Autor: Fabio Blanco

Eleições e Soberania

Um dos perigos de acompanhar política diuturnamente é perder-se na imensidão de notícias que se sobrepõem, sendo boa parte delas referentes a trivialidades irrelevantes.

A urgência política é insaciável e clama por olhares superficiais, que teimam em estacionar nas questões mais comezinhas dos ardis palacianos.

As pequenezas políticas são uma perfeita forma de entretenimento, pois, enquanto prende o público nos capítulos da novela pública, permite que os movimentos mais importantes, muitas vezes, passem desapercebidos.

No presente momento, a multidão inconformada com a fraude evidente acompanha atentamente o desenrolar do romance tecnológico envolvendo as urnas, com seus códigos-fonte e algoritmos. A cada dia, um capítulo; a cada momento, uma novidade.

Enquanto isso, o eleito pelas máquinas suspeitas já fala como chefe maior do Estado e não esconde que está pronto para atuar, na verdade, como representante das forças internacionais que sempre tiveram um olhar cobicento para o que temos de naturalmente precioso nestas terras.

Sem nenhum pudor, nem respeito ao sentimento nacional, ele expõe abertamente seu plano de atrair as forças globais para a Amazônia, com a desculpa de que somos incapazes de cuidar de nosso próprio quintal.

Há alguns dias escrevi que o nosso problema não era eleitoral, mas de soberania, e, a cada dia, vai ficando mais claro o que eu quis dizer.

Nosso problema eleitoral é apenas a parte técnica de um desejo mundial que nosso país esteja, cada vez mais, alinhado aos projetos globalistas. Poderíamos até dizer: não alinhados, mas submetidos.

Mal-Estar pela Influência Marxista

Poucas pessoas têm noção do quanto o marxismo influencia o pensamento contemporâneo. Elas aprenderam a falar de doutrinação e de assédio intelectual, mas pouco se dão conta de que o marxismo moldou a mentalidade atual, tornando-se a cultura dominante dos nossos tempos.

Ter consciência disso foi a minha motivação para escrever o livro ‘As Origens do Mal – A Filosofia Marxista e como Ela Transformou o Mundo’. Saber que o marxismo formatava a forma de pensar das pessoas motivou-me a tentar abrir os olhos delas, mostrando, em detalhes, como suas mentes estão afetadas por essa ideologia.

Sem ler o livro, tem gente que vai achar que é um exagero dizer que o marxismo forjou a cultura destes dias. Ninguém nega sua influência, mas muitos tendem a minimizá-la, como se fosse algo pontual.

A dificuldade de enxergar o domínio marxista deve-se ao simples fato de ainda persistirem resquícios da cultura anterior, que é essencialmente cristã, nas instituições e tradições sobreviventes. Isso cria uma ilusão de que essas formas anteriores são predominantes.

Quando olhamos nossas instituições, de longe elas parecem as mesmas de sempre, porém, quando nos aproximamos delas na realidade, já percebemos que foram tomadas pelo pensamento marxista. Não há uma delas que tenha saído incólume dessa invasão.

O sucesso do aparelhamento marxista deve-se à natureza do marxismo, que longe de ser – como muitos pensam – uma mera proposta econômico-social, trata-se de uma filosofia e de uma visão de mundo. O marxismo tomou a cultura como as religiões fizeram no passado, transformando não apenas as instituições sociais, mas oferecendo novas categorias de pensamento e, por consequência, de percepção.

A experiência que os leitores do meu livro têm relatado, porém, é dúbia: se, por um lado, dizem que é esclarecedora, por outro, sentem um certo mal-estar, por perceber o quanto eles mesmos estão contaminados. Como um aluno relatou-me: é como se estivéssemos mergulhados num piche e, com a leitura, conseguíssemos levantar para respirar, mas ainda sujos.

A percepção da sujeira é tanto mais forte quanto a pessoa a reconhece e deseja limpar-se. Se meu livro causa essa sensação de sujeira, então, parece-me que ele está conseguindo atingir o seu objetivo.

