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Verdade Sequestrada

A censura, hoje em dia, é velada e, ao mesmo tempo, ampla. Houve épocas que o próprio Estado praticava-a. Porém, os termos eram mais bem definidos. Não havia a defesa de uma verdade absoluta, como se faz agora, mas de um regime. Era como se o governo dissesse claramente: “nós acreditamos que certas ideias são nocivas à sociedade porque representam uma ideologia que quer derrubar o sistema presente. Por isso, vamos proibir que se faça qualquer tipo de propaganda, explícita ou não, a favor dessa ideologia”. Os termos estavam postos e eram exatamente conhecidos. E por trás dela não havia a pretensão de uma verdade inegável, apenas a defesa de um regime político mesmo. Pode parecer uma censura menos justificável, mas certamente era menos hipócrita.

O que ocorre atualmente é diferente. Expressões, opiniões e ideias estão sendo previamente impedidas de circular. Quem se arrisca, está sujeito às sanções, como banimento dos veículos de comunicação, impedimento de faturamento e, em alguns casos, até uma conversinha com o delegado federal. Alguns, aqui no Brasil, acabaram inclusive presos.

Qual a diferença, porém, dos princípios que sustentam os censores da atualidade em relação aqueles que estavam ligados a determinados regimes políticos? A censura de agora é baseada na suposta defesa de verdades que se apresentam como indiscutíveis. Não se alega o combate contra uma ideologia nem a proteção de um sistema de governo, diz-se simplesmente que os censurados mentem. A defesa da verdade é o motivo da censura. Porém, que verdade é essa que não suporta a contradição?

Por mais incrível que pareça, os censores dizem defender a verdade científica, aquela mesma que só pode ser alcançada após intensos debates e que sequer se pretende no direito de pronunciar-se dessa maneira, pois faz parte da sua natureza estar sempre aberta para a apresentação de dados contraditórios.

Estamos, então, diante do pior tipo de absolutismo. A censura praticada tem sido pior até do que aquela baseada na religião, a qual, pelo menos, possuía claramente delineada a doutrina defendida. Além do que, era uma doutrina explicitamente defendida mesmo por aqueles que eram censurados. A censura era como que uma correção a um grupo que acreditava na mesma coisa que seus censuradores. O objetivo era evitar a cisão, a heresia.

No mundo de hoje, por tratar-se de um mundo plural, isso não tem mais nenhum sentido. Não existem mais crenças comuns, nem doutrinas universais que suportem o banimento de heréticos. Independentemente do quanto isso é positivo ou negativo, cada pessoa, teoricamente, tem o direito de acreditar no que bem entende, falar sobre o que bem entende e até divulgar essas suas convicções, sem que isso devesse lhe causar qualquer tipo de prejuízo.

No entanto, já não são mais doutrinas, nem teses, nem ideias que sustentam a censura, mas a simples defesa da verdade, a qual ninguém sabe quem a definiu e nem de onde surgiu. Simplesmente, uma dita verdade é lançada na cara de todo mundo que, mesmo sem ter qualquer relação com ela, é forçada a engoli-la.

Isso é bem estranho, pois como se pode falar de uma verdade imposta em uma sociedade que cultiva o pluralismo e o relativismo? Parece claro que isso tudo não passa de um pretexto para defesa de outros interesses muito mais mesquinhos.

O fato é que quando uma verdade está de antemão definida, a ponto de sequer poder levantar-se qualquer tipo de objeção contra ela, sob pena de sofrer as mais duras penas, significa que a sociedade alcançou um estágio de totalitarismo inimaginável até para as épocas de governos ditatoriais. Isso porque nestes, pelo menos, os motivos do censor eram evidentes, enquanto, agora, são ocultos.

Vivemos um período contraditório e perigoso. Enquanto parece que praticamente não existem mais ideologias, nem doutrinas que possam ser usadas para cercear a liberdade das pessoas, a criatividade humana foi mais longe e sequestrou a própria verdade para fazer isso. Por mais que seja uma verdade que ninguém sabe dizer por quem foi definida, ela está lá, firme e inabalável, ajudando a calar aqueles que dizem também querer revelá-la.

A verdade só se insinua onde a razão caminha livre. Essa que estão dizendo defender não pode ser a verdade, mas um simulacro, uma falsária que, mantendo a verdadeira encarcerada, toma seu lugar, porém, sem as sutilezas e complexidades da original, mas com rigidez, intransigência e brutalidade.

