Autor: Fabio Blanco

Igreja é Refúgio

Para seguidores de seitas político-materialistas tudo é política. Não é por acaso que eles transformam mesmo a mensagem mais espiritual em guerra social. Seu principal objetivo é colaborar com a transformação do mundo, o que se torna como seu propósito.

Quando eles infiltram-se nas comunidades religiosas, constituem-se em panfletos vivos, ávidos por convencer os outros fiéis em militantes de sua causa. Em seus discursos, salvação se transforma em libertação política e sacrifício em capacidade de doar-se à luta social. Sua pregação faz o
fiel olhar antes para a terra, e o céu se distancia cada vez mais.

Quem não comunga das mesmas convicções políticas dessa gente acaba enredado num dilema. Como contrapor seus discursos e defender-se desse ataque verbal constante que sofrem dentro de um ambiente essencialmente espiritual?

Por muito tempo, acreditei que um pecado que os líderes cristãos cometiam era evitar tratar desses temas mundanos. Eu pensava que exatamente por imiscuir-se de transformar a Igreja numa fortaleza de batalha, estávamos perdendo a guerra. Ao ver a militância ganhando tanto espaço no seio de comunidade religiosa, critiquei os pregadores que pouco falavam de política no púlpito.

Hoje, já começo a questionar essa convicção. As palavras de Edmund Burke que, inconformado com o uso do púlpito para a propagação de ideias revolucionárias, achava que a Igreja deveria ser preservada dessa guerra, começam a ressoar mais forte na minha cabeça. Ele dizia que “nenhum som deveria ser ouvido na igreja, senão a adorável voz da caridade cristã”. Ele também afirmava que “a Igreja é um lugar que deveria dar um dia de trégua às dissensões e animosidades da humanidade”. Isso porque, para Burke, a Igreja, cumprindo seu papel histórico, deveria ser preservada como lugar de refúgio em meio à guerra, onde as pessoas pudessem se sentir protegidas, sabendo que, pelo menos ali, não seriam agredidas.

É certo que, quando a mensagem mais constante e importante pregada dentro de uma comunidade religiosa é voltada para as questões políticas, há um rebaixamento da missão eclesiástica. Pode-se dizer que o discurso político mancha o Evangelho. De alguma forma a Igreja é corrompida.

Obviamente, dentro das circunstâncias atuais, simplesmente negar-se a abordar questões políticas faz dos próprios fiéis vítimas indefesas daqueles que incessantemente propagam suas ideologias travestidas de caridade. Por outro lado, decidir confrontá-los direta e abertamente, traz o risco de transformar a Igreja num campo de guerras políticas intermináveis, onde a única vitória certa é do ódio característico que envolve essas disputas e a sede de sangue que lhes acompanha.

Cada vez mais me convenço que as palavras bíblicas, que dizem que nossas armas são espirituais, devem ser interpretadas literalmente. Estou mais certo que afastar o mal de ideologia política que tenta tomar a Igreja como mais uma de suas comunidades de base, depende de uma elevação da pregação, impulsionando seus ouvintes a buscarem aquilo que é superior e que transcende as agitações mundanas.

Quando o papa Bonifácio VIII reiterou o que a Bíblia ensina, que o espiritual discerne o carnal, mais do que uma afirmação de poder, havia ali o ensinamento de que, em uma eventual disputa entre eles, o espiritual sempre vence, porque suas armas são superiores. Sua declaração não queria dizer que ambos estão em uma disputa de forças, mas sim que o espiritual sempre se sobrepõe, simplesmente por estar acima.

A Igreja não precisa imiscuir-se numa guerra política, porque ela é, na verdade, a solução para a guerra política. Isso quer dizer que se seus representantes quiserem anular aqueles que tentam usá-la para seus fins ideológicos basta elevar a alma de seus fiéis para além da mundanidade. Homens verdadeiramente espirituais estão devidamente vacinados contra a doença da ideologia materialista.

Os marxistas acreditam que tudo é política e esforçam-se por rebaixar tudo a esse nível. O que eles mais odeiam são aqueles que desprezam esse politiquismo integral. Inclusive, costumam chamá-los de alienados. Portanto, sentem-se muito bem quando a Igreja rende-se à guerra política e coloca esse assunto como pauta principal de sua pregação. Quando, porém, os sacerdotes e profetas falam daquilo que lhes é próprio, e saber, e salvação, o pecado, a redenção e a espiritualidade, os usurpadores tremem.

