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Positivismo jurídico e o mundo fantástico dos juízes

O positivismo jurídico é uma distorção do Direito. Na verdade, é uma idealização que, na prática, não funciona, sendo capaz de gerar as maiores injustiças.

No entanto, havia algo no positivismo jurídico que era muito melhor do que o que estão fazendo com o Direito, hoje em dia: pelo menos, tentava-se respeitar aquilo que estava escrito. No mínimo, buscava-se estabilizar o Direito, referenciando-se em algo.

Hoje em dia, os juízes não respeitam mais nada, não têm mais parâmetro algum. Cada vez mais, suas decisões são resultado daquilo que decorre de suas próprias cabeças, de seu próprio senso idiossincrático de justiça.

Se antes havia uma rigidez tacanha, que causava distorções na aplicação da lei na realidade, hoje as distorções são muito maiores, porque não são mais causadas pelo que está escrito à vista de todos, mas pelos universos insondáveis e variados que são as cabeças de cada magistrado deste país.

Para falar a verdade, a lei escrita está se tornando, cada vez mais, uma mera referência, um parâmetro fosco e meramente indicativo da vontade do legislador. O que tem definido o que deve ou não deve ser feito é simplesmente o pensamento do juiz, com todos seus preconceitos, incongruências e ideologias.

O positivismo jurídico era péssimo, mas, pelo menos, havia sobre o que debater. Agora, resta-nos apenas reclamar das injustiças, certos de que elas permanecerão, pois são frutos de inapeláveis decisões, oriundas de inexpugnáveis mentes de incorrigíveis julgadores.

Macropatia permanente

É incrível como as pessoas obedecem qualquer regra inventada pelas autoridades, ainda que elas sejam de aplicabilidade discutível, e mesmo que lhes façam mal. Parece até que a regra está acima da verdade, acima do bem e do mal.

As pessoas tomam as leis como se realidade fossem. Ainda que nada tenha mudado no mundo real, o comportamento delas muda quando seus governantes baixam seus decretos.

Observem o caso das máscaras: até um dia antes da obrigatoriedade de seu uso, poucas pessoas davam importância para elas. Bastou, porém, os governantes tornarem-nas obrigatórias e os cidadãos agora tratam-nas como um acessório de vida ou morte. São capazes, inclusive de brigar com seus vizinhos e ter ataques histéricos no caso de testemunharem alguém que não respeite seu uso.

Outro fenômeno interessante ocorre no caso dos restaurantes. As leis permitem que a pessoa tire a máscara quando ela se senta para comer. No entanto, o que muda em relação ao perigo real? Absolutamente nada, afinal, o vírus não tem altura mínima. No entanto, o mesmo histérico que grita com qualquer um que veja sem máscara, sente-se seguro ao acomodar-se na mesa de refeição sem o acessório de proteção. De onde vem essa segurança? Da realidade? Não, da lei. É como se, só porque a lei determina que na mesa de refeição não é obrigatório o uso de máscaras, não houvesse o mesmo perigo de quando a pessoa está de pé.

Andrew Lobaczewski percebeu algo desse fenômeno, que ele chamou de macropatia permanente. Esse nome é dado por ser um problema muito comum em sociedades de grandes dimensões. Nelas, por causa de suas grandes distâncias e heterogeneidade, estando as autoridades centrais geralmente distantes dos assuntos locais e individuais, os regulamentos, que costumam fazer sentido nos grandes centros, que é de onde eles partem, ao serem aplicados pelas comunidades menores e mais afastadas, acarretam graves distorções.

No fenômeno identificado por Lobaczewski, quando uma lei é imposta, de maneira uniforme, em um país grande e diverso, as pessoas são forçadas a aplicá-las de maneira indiscriminada, sem as adaptações necessárias. Assim, a população acaba forçada a recepcionar essas leis, que nada têm a ver com sua realidade, como se representassem a mais absoluta verdade, ainda que sua experiência imediata e bom senso não confirmem isso. Daí, ver as pessoas tendo atitudes absolutamente contradizentes é uma consequência óbvia.