O Preço da Verdade

Há dois motivos para não sermos compreendidos: o primeiro, quando falhamos, por ignorância ou imperícia linguística, na transmissão de nossas idéias; o segundo motivo se dá quando o nosso interlocutor é incapaz de apreender o sentido do que estamos lhe dizendo. Ambos os motivos têm consequências, mas o primeiro gera, no máximo, a impaciência no ouvinte, enquanto o segundo pode provocar nele pavor.

Sócrates explica isso em sua Alegoria da Caverna, ao contar sobre a pessoa que, após deparar-se, pela primeira vez, com a luz, tomada de compaixão pelos antigos companheiros que permaneciam nas sombras, retorna até a cova escura, onde eles estão, para contar-lhes a novidade. No entanto, nesse trajeto de retorno, já não mais adaptada à escuridão, impossibilitada de enxergar qualquer coisa com distinção, age de maneira desajeitada e esquisita, provocando, nos moradores da caverna, estranheza e medo.

Na vida real ocorre o mesmo. Quem se depara com a verdade não consegue mais fazer uso das categorias e fórmulas usadas em seus tempos de ignorância. Assim, quando tenta se comunicar com os ignorantes, aos olhos destes acaba parecendo um tolo. Os ignorantes, então, concluem que a verdade proclamada é um veneno e, por mais que a não entendam, têm-na por perigosa, achando por certo afastar de seu convívio seu portador.

Diversos alunos e leitores meus relatam algo semelhante: que, ao contar para seus amigos e familiares, sobre a verdade que encontraram, são tratados como excêntricos, loucos e até perigosos. No entanto, o principal motivo não costuma ser a discordância do ouvinte, mas o medo provocado nele por algo tão fora do seu universo de consciência.

Este é o preço que a verdade cobra de quem se encontra com ela. Para este, resta esforçar-se por traduzir, em uma linguagem compreensível aos ignorantes, a nova realidade ou, simplesmente, conformar-se com a reprovação social. Se bem que o exemplo de Cristo, que fez bem aquilo, mostra que esta parece inescapável.

Platão: Prisioneiros da Caverna

Entre o que vemos e a realidade, em todos seus matizes e profundidade, há uma distância maior do que o senso comum costuma imaginar. A maioria das pessoas sequer se dá conta de que as coisas se dão da maneira como se dão. São como os prisioneiros da caverna de Platão.

Nessa alegoria, Sócrates sugere que Glauco imagine uma caverna, onde há homens acorrentados desde a infância, com grilhões nos pescoços e nas pernas, impossibilitados, por isso, de se mover para os lados e para trás, capazes apenas de olhar para a parede do fundo dessa caverna, onde vêem as sombras dos homens e objetos que se movimentam do lado de fora, acreditando consequentemente que as vozes que escutam pertencem a essas sombras.

E não é assim com a maioria das pessoas? Olham as coisas sem ter noção de que são apenas reflexos da verdade. Vêem somente a ponta mais visível da realidade e acreditam que se trata da realidade mesma. Deparam-se com algo, aprendem algo e logo concluem que não existe nada além daquilo.

O mundo está tomado de convicções, fé e certezas baseadas em aparências. Mesmo gente com poder se encontra nessa situação. Imagine então quanto das decisões que afetam a vida de quase todo mundo estão fundamentadas nessa visão parcial e pequena da realidade.

E pense o quanto, para aqueles que entendem a verdade em seus graus mais profundos, e que possuem más intenções, é fácil enganar os pobres coitados que só conseguem enxergar, quando muito, aquilo que está diante dos seus olhos.

Entenda que a realidade tem muitos graus de verdade. O que se sabe pode ser verdadeiro, mas dificilmente é imediatamente abarcado em sua totalidade. Por isso, é preciso aprender a olhar para além do visível. Lembrar-se que o que vemos costuma ser um mero sinal de uma verdade mais profunda e mais complexa, que só pode ser alcançada em um processo de conhecimento gradativo e paciente.

Lembre-se sempre que aquilo que você vê não é toda a verdade sobre aquilo que você vê. Dê tempo ao tempo e esforce-se por buscar compreender as nuances e profundidade daquilo que é captado por sua percepção mais imediata.