Isso não significa que a política jamais deva entrar na pauta das pregações. Pelo contrário, é importante tocar nesse assunto, ocasionalmente, principalmente com o intuito de alertar para os perigos que a ideologia materialista oferece. Todavia, essa pregação deve vir sempre de cima para baixo, com o espiritual julgando o carnal, permitindo que a Igreja evite ser palanque para a hipocrisia característica do discurso político e seja praticamente o único lugar que ainda sirva de refúgio para almas se aliviarem da loucura deste século.

Velhice Desprezada

A grande vantagem de envelhecer é ter tido a oportunidade de errar e com esses erros aprender. A vida nos ensina, por causa das consequências dos nossos atos, principalmente aqueles com efeitos mais dolorosos, que aquilo que fizemos pode nos servir como mestre eficiente.

Essa sabedoria oriunda da dor jamais deveria ser desprezada. Ela é uma fonte inesgotável de conhecimento, especialmente daquele conhecimento que não se encontra nos livros e que mantém o mundo funcionando.

Quando essa sabedoria pela vivência junta-se àquela oriunda da cultura e da instrução, o idoso, pode-se dizer, tem a possibilidade de experimentar o ápice de sua existência. Para aqueles que se enriqueceram com uma larga cultura, as alegrias da vida multiplicam-se com os anos – afirma Payot, que confessava que, para ele, sua velhice foi um tempo mais doce que o de sua juventude.

No momento quando nosso corpo já não responde à nossa vontade é que o nosso espírito tem a chance de atingir seu estado mais agudo. Uma pessoa que amadurece devidamente, que sabe aproveitar bem o que passou em sua vida, tem a oportunidade de atingir um estágio no qual sua inteligência pode ser capaz de discernir melhor as coisas.

Por isso, os velhos deveriam ser a referência dos mais jovens. Pelo menos, aqueles velhos que atingiram a última fase da existência com alguma sabedoria. Eles deveriam ser consultados por quem ainda não teve a chance de experimentar muita coisa na vida; deveriam ser vistos como o repositório da experiência e a fonte dos bons conselhos. Numa sociedade saudável, cada idoso seria tratado como o ponto de contato entre a geração ativa e o conhecimento universal.

No entanto, nosso tempo é daqueles que perderam a conexão com tudo o que não tem a ver diretamente com ele. Seu único interesse são os interesses do momento. O passado é desprezado como relíquia curiosa, daquelas que só servem para ser apreciadas como símbolo de um mundo que não existe mais.

Sob essa perspectiva, o idoso acaba visto como alguém que já não serve para muita coisa. Com exceção dos pouco agraciados com oportunidade e disposição para participar ainda da vida produtiva, os outros são tratados como gente que pertence a uma era que ficou para trás e, por isso, não têm mais nada a contribuir. São quase como mortos-vivos, caminhando por aí, como pesos para uma sociedade que só tem olhos para si mesma.

Uma comunidade que esquece de seus velhos, tratando-os apenas como um peso incômodo digno da mesma compaixão que se tem aos cães, a quem dão comida, remédios e uma cama para dormir, não enxergando neles nada que se possa extrair, é uma sociedade prisioneira do imediato, abandonada à sua própria estupidez; refém de erros evitáveis; condenada a cometer as mesmas falhas, as quais poderiam ser evitadas se ouvissem aqueles que já as cometeram antes.

O desprezo à velhice é um pecado, típico das gerações arrogantes a partir do século XX. O pior é que isso parece não ter mais volta, pois as pessoas costumam perceber a importância da sabedoria amadurecida somente quando deixam de ser jovens, quando elas mesmas já começam a ingressar no rol daqueles que serão tidos por obsoletos. E quando chega nesse ponto, é tarde demais.

A Experiência de Escrever um Livro

Escrever um livro é uma experiência única; porém, longe de ser prazerosa. Inclusive, minha esposa brincou, dizendo que não me deixaria mais escrevê-los, porque tornei-me ranzinza e impaciente. O pior é que eu tive de concordar com ela, afinal, enquanto o escrevia, parece que tudo me incomodava, porque tudo parecia me dispersar. Fique chato mesmo – confesso.

Em minha defesa, porém, argumento que escrever um livro não é tarefa fácil, pois exige, por longo tempo, para que as ideias se mantenham coerentes e harmônicas, foco. O problema é que o mundo não deixa de girar para você escrever. Pelo contrário, os dispersores surgem a toda hora reclamando atenção enquanto o que você só quer é não perder a linha de raciocínio. E a cada interrupção, a sensação é de que o trabalho não acabará jamais. Eis o motivo do meu mau humor.

