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O Preço da Verdade

Há dois motivos para não sermos compreendidos: o primeiro, quando falhamos, por ignorância ou imperícia linguística, na transmissão de nossas idéias; o segundo motivo se dá quando o nosso interlocutor é incapaz de apreender o sentido do que estamos lhe dizendo. Ambos os motivos têm consequências, mas o primeiro gera, no máximo, a impaciência no ouvinte, enquanto o segundo pode provocar nele pavor.

Sócrates explica isso em sua Alegoria da Caverna, ao contar sobre a pessoa que, após deparar-se, pela primeira vez, com a luz, tomada de compaixão pelos antigos companheiros que permaneciam nas sombras, retorna até a cova escura, onde eles estão, para contar-lhes a novidade. No entanto, nesse trajeto de retorno, já não mais adaptada à escuridão, impossibilitada de enxergar qualquer coisa com distinção, age de maneira desajeitada e esquisita, provocando, nos moradores da caverna, estranheza e medo.

Na vida real ocorre o mesmo. Quem se depara com a verdade não consegue mais fazer uso das categorias e fórmulas usadas em seus tempos de ignorância. Assim, quando tenta se comunicar com os ignorantes, aos olhos destes acaba parecendo um tolo. Os ignorantes, então, concluem que a verdade proclamada é um veneno e, por mais que a não entendam, têm-na por perigosa, achando por certo afastar de seu convívio seu portador.

Diversos alunos e leitores meus relatam algo semelhante: que, ao contar para seus amigos e familiares, sobre a verdade que encontraram, são tratados como excêntricos, loucos e até perigosos. No entanto, o principal motivo não costuma ser a discordância do ouvinte, mas o medo provocado nele por algo tão fora do seu universo de consciência.

Este é o preço que a verdade cobra de quem se encontra com ela. Para este, resta esforçar-se por traduzir, em uma linguagem compreensível aos ignorantes, a nova realidade ou, simplesmente, conformar-se com a reprovação social. Se bem que o exemplo de Cristo, que fez bem aquilo, mostra que esta parece inescapável.

Taleb: A antibiblioteca do Umberto Eco

Os livros de uma biblioteca particular não estão ali exclusivamente para serem lidos, mas para oferecerem a possibilidade de lê-los. São, assim, uma potência do conhecimento de seu dono.

Quando o pensador Nassim Taleb, em sua obra “A lógica do Cisne Negro”, escreve uma pequena introdução referindo-se a gigantesca biblioteca do escritor Umberto Eco, sua intenção é mostrar como as pessoas dão mais atenção ao que sabem e costumam desprezar o que não sabem – o que aliás é a tese central desse trabalho.

Umberto Eco, citado por Taleb, tinha uma biblioteca com mais de trinta mil volumes. Como todo intelectual com estantes cheias de livros, testemunhou, diversas vezes, a mesma reação daqueles que o visitavam: o espanto seguido da pergunta: “o senhor já leu todos esses livros?”. Isso porque as pessoas pensam que só tem sentido os livros estarem ali se for para serem lidos ou se já foram lidos.

“Livros lidos são muito menos importantes que os não lidos” – afirma Taleb, em uma sentença surpreendente. A razão disso é que os livros de uma biblioteca particular não estão ali exclusivamente para serem lidos, mas como objetos de pesquisa.

E não é que o Taleb tem razão? Pensando bem, um livro lido já se encontra dentro do leitor e, como objeto físico, tem um valor menor que antes de ter sido lido. O livro não lido, pelo contrário, é valiosíssimo, pois ainda espera ser tomado, explorado, absorvido; possui joias a serem descobertas.

A outra afirmação do Taleb é ainda mais incrível, ao dizer que, quanto mais se sabe, maiores serão as pilhas de livros não lidos. Isso se dá porque pessoas bem instruídas, que lêem mais, que sabem mais, possuem uma noção mais clara e ampla do que ainda precisam conhecer, conseguindo mapear melhor sua própria ignorância. O resultado óbvio disso é querer ler mais e, portanto, ter mais livros à sua espera.

É comum darmos muita atenção ao que sabemos e tentarmos esconder o que não sabemos. Valorizamos os nossos conhecimentos, enquanto, na verdade, um único conhecimento é essencial: o conhecimento em relação aquilo que nos falta conhecer. Para entendermos o que nos falta, porém, é preciso saber bem o que se sabe, pois, quando se sabe isso, conseguimos saber o que ainda precisamos saber.

Por isso, é muito mais importante os livros que ainda não lemos do que aqueles que efetivamente lemos. Os livros que lemos indicam quem nós somos, mas os que não lemos apontam para quem ainda podemos ser.

Antídoto contra o nosso tempo

Hoje em dia, uma das tarefas mais importantes da inteligência é nos proteger das loucuras do mundo contemporâneo.

Se há ideias completamente inconcebíveis sendo concebidas é porque a razão tem sido desprezada e a coerência ignorada.

Se as pessoas defendem absurdos, isso se dá menos por uma convicção gerada por uma reflexão, do que pelo seu exato oposto: preconceitos gestados na completa ignorância do tema que está sendo tratado.

Como quase ninguém tem a capacidade de raciocinar sobre nada, as pessoas têm sido conduzidas pelos seus sentimentos sobre os assuntos ou pelo que ouvem falar dele (na verdade, costumam misturar essas duas coisas).

Portanto, ser inteligente deixou de ser apenas uma forma de desenvolvimento pessoal, mas tornou-se um necessário antídoto, uma vacina contra este nosso tempo burro e alucinado.