Sempre que se deparar com algo, pare e se pergunte: o que há além? O que existe a mais do que isso que estou vendo? Quais são as características que ainda não consigo enxergar?

Apenas fazendo isso é possível começar a dar os primeiros passos para fora da caverna e deixar de ser um prisioneiro.

Busca pela Verdade

A busca pela verdade é uma vocação. Isso fica evidente quando vemos que algumas pessoas, simplesmente, não se incomodam em passar os seus dias sem compreender nada, enquanto outras – as realmente vocacionadas – são despertadas para deixar a ilusão das sombras da ignorância em direção à luz do conhecimento.

Os obstáculos, porém, que se apresentam para aqueles que se dispõem a isso são muitos. A preguiça, o medo do que se pode encontrar pela frente, a insegurança em relação às próprias capacidades e mesmo a natureza humana, com seus impulsos e instintos, são os inimigos internos que trabalham no sentido de afastar a pessoa da busca pelo conhecimento. Há ainda os obstáculos exteriores que se apresentam para desviar a pessoa de seu trajeto em direção à verdade, como as necessidades materiais mais urgentes, o sustento da família, a falta de tempo e, ainda, a incompreensão de amigos e familiares, que não entendem essa dedicação a algo impalpável.

Não por acaso, muitos concluem que a ignorância acaba sendo até uma bênção e é muito comum algumas pessoas desistirem no meio do caminho, achando que o esforço que se exige nessa empreitada é muito grande. Nisso, talentos acabam desperdiçados e vidas que possuíam a potência da inteligência, ao invés de florescerem, murcham na mediocridade de uma vida sem entendimento.

O fato é que, para que a existência se abra, revelando alguns de seus segredos, exige-se um comprometimento firme com ela, o que reclama a disposição por lançar-se nas fontes de conhecimento com todas as forças, estando ciente que será preciso abrir mão de tudo aquilo que pode desviar a pessoa desse caminho. Por causa disso, é inescapável entregar-se por inteiro. Afinal, como dizia Sertillanges, a verdade só está a serviço de seus escravos.

No entanto, para o impulso em direção à luz da verdade, é preciso que haja um incômodo com uma existência mergulhada na estultice e o temor de viver uma vida sem nenhum sentido. E isso nem é suficiente, muitas vezes. É preciso algo mais. Algo como um espanto, como dizia Aristóteles, capaz de despertar a pessoa de sua letargia interior.

Esse espanto, porém, não virá apenas da perseguição dos bons resultados; nem da necessidade de fama e reconhecimento; nem mesmo da vontade de poder. O único motivador infalível acaba sendo aquele momento da vida quando a pessoa se depara com a necessidade de tornar-se alguém melhor, de crescer, de amadurecer. Somente quando ela percebe que sua evolução pessoal é vital para si e para os outros que a compreensão da realidade transforma-se, para ela, em algo indispensável.

Narrativas e Solidão

Vivemos em um tempo no qual as verdades que nos são evidentes parecem ser atacadas por todos os lados. A sensação é que elas se tornaram uma afronta para o mundo. Aquilo que cremos e que sempre nos pareceu tão óbvio, agora é contestado de forma veemente. A impressão é que tudo em nossa volta se opõe ao que pensamos.

Não importa que estejamos inseridos na multidão. Ainda que sejamos socialmente ativos, sentimo-nos sós. Tornamo-nos uma ilha de certezas posicionada no meio de um mar de ideias contrárias. 

Quem está preparado para aguentar a violência de uma massa vociferando contra seus princípios, suas crenças e seus valores? Somente uma alma sobre-humana seria capaz, diante de um mundo que se lhe opõe de forma tão frontal, de manter-se firme. Não por acaso, muitos começam a duvidar de si mesmos, a perguntarem-se se, em vez de convictos, não estão sendo teimosos.

Somos repreendidos continuamente, mesmo que de maneira tácita, somente porque temos ideias que vão de encontro ao que se apresenta como um consenso geral. Isso é muito cansativo. Por isso, muitos chegam ao limite e simplesmente calam-se. Os mais frágeis sucumbem e rendem-se aos seus acusadores; outros, ao abafarem suas certezas, desenvolvem neuroses; outros ainda escapam, buscando na irrelevância algo a que se aferrar. Não os culpo. A força da oposição é grande demais para um espírito vulgar.