Mas além da escrita propriamente dita há, ainda, a revisão – outro pequeno martírio. Para fazê-la tive de ler o livro inteiro, pelo menos, quinze vezes. Sim! Quinze vezes! Mas a leitura de revisão não é daquelas que se faz relaxadamente. Ela é tensa, rígida, com as pestanas arqueadas para que nenhum ínfimo detalhe errôneo passe desapercebido. Só que, no caso, não se trata de um artigo, mas de um trabalho com mais de duzentas páginas! Por isso, diz-se que o escritor não termina o livro, desiste dele. Chega uma hora que ele diz: “Que vá para a editora e seja o que Deus quiser!”.

O fato é que escrever um livro não é fácil – pelo menos, para mim não foi. Isso não quer dizer que minha esposa tinha razão e o melhor fosse eu nem cogitar escrever outro. Só que, para um escritor, o sofrimento que envolve escrever um livro faz parte do prazer que lhe acompanha. É como um filho que está para nascer, que está sendo gerado, com seus incômodos e suas dores, mas que, quando vem à luz, tudo compensa.

Por isso, se, diante de tudo, me perguntarem se eu escreveria outro livro, digo, sem titubear, que não tenho a menor dúvida que sim. Escrever é vocação e, diante ela, não há escolha, apenas a necessidade de se fazer aquilo que dá sentido à sua existência. E o livro, para um escritor, é o ápice dela.

Filosofia Esclarecedora

Na cabeça de muita gente, Filosofia é algo complexo. Chegam a imaginá-la como um tipo de conhecimento esotérico, acessível apenas aos iniciados.

Os próprios filósofos acabam sendo os responsáveis pela incompreensão que cerca suas ideias, pois costumam expressar seus conhecimentos de forma hermética, com o uso de termos inusuais e raciocínios obscuros.

Parece até que a filosofia cuida de assuntos que não interessam a quase ninguém, apesar de seu objeto ser algo que interessa a todos nós: nossa própria existência.

Sendo assim, a filosofia não deveria se esconder atrás de conceitos impenetráveis e formas pomposas. Pelo contrário, sua função deve ser superar as aparências que se manifestam por meio de uma infinidade de elementos que escondem a verdadeira realidade por trás delas.

Pode-se dizer que o objetivo da filosofia é dissipar a confusão que os homens e a própria estrutura da realidade impõem. Assim, ela não precisa ser complicada.

Se a vida é complexa, a filosofia está aí para fazê-la simples, ou seja, fazer com que a consciência humana consiga identificar na existência alguma unidade.

É verdade que, às vezes, a própria realidade se apresenta cheia de dificuldades. Pois é nesse momento que a filosofia se faz importante, tornando compreensível aquilo que, em princípio, parece muito difícil de ser entendido.

O filósofo precisa lembrar que a função da sua ciência não é complicar, mas esclarecer. Por isso, seu esforço deve ser por torná-la inteligível, a despeito das dificuldades que encontre para dissipar a névoa de confusão que a realidade impõe. Como diz Locke, a filosofia deve ser complacente a ponto de se vestir segundo a moda ordinária.

Pensar por Palavras

Uma pessoa fala uma coisa, a outra aparentemente fala a mesma coisa e, no final, percebemos que elas estão falando coisas bastante diferentes. Este é o resumo das discussões que testemunhamos por aí. Os conversadores usam os mesmos símbolos, mas a realidade a que se referem, geralmente, são bem discordantes.

Isso acontece porque não sabemos o significado de boa parte das palavras que usamos. Aprendemos seus símbolos, mas não sabemos qual é a realidade que de fato se encontra por detrás delas. Com a educação formal que recebemos na escola, esse problema amplia-se formidavelmente. Somos inundados com termos e expressões sobre os quais, no máximo, possuímos uma ideia muito vaga e, só depois, e mesmo assim apenas em alguns casos, somos apresentados às coisas indicadas por eles. Nos acostumamos, então, a falar sem saber sobre o que estamos falando.