A diferença é que agora esse fenômeno é global. Isso porque há regras uniformes regendo o mundo inteiro. Determinações oriundas de cientistas e burocratas encastelados em seus gabinetes profiláticos, forçando até mesmo pessoas de afastados rincões a obedecer normas que nada têm a ver com sua realidade cotidiana. A consequência é que o cidadão de Birigui acaba submetido às mesmas determinações que o de Nova Iorque. Portanto, a macropatia, que era a enfermidade social típica de países grandes, alcançou escala planetária.

Como consequência, o povo, forçado a adaptar-se constantemente para recepcionar regras que nada têm a ver com seu cotidiano, nem com a realidade experimentada, acaba com sua própria percepção afetada. Ele não pensa mais de acordo com sua experiência direta, mas conforme a abstração da lei, tomando-a como a definidora do que é do que não é. Um dia antes viva como se tudo fosse normal, depois que a autoridade a baixou, parece que tudo mudou.

Os governantes percebem isso e a lei, então, torna-se um instrumento de manipulação, servindo como berrante para qualquer prefeitinho, por meio de qualquer decretinho, conduzir sua boiada.

A Constituição aceitável

Na faculdade de Direito, os formandos aprendem a ter a Constituição quase como uma Bíblia. O pessoal sai do curso achando que se trata de um livro infalível e perfeito. O respeito que um jurista tem pela chamada Carta Magna é inocente, praticamente imbecil.

Por isso, o que eu vou dizer vai arrepiar os pudores religiosos que o bacharéis têm pela Constituição: “ela é uma norma de bosta e um atraso para o país”.

Toda regra constitucional é feita para manter-se no tempo. Por isso, uma Constituição precisa ser enxuta e tratar apenas das questões mais fundamentais e gerais, sob pena de tornar-se um peso insuportável sobre a sociedade.

Agora, imagine uma Constituição que trate de regras trabalhistas, como a nossa. Isto é a fórmula do atraso. No mundo de hoje, essas relações são muito dinâmicas e voláteis, exigindo constante adaptação de todos os envolvidos. Ao impor essas regras na Constituição, o legislador praticamente condena o país à estagnação.

Por isso, quando falam de fazer uma nova Constituição, eu penso: só se for para diminuí-la a um décimo de seu tamanho atual. Ela deveria ter, no máximo, vinte artigos e tratar apenas daquilo que é realmente necessário assegurar como princípio essencial e valor fundamental da sociedade.

Uma medida revolucionária

Aqui no Brasil, o empreendedor, pagador de impostos, é visto como culpado de antemão. É ele quem precisa provar que está fazendo tudo direitinho, que o seu negócio não está violando nenhuma regra. O Estado fiscalizador pressupõe sua culpa e está pronto para puni-lo, mesmo naquilo que seja considerado o seu menor deslize.

Isso porque é da cultura jurídica e política brasileira enxergar o governo como o guardião da ordem, como o responsável por manter a sociedade em harmonia. Por outro lado, o cidadão é visto com desconfiança, pressupondo sua culpa, jogando sobre ele a responsabilidade de provar que está fazendo tudo corretamente.

Disso nascem o poder de polícia e a presunção de legitimidade estatais. Disso nascem um Estado de mão pesada, leis muito restritivas e um cidadão acuado, temeroso de tomar qualquer iniciativa.

Está tudo errado e o pensamento deveria ser exatamente o inverso. Em vez de confiar no governo, as leis deveriam contê-lo. O princípio que deveria basear a promulgação das normas deveria ser o de contenção da sanha intimidatória e do poder do Estado e a proteção da liberdade do indivíduo.