Os que desafiam essa pretensa unanimidade acabam pagando com a solidão. Tornam-se como que acorrentados em suas próprias masmorras de convicções. Fora destas, ouvem as vozes falando insanidades. Porém, estão impedidos de juntar-se a elas, a não ser que abdiquem do que pensam.

Sei bem o que é tentar mostrar a realidade para uma sociedade enlouquecida. Ainda assim, aconselho àqueles que sofrem com a incompreensão e indignação alheias, só porque sustentam ideias normais, que não esmoreçam; não se permitam sucumbir ante os ataques aos seus princípios. 

Lembrem-se de que toda essa pressão é uma ilusão, toda essa força externa é apenas uma artificialidade, toda essa certeza que o mundo parece ter não passa de fé de malucos. Nossa sociedade transformou-se em uma máquina de narrativas. Praticamente nada mais do que é dito no espaço público é fruto da evolução natural do pensamento, mas reflete apenas a construção artificial de uma fábula. São convicções montadas, certezas produzidas e princípios fabricados.

Narrativas nada mais são, por sua própria natureza, do que estórias criadas para manipular as pessoas. Não são fruto da cultura, nem da tradição de uma sociedade, mas invenções surgidas na mente de algumas poucas pessoas que têm como objetivo moldar a mentalidade do povo em favor de determinadas ideologias.

Narrativas fazem uso do mecanismo da desinformação, que usa maciçamente os meios de comunicação para espalhar mentiras que contribuam em favor de formas de pensamentos específicas. Por isso, muito do que ouvimos por aí simplesmente trata-se de mentira.

Narrativas são criadas para serem aceitas pela massa. Por isso, precisam ser palatáveis. Para tanto, são escritas como roteiros ficcionais, que ignoram a complexidade da realidade e apresentam estórias lineares que vão ao encontro das expectativas de seus destinatários. Enquanto a realidade subsiste naturalmente, discretamente e sem artifícios, a narrativa esforça-se por impor-se, passando por cima das dificuldades típicas da vida real.

Narrativas, por não ancorarem-se na realidade, precisam ser continuamente contadas, se quiserem sobreviver. Junte-se a isso a volumosa propaganda que é necessária para impulsioná-las e temos aquela sensação de ela ser onipresente.

No entanto, narrativas não sobrevivem a um confronto com a realidade. Apesar de dominarem a discussão pública, a maioria das pessoas, em seus cotidianos comuns, vive como se elas não existissem. 

Por isso, esteja certo que o mundo não está pensando diferente de você. O que se tem ouvido por aí é o barulho das teorias loucas que, para serem escutadas, precisam ser gritadas; é o movimento das ideias artificiais que, para serem conhecidas, exigem ser divulgadas. Saiba que por detrás dessa balbúrdia narrativa existe uma vida real, com pessoas reais e histórias reais que continuam sustentando o mundo.

Portanto, toda vez que você se sentir só, tendo a impressão de que suas ideias são muito diferentes das ideias do restante da humanidade, lembre-se que o que lhe oprime não passa de uma farsa, não se sustenta, é falso. Saiba, definitivamente, que os pensamentos da maioria das pessoas são muito parecidos com os seus — elas só não alardeiam isso o tempo todo.

A loucura de cada um

A comunicação, por definição, pressupõe que entre o emissor e o interlocutor existe algo comum. Ela seria impossível, inclusive, se não houvesse isso. Se cada pessoa vivesse em seu próprio mundo, com suas próprias definições e com suas próprias percepções, seríamos todos autistas e, certamente, não haveria a civilização como a conhecemos.

Ainda assim, a ideia de verdade absoluta foi rejeitada. Falar dela tornou-se anátema em um mundo absolutamente relativista. Dizer que existe algo que é imutável, que todos deveriam reconhecer, na mentalidade de hoje é ser intolerante.

Com isso, o que cada pessoa carrega é a sua própria verdade. Uma verdade íntima, pessoal, personalizada. Uma verdade tirada de não sei onde, pois, se não há uma verdade última, a convicção de cada um só pode ter saído de suas próprias entranhas.

O que vemos é um multidão de gente fechada em sua própria visão de mundo, com suas próprias certezas e arredia a qualquer ideia de universalidade. Todo mundo batendo no peito e dizendo: “Está é a minha verdade”.