Durante toda a nossa vida há uma infinidade de palavras que só conhecemos pelos seus símbolos, seus sons e como uma referência distante a algo sobre o qual sabemos muito pouco. Ainda assim, é-nos exigido que manipulemos essas palavras no dia-a-dia, usando-as largamente como se delas fôssemos íntimos. O que mais existe são pessoas de inteligência normal falando coisas com uma compreensão muito limitada do que dizem. Verbalizam ideias, expressam pensamentos, raciocinam com base em sensações, mas são incapazes de identificar onde tudo isso se encontra na realidade. Possuem uma referência muito vaga daquilo que dizem, pois estacionaram nos signos. É como se falassem da doçura de uma fruta sem nunca tê-la provado. Se bem que, neste caso, ainda haveria a consciência de estar se referindo a algo que sabem que existe em algum lugar, enquanto em diversas outras situações, principalmente naquelas que tratam de coisas mais abstratas, pelo simples fato de conhecerem a palavra, acreditam que também conhecem aquilo que ela representa, o que é um engano profundo.

Vivemos sob uma cultura essencialmente linguística, imersa em abstrações que sequer são pensáveis diretamente. Ainda assim, acreditamos que sabemos exatamente a que elas se referem. Termos como “liberdade”, “amor”, “democracia”, “ética”, “virtudes”, “coragem”, “pecado” e uma infinidade de outros, sobre os quais se tem alguma ideia sobre o que significam, são usados abundantemente, mas acompanhados de uma incapacidade extrema de identificá-los na realidade. Assim, cada pessoa acaba fazendo sua própria interpretação daquilo que diz. Quando discute com alguém, nada pode garantir que esteja falando sobre a mesma coisa que a outra pessoa. É bem provável que não. Isso porque, apesar de usarem as mesmas expressões, é quase certo que cada uma tenha em sua cabeça algo bastante diferente do que há na outra. E se a discussão sobrevive é só porque faz uma referência, ainda que diáfana, à realidade – o que preserva a sensação de compreensão.

A verdade é que pensar por palavras é a grande enfermidade espiritual de juristas, teólogos, filósofos e eruditos em geral. E esta é uma doença contagiosa, que se espalha por toda a cultura, impregnando a mente de todo mundo. Hoje em dia, já não se pode confiar no que qualquer pessoa diz, pois é quase certo que o que ela diz não tenha muito a ver com o que aquela palavra realmente significa. Não é por acaso que as discussões dificilmente chegam a algum consenso. Com essa incapacidade de conectar as palavras com a realidade, o único resultado que se pode esperar é a mais absoluta confusão.

Escrita Habitual

Todo escritor passa por fases desérticas, quando seu gênio parece adormecer e seus textos se apresentam burocráticos, sem vida, protocolares. Para ele, não há momentos piores do que esses nos quais parece que seu espírito se apaga e sua energia criativa se dissipa.

Muito do sofrimento do escritor é causado por sua dependência da inspiração. Sofre porque espera que ela surja de repente, como uma entidade, e insufle em sua mente as palavras e ideias que serão jorradas no texto, quase como uma possessão mediúnica. Não vou negar que, algumas vezes, isso acontece, fazendo com que as letras pareçam ser vomitadas, como em um reflexo fisiológico. Em momentos assim, parece que o escritor não pensa, mas apenas permite com que o fluxo das ideias se transponha de sua cabeça até o texto.

No entanto, não é sempre assim. Talvez, na maioria das vezes, seja necessário que o escritor tenha de debruçar-se sobre o texto com muita atenção e cuidado; será preciso concentração e esforço para fazer com que suas ideias apareçam e ganhem vida; exija-se disposição para que a redação tome forma. Por isso, alguém que tenha a escrita como uma atividade regular não pode depender da inspiração. Quando ela surgir, obviamente, será bem vinda e enriquecerá seu ofício, mas é preciso saber o que fazer quando Momo, a divindade dos escritores e poetas, decide se afastar.

Portanto, o escritor, se quiser se tornar independente da inspiração, precisa fazer da sua escrita habitual, ou seja, forçar-se a escrever mesmo naqueles dias quando parece que nada de bom e útil irá sair de sua redação. Isso porque a escrita habitual concentra o espírito nas letras, na disposição das palavras, na associação das imagens. Como uma máquina lubrificada, faz com que a mente se mantenha iluminada para manipular os argumentos, permitindo com que as ideias manem com muito mais facilidade e fluidez.

A inspiração – aí, sim – qao encontrar o hábito, torna tudo ainda mais produtivo, pois parte de algo que já está funcionando bem, elevando-o à excelência.

O Preço do Conhecimento

Há dois motivos para não sermos compreendidos: o primeiro, quando falhamos, por ignorância ou imperícia linguística, na transmissão de nossas idéias; o segundo, quando o nosso interlocutor é incapaz de apreender o sentido do que estamos lhe dizendo. Ambos os motivos têm consequências, mas enquanto o primeiro gera, no máximo, a impaciência no ouvinte, o segundo pode provocar nele pavor.