Foi isso que provou-se eficiente nas sociedades liberais. E ainda que, mesmo nelas, cada vez mais os governos têm se tornado mais fortes, os efeitos da liberdade experimentada naqueles países ainda é perceptível em sua prosperidade insistente.

No entanto, no Brasil, o cidadão, principalmente o empreendedor, é tratado quase como um criminoso. Talvez até pior, pois este ainda tem a presunção de inocência que o empreendedor não tem.

Por tudo isso, a Medida Provisória 881/19, publicada pelo presidente Jair Bolsonaro e por seu ministro da economia Paulo Guedes, e chamada de Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, é uma revolução em relação à forma como os políticos e juristas brasileiros enxergam as coisas. Pela primeira vez, uma lei coloca o governo em seu devido lugar e trata-o como alguém que geralmente age para atrapalhar a vida dos cidadãos e que, por isso, precisa ser contido. Pela primeira vez, o indivíduo é convidado a empreender sem medo, sem temor de estar fazendo alguma mínima coisa errada e ser punido por isso.

Minha esperança é que essa lei se transforme em um marco, em uma virada, no pensamento brasileiro e estabeleça uma cultura jurídica e política completamente diferentes daqui para a frente.

A feiúra dos textos jurídicos

Os textos jurídicos brasileiros são feios. Não apenas esteticamente desagradáveis, mas confusos, prolixos e difusos. Uma pessoa sem sensibilidade de escrita, ao se deparar com o pedantismo e a aparência de grandiloquência dos escritos dos advogados e juízes, pode até acreditar que se trata de uma boa redação, mas quem entende da arte de escrever sabe que os textos jurídicos brasileiros são, em geral, muito mal escritos.

Os juristas não sabem escrever porque, em primeiro lugar, sofrem com a má formação básica. O nível médio da escrita do brasileiro é sofrível. No entanto, essa deficiência não é sequer aliviada nas faculdades de Direito. Por mais que escrever seja o instrumento fundamental do advogado e do juiz, durante todo o período de sua formação, ele receberá apenas algumas dicas esparsas, dadas por algum professor especialmente preocupado com essa questão. Em geral, porém, esse aluno vai ter de desenvolver sozinho sua maneira de escrever, sem nenhuma orientação.

A escrita que os alunos de Direito desenvolvem dentro da faculdade se dá por mera imitação dos textos de seus antecessores – que já não são um primor de estilo e concisão. Porém, é uma imitação por quem não tem a mínima ideia do que está fazendo. O resultado acaba sendo uma caricatura daquilo que já não é uma referência de beleza. Os textos jurídicos são feios porque são uma má imitação de outros textos que também são feios.

A ausência do ensino da técnica de escrita nas faculdades de Direito é uma falha imperdoável. O ofício do jurista não é apenas a interpretação das leis, mas a expressão dessa interpretação. Seu trabalho só se completa quando ele exterioriza, de maneira clara e coerente, o entendimento que teve da lei. Se ele não souber exteriorizar essa interpretação ela não servirá para nada. Uma interpretação, por mais correta que seja, se está apenas na cabeça do jurista não tem função alguma.

As faculdades de Direito priorizam a interpretação das leis. Aliás, praticamente só ensinam isso. Como não dão qualquer orientação sobre a expressão e a escrita, o resultado acaba sendo essa multidão de peças jurídicas confusas e mal redigidas. E o maior exemplo se encontra no mais alto escalão do poder judiciário, o Supremo Tribunal Federal. O que se ouve em suas sessões é um festival de pedantismo e prolixidade.

Antes de ensinar sobre leis, as faculdades de Direito deveriam dar essa mensagem para seus alunos: “Vocês não são escritores. Portanto, expressem-se da maneira mais simples, mais objetiva, mais clara possível. E, acima de tudo, sejam humildes. Não tentem escrever acima das suas capacidades. Entendam que nada ofende mais a boa expressão do que tentar dizer o natural de maneira pomposa”.