Claro que tudo isso em nome da tolerância e da diversidade. Porém, com a absoluta convicção de que qualquer ideia de absoluto é intolerável.

Essa gente não vê que esse negócio de “a verdade de cada um” não existe. O que cada um possui não é a sua verdade, mas a sua versão dela.

Será que é tão difícil entender que, para que haja o mínimo de convivência e o mínimo de comunicação, é necessário que existam realidades compartilhadas e reconhecidas por todos? Mais ainda: que para se construir uma sociedade tão complexa como a nossa esses pontos em comum têm de ser a maior parte das nossas vidas? Que o que há de divergência são variações personalizadas de uma mesma coisa é que é por isso que ainda é possível discutir sobre o assunto?

Existe uma verdade, sim, que todo mundo compartilha. E ela é invariável, perene e absoluta. Ela é a fonte onde todos bebem. Alguns acham que não bebem, mas estes são como o idiota que só porque a água que toma vem do filtro, acha que ela foi criada pela empresa que fez o filtro.

A questão não é apenas que existe algo comum, mas que este comum é quase tudo em nossa vida. Aquelas opiniões pessoais, as convicções íntimas, as visões de mundo idiossincráticas são, no máximo, perspectivas em relação àquilo que compartilhamos.

O fato é que aquele que nega a verdade absoluta não é louco, apenas burro. Pois até o lunático depende das verdades comuns para formatar suas fantasias.

O que é mais persuasivo

Nada convence mais do que a verdade. Esta parece uma frase óbvia, e até batida, mas é preciso ser repetida, principalmente em tempos quando se pensa que persuadir é o objetivo final de tudo.

Vivemos tempos mercadológicos. Tudo, hoje, virou produto. E, independentemente das questões valorativas em relação a isso, o fato é que, em épocas como esta, o que impera é a utilidade, o pragmatismo, o resultado. E o resultado é, nada menos, que a ação do outro em meu favor. O objetivo último de nossos dias é fazer com que os outros adquiram, comprem, aceitem, tomem, obtenham aquilo que temos a oferecer – seja um objeto, um negócio, um curso, uma ideia etc.

A persuasão tornou-se o objetivo. Os meios para isso irrelevantes. Se, no fim, o outro aceitar fazer o que eu estou lhe propondo, é isso que vale.

Agora, imagine essa mentalidade suportada por uma era pavloviana, que tem a firme convicção que o ser humano não é nada mais do que um animalzinho reativo, talvez apenas um pouco mais inteligente que os outros.

O resultado é todo mundo usando todo tipo de artimanhas persuasivas, principalmente aquelas que provoquem o instinto do indivíduo para que ele aja de acordo com a vontade do manipulador.

E a verdade nisso tudo? A verdade é dispensável. No processo persuasivo, a verdade é a ação buscada e se o ouvinte age de acordo com o proposto, esta passa a ser a verdade entre as partes. Dentro da mentalidade dos nossos dias, isso basta.

A questão é que tratar os homens como meros bichinhos reativos é um erro. Somos mais que isso. Possuímos a razão e ela é o que temos de superior, a diferença específica que nos torna capazes de não apenas corroborar uma verdade, mas de explicá-la. É a razão que nos leva para além das meras impressões iniciais e nos permite ter alguma estabilidade em relação ao mundo que nos cerca.

O coração dos homens não se alcança diretamente, mas por meio de suas cabeças. E ainda que os sentimentos deem alguns sinais, é na razão a confirmação de que esses sinais estão corretos.

E se a razão confirma essa verdade é porque a verdade já estava lá.

Por isso, quando alguém fala a verdade, isso vai ao encontro das convicções mais profundas de cada ser humano. Ele pode até não entender isso, mas a verdade lhe toca. Ele pode até brigar contra isso, mas, lá no fundo, a verdade lhe incomoda.

Por isso, no fim das contas, não existe nada mais persuasivo do que a verdade.

Assim, quem quer alcançar a adesão de seus interlocutores, mais do que esforçar-se por lançar mão de técnicas de manipulação, deveria preocupar-se simplesmente em ser veraz.