Sócrates explica isso em sua Alegoria da Caverna, ao contar sobre a pessoa que, após deparar-se, pela primeira vez, com a luz, tomada de compaixão pelos antigos companheiros que permaneciam nas sombras, retorna até a cova escura, onde eles estão, para contar-lhes a novidade. No entanto, nesse trajeto de retorno, já não mais adaptada à escuridão, impossibilitada de enxergar qualquer coisa com distinção, age de maneira desajeitada e esquisita, provocando, nos moradores da caverna, estranheza e medo.

Na vida real ocorre o mesmo. Quem se depara com um conhecimento que não está imediatamente disponível às pessoas comuns não consegue mais fazer uso das categorias e fórmulas usadas em seus tempos de ignorância. Assim, quando tenta se comunicar com os ignorantes, aos olhos destes acaba parecendo um excêntrico. Os ignorantes, então, concluem que o conhecimento transmitido pode ser perigoso e, por mais que não o entendam, acham melhor afastar seu portador.

Diversos alunos e leitores meus relatam algo semelhante: que, ao contar para seus amigos e familiares sobre o conhecimento que adquiriram, são tratados como estranhos, loucos e até perigosos. No entanto, o principal motivo não costuma ser a discordância dos ouvintes, mas o medo provocado neles por algo tão fora do seu universo de consciência.

Este é o preço que o conhecimento cobra. Sendo assim, para quem o adquire, resta esforçar-se por traduzir, em uma linguagem compreensível aos ignorantes, a nova realidade ou, simplesmente, conformar-se com a reprovação social. Se bem que o exemplo de Cristo, que fez bem aquilo, mostra que esta geralmente é inescapável.

Pensamento Crítico

Pais, com ares de que irão tomar uma grande decisão, saem de casa garbosos, em busca de uma escola na qual confiarão seus filhos. A oferta é grande e as promessas infinitas. Escolhem uma que na propaganda afirma que aplica os métodos mais modernos da pedagogia. Como tudo o que é moderno parece bom, marcam uma reunião com a diretora. Ao chegarem à escola ficam encantados com a ordem e segurança do local. No entanto, como são pais que se preocupam em proporcionar a melhor formação para suas crianças, ficam seduzidos pela promessa de que ali os alunos são estimulados a desenvolverem, desde cedo, um pensamento crítico.

Aqueles pais, já imaginando, cheios de orgulho, seus filhos vociferando, numa tribuna qualquer, à maneira de uma Greta Thunberg, contra os males da sociedade, assinam o contrato e voltam para casa aliviados, certos de que cumpriram sua missão.

A escola, então, cumprindo fielmente o prometido, começa a estimular as crianças a olharem para a sociedade de maneira a examiná-la, avaliá-la e julgá-la. Não demora e logo surge uma redação sobre algum tema espinhoso (pode ser sobre as queimadas na Amazônia, o racismo estrutural, a participação feminina na política ou mesmo sobre os altos índices de criminalidade).

Não importa que aqueles pequenos infantes não tenham a mínima ideia do assunto que vão tratar; que não tenham a mínima capacidade de tecer qualquer comentário sobre o tema; que não saibam nada da vida, nem tenham estudado nada sobre a matéria. O que importa, para os novos pedagogos, é que, sendo estimuladas a dar suas opiniões, fortalecerão sua capacidade de criticar, que é o objetivo pedagógico declarado.

Desenvolver o pensamento crítico até seria louvável. O problema é querer fazer isso desde muito cedo, estimulando as crianças a darem opinião sobre o que não têm a mínima noção, viciando-as em serem palpiteiras e a falar sem ter dedicado um mínimo de atenção e espaço ao assunto abordado.

Obviamente que, ao serem estimuladas a isso, aprendem a concentrar-se em seus próprios raciocínios, valorizando seus próprios processos cognitivos, enquanto desprezam a riqueza do conhecimento acumulado pela sociedade e os próprios fatos.

O resultado desse tipo de aprendizagem é a exaltação da opinião, não do conhecimento. Com o tempo, o apego às concepções pessoais torna-se tão forte que o aluno já não consegue conceber outras “verdades” senão aquelas que ele mesmo consegue formular. Suas opiniões acabam confundidas com a própria realidade.