Lideranças nos Movimentos de Massa em Tempos de Redes Sociais

As manifestações que ocorrem em todo o Brasil são a expressão da frustração que boa parte da população sentiu por causa de um processo eleitoral, desde o início, viciado e sem transparência. Havia, há anos, a solicitação de que, pelo menos, os votos pudessem ser auditados, transformando o pleito em algo um pouco mais confiável. As autoridades, porém, preferiram fechar-se na declaração de inexpugnibilidade das urnas e, além de ignorar o pedido, fizeram de tudo para calar a boca daqueles que reclamassem.

Como muita gente desconfiava, venceu as eleições o candidato que mal podia sair às ruas, com indícios de manipulação de urnas e uma contagem de votos ainda mais suspeita. Esperar que o povo, simplesmente, aceitasse calado tal situação é apostar demais numa tradição passiva brasileira que pertence há um tempo que parece ter ficado para trás.

Essa multidão que se dirigiu, por todo o país, para a frente dos quartéis, pedindo que algo fosse feito diante das imensas suspeitas sobre o processo eleitoral, possui todas as características de um movimento de massa – e isso, em princípio, não significa algo negativo. As massas, são, por natureza, simples, impulsivas, reativas e contagiadas. Além disso, diria-se que ela necessariamente precisa de um líder.

No entanto, esse aspecto específico dos movimentos de massas é algo que mais me questiono neste momento. Isso porque todos os estudos sobre a psicologia das multidões foram feitos antes do advento da internet, e em todos eles a figura do líder é apresentada como essencial. Não existe movimentos de massa sem líder, de quem dependem quase totalmente e sem o qual tendem a desaparecer.

Não é por acaso que aqueles que querem destruir o atual movimento brasileiro estão tentando descobrir quem seriam os líderes por detrás dele, para isolá-los, esperando, com isso, refrear o ímpeto da multidão. Eles não conseguem imaginar que possa haver algo dessa magnitude sem que haja uma liderança conduzindo tudo.

A questão é que as redes sociais parecem estar trazendo um elemento novo a esse estudo da psicologia das massas. O que antes era imprescindível, a figura do líder, com Freud, inclusive, fazendo uma relação dela com o pai primordial mítico, agora parece estar sendo substituída por algo mais fluido e sem tanta necessidade de identificação.

Não que a figura do líder não seja ainda necessária, mas parece que hoje ela é muito mais capaz de ser mantida, mesmo que personalizada, não necessariamente corporificada. A imagem, a voz e até os comandos do líder podem ser mantidos ausentes enquanto são substituídos por várias vozes que serviriam como replicadores fiéis do seu pensamento.

Se for isso, não significa que a psicologia alterou-se, mas a possibilidade da multiplicidade de vozes acrescentou um elemento novo, que permite com que o líder não precise ser tão presente e tão ativo, enquanto suas supostas ideias são replicadas aos milhões e das mais diversas formas.

Isso não significa que a figura do líder não seja importante. Eu ainda não acredito que um movimento de massa consiga sobreviver apenas da espontaneidade de seus membros. É preciso uma figura agregadora, na qual todos confiem e estejam dispostos a sacrificar-se por ela. Essa figura nem precisa ser uma pessoa, mas pode ser mesmo uma instituição.

A questão que fica é: se esse líder escondido ou essa instituição, em algum momento, deixarem claro que não irão atender as demandas da massa, o que essa fará? Será que ela terá coesão suficiente para seguir ativa mesmo sem ter uma referência para quem possa suplicar? Será que essa massa sem líder é capaz de manter-se firme apoiando-se apenas em uma ideia? Será que as redes sociais e a multiplicidade de vozes que ela permite são capazes de sustentar movimentos de massa duradouros? Ou será que a massa exigirá sempre o surgimento de algum líder substituto – que é o que ela, por natureza, costuma fazer?

Sinceramente, essa é uma questão que eu ainda não tenho as devidas respostas. O fenômeno é novo e só o tempo dirá como funciona a psiquê coletiva nessas situações.

Fascistas e Nazistas

Uma opinião política é perceptivelmente dada sem qualquer noção da realidade quando usa das expressões ‘fascista’ e ‘nazista’ para acusar os grupos políticos de direita. Isso porque essas expressões não descrevem a direita, mas apenas serve para identificá-la, sem qualquer relação verdadeira, com algo odioso.