O fogo do altar científico

Um abandono gradativo do senso comum caracteriza a forma de pensar do homem inteligente da modernidade. Em sua pretensão de ser racional, passou a fiar-se mais em sua cabeça – mas uma cabeça que parece plainar solta pelo mundo. O que ele sabia deixou de ser o que simplesmente sabia, seja de que forma fosse que tivesse vindo a saber. Passou a valer somente o conhecimento que podia explicar, principalmente se pudesse fazer isso pelas estritas regras do discurso lógico.

Obviamente, esse racionalismo logo deparou-se com diversas limitações. Ele constatou que muitas provas precisavam ser materializadas, pois muitas coisas exigiam mais do que uma mera explicação. Em vez, porém, de recuar à sabedoria anterior, que, sobre muitas coisas, sabia que sabia e satisfazia-se com isso, os racionalistas foram ainda mais longe e acrescentaram ao raciocínio a exigência de experimentação.

Tudo aquilo que era um ingênuo e imediato conhecimento da verdade ficou suspenso, até que a sapiência pudesse testá-la materialmente e explicá-la discursivamente. Deixou de existir a evidência direta e a verdade tornou-se um conceito. A certeza transformou-se em algo raro, difícil de ser obtido e completamente dependente de elementos externos.

A verdade ficou tão difícil de ser comprovada que era óbvio que o próximo estágio seria a própria desconfiança sobre sua existência. Fizeram tantas exigências para a certeza, que chegou um momento que ela já não se mostrava, tornando tudo duvidoso.

Mas os homens modernos eram racionais demais para simplesmente tornarem-se céticos; confiavam demais em sua inteligência para simplesmente tornarem-se cínicos. Transformaram-se então em cientistas e elevaram sua deusa, a Ciência, como magistrada universal de todos os juízos.

Hoje, só é verdade o que a Ciência diz que é. Não importa a convicção subjetiva, a evidência direta, o senso comum – o que não passa pelo fogo do altar científico não tem sequer o direito de reivindicar seu lugar no mundo.

A necessidade das convicções

Defenda a existência de verdades universais e você experimentará o ódio dos difusores da tolerância. Isso porque a regra vigente é tolerar tudo, menos a certeza ampla. O que passa dos limites mais estreitos da subjetividade é visto como um acinte.

A suspeita quanto às certezas gerais criou uma geração intelectualmente tímida. Não que as pessoas não tenham mais convicções, mas elas temem expô-las como universalmente válidas. Permite-se pensar sobre qualquer coisa, desde que não se pretenda que isso valha para os outros.

A ciência, por exemplo, depende de regras universais. Nenhum cientista pode exercer seu trabalho sem considerar que algumas coisas são o que são. Todo progresso científico pressupõe que algumas idéias estão estabelecidas, valem para todos, e podem servir de esteio para novas construções. O método científico depende do acúmulo de dados, que se dá pela preservação do conhecimento adquirido e pela consideração de que esse conhecimento é verdadeiro, estável e confiável. Sem essa perspectiva, a ciência seria impossível.

Se tudo tivesse de ser considerado como válido apenas no âmbito da subjetividade, não haveria bases para dar passos adiante. A negação das convicções universais forçaria tudo a um repetido recomeço; condenaria-nos a ser perpetuamente primitivos. É imprescindível, para que haja progresso em qualquer área da vida, que nos apeguemos a algumas idéias; que tenhamos algumas certezas. São delas que partimos para as descobertas, para as novas formulações, para o melhoramento.

Há verdades que já foram testadas pelo tempo, há outras que são evidentes. Por isso, não há problema algum em se ter convicções. Não é pecado, não é retrógrado, não significa ser intolerante. Tê-las faz parte de qualquer processo evolutivo.

Não quer dizer que tudo o que se sabe não possa ser contestado e até destruído por novas evidências. Pode! Porém, enquanto essas verdades permanecerem, devem ser tidas por universais e continuar sustentando nosso pensamento para que ele não se torne amorfo e sem sentido.

Razões para escolher uma religião

Já vi gente escolher uma religião pelos mais diversos motivos: por se sentir bem, por encontrar paz, por alcançar bênçãos, por ser curado, por prosperar, porque ela é a base de uma cultura, porque ela forjou determinada civilização, porque ela é moralmente superior, porque ela cria homens fortes e até por que ela é mais poética.

O que eu menos vejo, porém, são pessoas procurando uma religião, perguntando-se: ela é a verdade?