda assim, esse esforço só é válido se dele resultar uma boa compreensão do que se está lendo.

De tudo o que expus, o mais importante é saber que ler é sempre bom e ler bastante melhor ainda. No entanto, para que essas leituras sejam proveitosas é preciso que elas façam alguma diferença.

O hábito de repetir as leituras

As pessoas costumam ler, mesmo os bons livros, apenas uma vez na vida. Agem assim porque entendem que uma leitura é suficiente para absorver o que o livro tem para oferecer. A consequência, no entanto, é que acabam desperdiçando muito do que o livro pode dar.

isso porque somos pessoas muito diferentes nas diversas fases que passamos nesta vida e se, nessas diferentes fases, repetíssemos as leituras que fizemos nas anteriores, teríamos perspectivas bem diversas daquelas que tivemos antes.

A cada período de nossa vida temos conhecimentos novos que se acumulam, experiências que se sucedem e, para aqueles que têm um impulso filosófico, reflexões e insights que periodicamente se apresentam. Sendo assim, seria mesmo impossível interpretar as mesmas leituras da mesma maneira sempre. É outra cabeça que está pensando sobre o livro, são ouros olhos que o veem.

É por isso que a Bíblia e os grandes livros devem ser lidos de novo, de tempos em tempos. Afinal, nunca é o mesmo homem que os lê.