Talvez aja um outro motivo um pouco mais trivial nessa acusação: esconder aquilo que os próprios acusadores são e sua relação com aquelas ideologias. A direita, que é acusada de fascista, nada tem de tal. Por outro lado, a esquerda, possui diversas propostas e concepções que se identificam imediatamente com o fascismo e com o nazismo.

O lema essencial do fascismo era “Tudo pelo Estado; nada fora do Estado; nada contra o Estado”. Para ele, o Estado deveria agir como um grande Leviatã, comandando tudo, dirigindo tudo, cuidando de tudo, tornando os cidadãos como meros seus vassalos. Quem vai negar que é a esquerda que suscita esse tipo de veneração do Estado? Afinal, é exatamente ela que trabalha para o seu fortalecimento e discorda daqueles que pretendem diminuir sua atuação e influência.

Outro ponto dos fascismo, e que é comum ao nazismo, é o desprezo à liberdade individual, muito caracterizado pelo desarmamento universal. Inclusive, uma das primeiras providências do governo nazista foi desarmar toda a população civil. Todos sabemos que são os esquerdistas que militam pelo desarmamento civil. Porém, não pensem que eles fazem isso por uma preocupação com a violência social, fato que eles sabem que não tem relação com o armamento das pessoas comuns e não criminosas. Os esquerdistas, na verdade, não suportam ver o indivíduo cuidando de sua própria vida, de sua família e de sua propriedade, porque, pela eles, quem tem que ter o monopólio da violência é o Estado.

A última característica que eu gostaria de pontuar é a relação, principalmente dos nazistas, com os judeus. Os nazistas odiavam judeus. Por outro lado, fizeram acordos e alianças com os grupos muçulmanos. Entre a esquerda e direita, hoje, todos sabem, quem tem boa relação com os judeus são exatamente estes, enquanto aqueles até militam abertamente contra Israel. Atualmente, quem assumiu a aliança com os palestinos foram os esquerdistas, que não cansam de condenar a existência do país israelense, num mal disfarçado antissemitismo.

Apontando tudo isso, não estou afirmando que fascismo e nazismo são de esquerda, menos ainda de direita. No entanto, está mais do que demonstrado que, observadas objetivamente as propostas e as ideias, não há nenhuma dúvida que as da esquerda são muito mais assemelhadas àquelas promovidas pelas condenáveis ideologias do século passado.

Ideologia e Natureza

Qual o problema com as ideologias?

Ideologia é uma ideia sobre o que deve ser feito para tornar a sociedade melhor.

O problema é que, geralmente, essa ideia é o reflexo da perspectiva de uma pessoa, com suas idiossincrasias e parcialidades.

Por isso, as ideologias costumam ter mais relação com aquele que a professa do que com a própria sociedade a qual ela se refere.

Dificilmente, uma ideologia trata de uma adaptação às condições sociais reais e às limitações impostas por elas, mas de uma imposição, uma forma de subjugar a sociedade à determinada maneira de entender como a vida nela seria melhor.

Nesse sentido, ideologia é um tipo de tecnologia, ou seja, uma artificialidade inventada para ser aplicada sobre a sociedade, visando melhorá-la.

Por isso, uma ideologia, quase que por definição, como toda tecnologia, é uma luta contra a natureza. Especialmente, uma luta contra a natureza humana.

Não é por acaso que é na manifestação da natureza humana, em seus aspectos mais naturais, que a ideologia vai encontrar maior resistência.

Cultura de Massa

Os marqueteiros dizem que quem quer ser ouvido precisa falar o que o público quer ouvir; precisa, por isso, achar o seu nicho, onde suas ideias encontrarão guarida, onde elas serão bem recebidas. Quem busca reconhecimento, portanto, não deve pretender ser original, pois o aplauso nada mais é do que uma reação quase instintiva do aplaudidor ao reconhecer suas próprias ideias na fala do orador.

Opiniões não são aconselháveis, a não ser que elas repliquem a opinião pública. Afinal, as pessoas não suportam escutar aquilo com o que não concordam e levantam-se ardorosamente contra as ideias que estão fora de seu campo de aceitação.

Isso porque as pessoas estão satisfeitas com os resultados que elas, como massa, alcançaram. Afinal, aprenderam a manipular os elementos da civilização com destreza, mesmo não entendendo nada do processo histórico que a formou. São técnicos, são peritos, muitas vezes competentes, mas completamente ignorantes dos princípios que sustentam essa mesma civilização.

Elas também estão satisfeitas consigo mesmas. Olham para o mundo ao seu redor e sua prosperidade e tecnologia e acreditam, sinceramente, que isso tudo é mérito seu. Admiram o ambiente que as cerca, vêem nele o reflexo de sua própria capacidade e louvam a si mesmas, camuflando esse louvor com elogios ao seu próprio tempo, implicitamente, ao condenarem o passado como ultrapassado.

De fato, as pessoas admiram aquilo com que se identificam. Por isso, são incapazes de transcender-se; incapazes de gostar de algo que esteja fora do seu círculo de interesses.

Aqueles que ousam ultrapassar as fronteiras desse mundo auto-lisonjeiro são tidos por excêntricos. Quem não pensa sob as mesmas categorias da mente comum, manifestando os mesmos interesses e expressando pensamentos que se encaixam no imaginário vulgar é visto como um alienígena.

É assim que a massa se transforma em dirigente cultural: impondo, por meio da força do mercado, o que deve ou não ser publicado. Além disso, ela também determina a forma como o autor deve se comunicar com a audiência. Desse modo, “o escritor, ao começar a escrever sobre um tema que estudou profundamente, deve pensar que o leitor médio, que nunca estudou o assunto, se o vier a ler, não será com o fim de aprender alguma coisa com ele, mas sim, ao contrário, para condenar o autor, quando as ideias deste não coincidirem com as vulgaridades que tal leitor tem na cabeça” (ORTEGA).

A cultura, então, estagna-se, pois, sendo autofágica, não permite que ideias que ousam ultrapassar os limites habitualmente estabelecidos surjam. Assim, o papel principal do pensador, que é arriscar-se em campos perigosos, fica interditado.

Identificar o que as pessoas querem ouvir e moldar o discurso para obter sua aprovação tornou-se a única atividade distinguível entre a classe dita intelectual. O resultado desse movimento circular é amaldiçoar a inteligência àquilo que ocorre a tudo o que não evolui, a tudo o que se mantém estagnado: a corrosão.

Resistência da Natureza à Ideologia

Estamos submersos num mar ideológico. Desde o século XIX, parece que tudo o que envolve a sociedade e a política só pode ser considerado sob a perspectiva de doutrinas determinadas, de visões de mundo exatamente estabelecidas, fora das quais resta a indefinição e a desorientação. Aceitamos as ideologias como necessárias e hoje já não se consegue pensar o mundo sem elas. Parece que se as ideologias, por uma obra dos deuses, sumisse das cabeças dos homens, não saberíamos mais o que fazer e sucumbiríamos.

O resultado da aceitação incondicional da ideologia é que ela nos tem sufocado. Cada vez menos há espaço para a espontaneidade, para a liberdade, para a auto-determinação. Viver neste mundo ideologizado exige que nos acoplemos a princípios que não são de nenhuma maneira nossos, mas estão nos sendo impostos desde mentes que nada têm a ver conosco.

Asfixiados pela pressão das ideologias que não nos agradam, decidimos então que precisamos escapar delas, mas escolhemos combatê-las de frente. Como aceitamos que elas são necessárias, decidimos confrontá-las com nossas próprias ideologias. Por isso, a sociedade contemporânea, principalmente no século XX, transformou-se num palco de pelejas ideológicas. Cada nação, cada região, cada grupo pareciam possuir seu próprio corpo doutrinário e os conceitos muito bem definidos de como os povos deveriam ser conduzidos.

Independentemente da cor ideológica que, em cada momento histórico, saiu vencedora, quem sofreu todas as vezes foi a humanidade. A imposição de uma ideologia sempre torna-se um fardo para as pessoas, pois impõe sobre elas convicções que não são as de todas. Uma ideologia transformada em ação governamental transforma-se em opressão, invariavelmente.

Isso porque toda ideologia, por definição, é artificial. Sendo uma visão de mundo desenvolvida por uma mente finita, com perspectivas particulares e pontos de vista peculiares, possuindo uma ideia de como a sociedade deveria ser ou o que pode ser feito para melhorá-la, assume a condição de tecnologia, o que a caracteriza como uma artificialidade.

Do lado oposto da artificialidade ideológica encontra-se a natureza, com sua espontaneidade e força de resistência. Por isso, toda vez que a ideologia tenta se impor encontra dificuldade. É próprio da natureza se debater quando se sente sufocada. Faz parte de seu instinto de sobrevivência. Por isso, movimentos atuais, como o Brexit, a campanha de Trump e mesmo de Jair Bolsonaro, mais do que ideologias concorrentes àquelas que vinham sendo impostas, são as comunidades se estrebuchando, como que em um último movimento desesperado da natureza para libertar-se daquilo que lhe vinha estrangulando. E, com efeito, foi o único movimento de resistência que obteve algum sucesso nesse sentido.

De fato, o melhor adversário da ideologia é a natureza. Em especial, a natureza humana, com sua espontaneidade e instinto, é a única força capaz de se levantar contra as injunções das doutrinas políticas transformadas em plataformas governamentais. Não que seja um problema em si mesmo possuir ideias políticas e mesmo convicções de como a sociedade poderia ser dirigida. O problema é quando essas ideias são enfiadas a seco na vida de todo mundo. Neste caso, mesmo uma boa ideia pode se tornar uma violência.

Por isso, eu jamais escrevo em defesa de uma ideologia qualquer. Tudo o que eu digo, em termos políticos, é em defesa da natureza humana, das pessoas mesmo, em suas individualidades, costumes, hábitos e, consequentemente, diversidade. Não defendo uma ideia, mas um sujeito: o homem.

O Pior dos Elitismos

Na história de todas as civilizações, em todas as épocas, sempre manifestou-se um elitismo, pelo qual um grupo de pessoas especiais e com responsabilidades superiores destacaram-se como os diretores do povo. Não há nada de errado com isso. Pelo contrário, é natural e faz parte da própria estrutura da sociedade determinados poderes serem exercidos por uma minoria.

Há, porém, um outro tipo de elitismo, este sim pernicioso, que é velado e, a despeito de apresentar-se como o defensor daqueles que considera inferiores, trata-os, na verdade, quase como incapazes, senão como imbecis. Como, por exemplo, quando um político afirma que em um eventual mandato seu o povo vai poder voltar a comer carne e tomar sua cervejinha no final de semana. O que ele está querendo dizer com isso? Os mais apressados dirão que ele está preocupado com os pobres, mas não é preciso ser muito perspicaz para perceber que, nesta afirmação, há uma inferiorização das pessoas, ao tratá-las como meros seres que sobrevivem satisfazendo suas necessidades mais básicas, seres que não podem e nem querem nada mais do que aquilo que permite sua baixa posição social.

O que me impressiona é ver como esse tipo de discurso foi normalizado, impedindo de se perceber nele um elitismo da pior espécie, a saber, um elitismo que acredita que somente alguns poucos privilegiados têm direito de viver uma vida superior, enquanto todo o restante da população seria incapaz dela e nem mesmo a deseja, contentando-se apenas com pão e circo. Ter como ponto alto de uma campanha eleitoral a promessa de que a satisfação de necessidades tão básicas será motivo de orgulho é reduzir o povo a uma condição apenas um pouco superior a de animais.

Quando eu escrevi sobre o POPULISMO ELITISTA, quis deixar claro que o pobre não é pobre por opção, nem sua vida é uma idealização de qualquer coisa. Apenas os ricos a glamourizam, porque não são obrigados a viver nela. Para o pobre, a pobreza é prosaica. No entanto, se ele puder escapar dela, jamais negará tal oportunidade. Para o elitista da pior espécie, porém, a pobreza é um estado definido e quem nela vive não deveria sequer ter o direito de fugir dela, mas, no máximo, transformá-la em algo um pouco mais agradável, talvez regada a churrasco e bebida.

Obviamente, mesmo um bom governante nem sempre consegue colocar em prática atos que ajudem o pobre a superar sua condição. Os elementos envolvidos são muito complexos para qualquer pessoa achar que esse é um problema solucionável facilmente. Porém, todo governante tem a obrigação de não atrapalhar essa busca. E não há pior maneira de ser um entrave para que o pobre deixe de ser pobre do que tratar seu estado de pobreza como uma condição inescapável e, pior, como a forma de vida realmente desejada por ele.

O pior elitismo é aquele que promove uma forma de vida inferior como aquela desejada pelos inferiores, da qual eles nem sequer vislumbrariam superar. O pior elitista de todos é aquele que decreta que o que as pessoas desejam é a carne e a cerveja do final de semana, enquanto ele mesmo não se contenta com nada menos do que as posições sociais mais altas, inclusive o posto mais alto de poder de uma nação.

Vocações Especiais

Pouca gente é capaz de entender uma pessoa que se diga livre de ambições. A mentalidade medíocre acredita que o que dá sentido à existência são suas conquistas pessoais ou, pelo menos, a perseguição delas.

Para uma mente mediana é muito difícil compreender uma alma que se dispõe apenas a cumprir sua vocação, independentemente dos resultados que possam dela advir.

A vocação é a convicção de um chamado, não apenas para fazer algo, mas para se encaixar na existência de determinada maneira. Responder a esse chamado significa dispor-se a aceitar viver neste mundo de uma forma peculiar, que é a única forma que faz sentido para essa pessoa.

Isso é incompreensível para quase todo mundo porque a mente comum, mesmo a que esteja entre as mais inteligentes, só consegue entender as missões universais, o cumprimento que vale para todas as pessoas igualmente. Os encaixes especiais, que escapam das responsabilidades e, algumas vezes, dos valores comuns, são vistos como desvios, não como missões específicas. A não ser que esses desvios levem a resultados que se conformem à expectativa coletiva – neste caso, a peculiaridade é tolerada por um bem maior.

No entanto, há espíritos que, seja qual for a consequência disso, só encontram sua razão de existência quando se dispõem a viver de certa maneira, a cumprir certos tipos de tarefas, a buscar certas coisas para as quais nem eles mesmos, muitas vezes, entendem o motivo. Por isso, a vocação tem muito de disposição de fé, de confiança que esse encaixe no cosmos existe por algum motivo que pode ser que sequer seja vislumbrado ou compreendido. A vocação pode se manifestar simplesmente pela certeza de que se deve dedicar a algo sem nem saber por quê.

De qualquer forma, o mundo nunca esteve preparado para os vocacionados especiais. Inclusive, condenou alguns deles. O que o mundo, porém, não pode negar é que sem eles praticamente todas as grandes conquistas da humanidade não teriam acontecido.

Respeito ao Passado

No passado, os homens viviam em ambientes limitados, que os forçava à adaptação. As gerações nascidas neste mundo industrial e capitalista, porém, já vêm à luz cercadas de possibilidades, tendo à sua disposição mais bens que mesmo os mais abastados de tempos anteriores jamais puderam sonhar.

Viver num mundo próspero é muito bom, mas também gera nos felizardos que nele nascem a sensação de que toda essa abundância é natural, fazendo parte da própria estrutura da realidade. São como primitivos caídos na civilização, como dizia Ortega y Gasset, sem qualquer noção do quanto de trabalho deveu-se tudo aquilo que a civilização construiu.

O fato é que todo desenvolvimento se dá sobre uma linha contínua, sem sobressaltos, na qual cada etapa se sustenta pelas etapas que se passaram e sem as quais não poderia acontecer. Por isso, se podemos desfrutar de tanta coisa boa e se há tantas possibilidades disponíveis para nós, é porque houve um caminho até aqui pavimentado pelos homens e mulheres das eras anteriores.

Sendo assim, tudo o que existe hoje é fruto de trabalhos que, muitas vezes, se iniciaram séculos antes, fazendo da sociedade na qual vivemos apenas a fase atual de uma construção iniciada há muito tempo. Somos nada mais do que a conquista dos homens do passado. Somos a culminação de seus esforços.

Até mesmo os erros dos antepassados contribuíram para chegarmos até aqui, pois com eles aprendemos e pudemos corrigir a rota para as melhorias necessárias.

Fala-se muito de respeito ao passado, mas esse respeito começa pelo reconhecimento da dependência que temos dele. Não é apenas um amor à tradição por ela mesma, nem um apego aos tempos antigos, mas uma admissão do quanto os que viveram antes de nós foram necessários para sermos quem somos e termos o que temos.

Apenas essa forma de enxergar essa relação com o passado é que nos faz gratos e, ao mesmo tempo, promete que seremos respeitados por aqueles que nos sucederem.