Alguns métodos educativos modernos, portanto, tornam os jovens intelectualmente autofágicos e cognitivamente egocêntricos. São capazes de gerar falastrões, mas dificilmente formarão filósofos.

Isso é uma traição à própria missão da pedagogia, que não é fazer o aluno mergulhar para dentro de si mesmo, em um processo de retroalimentação de suas próprias concepções, mas conduzi-lo para além de suas experiências e perspectivas, colocando-o em contato com a riqueza de sabedoria que existe no mundo.

Na verdade, o objetivo da educação é tornar o aluno menos confiante em relação ao que pensa saber e fazê-lo desconfiar do que sabe, despertando nele o desejo de buscar o conhecimento fora, onde quer que o conhecimento esteja.

O fato é que educar (do latim ex ducere, ou seja, levar para fora) é tirar o indivíduo de dentro de si, de seu mundinho reflexo unicamente de suas sensações imediatas; é fazê-lo ver as coisas de maneira indireta; é ensiná-lo a olhar por outros prismas; é fazê-lo entender que o abismo entre o que se pode retirar da sua experiência direta e o que se pode absorver do conhecimento universal é imenso.

A função da educação é colocar o aluno em contato com o conhecimento universal. Se isso irá gerar nele um pensamento crítico, será meramente por um efeito indireto, porém nunca como meta; no máximo, como efeito indireto do desenvolvimento de uma mente capaz de ler a realidade.

Informação e Instrução

O senso comum exalta os colecionadores de dados, e estes existem em todas as áreas do saber humano. São cientistas, historiadores, juristas, médicos e tantos outros que desfilam exibindo uma coleção de informações que colheram e recolheram durante suas vidas. Todavia, em muitos deles, falta o mais importante: o senso de sentido. Sabem relatar fenômenos, citar datas, descrever processos, narrar fatos, mas são incapazes de dizer o que tudo isso significa; não conseguem extrair de toda a informação que possuem alguma significação.

Porém, para eles, não importa nada disso. Sua capacidade de obter e reter essas informações lhes é suficiente para angariar o reconhecimento desejado. São bem pagos, inclusive, para compartilhá-las com o público. Contra estes Schopenhauer, com seu jeito acidamente crítico, em seu livro ‘A arte de escrever’, mostra-se bastante incomodado. Ele critica-os por perceber que “não se esforçam pela sabedoria, mas pelo crédito que ganham dando a impressão de possui-la“; censura-os porque “não aprendem para ganhar conhecimento e se instruir, mas para poder tagarelar e ganhar ares de importantes”.

Apesar dele ter escrito isso há cerca de duzentos anos, o que o pensador alemão diz é muito atual. No meio intelectual, é comum gabar-se de ter lido tantos e quantos livros, geralmente numa quantidade impossível de ser abarcada por uma vida humana. São como Don Juans das letras, envaidecendo-se por ter-se deitado com páginas sem fim. Tudo por puro fetiche estético; tudo por puro esnobismo.

Também fazem ares de sabedoria só porque são capazes de citar de cor algumas quantidades consideráveis de dados. Aliás, há um verdadeiro culto destes, uma veneração das datas, dos nomes, das referências, dos números que tem feito desta geração arrogante e superficial. Como diz Schpenhauer, forjam pessoas que “não sabem nada e agora devoram os resultados do saber humano acumulado durante milênios, de modo sumário e apressado“, que se acreditam superiores pelo simples fato de “terem informações sobre tudo, sobre todas as pedras, ou plantas, ou batalhas, ou experiências, sobre o resumo e o conjunto de todos os livros“.

Schopenhauer realmente tinha aversão a esse tipo de erudição que tem “em mira apenas a informação, não a instrução“. Para ele, “informação é mero meio para a instrução, tendo pouco ou nenhum valor por si mesma“. Por isso, dizia que quem apenas lê, mas não reflete sobre o que lê, é como alguém que usa peruca, embelezando a cabeça com cabelos que não os seus.

O filósofo alemão tinha convicção de que é preciso reservar um espaço para a reflexão daquilo que se leu. Para ele, isto faz o conhecimento. Tanto que até caçoa de quem, segundo ele, “deve ter pensado muito pouco para poder ter lido tanto“, deixando claro que o acúmulo de letras não faz o pensador, inclusive desacostumando-o “da clareza e profundidade do saber e da compreensão“.

A verdade é que um pensador precisa ter tempo para pensar, meditar, refletir sobre os conteúdos que leu para, assim, poder chegar às suas próprias conclusões. Não pode viver apenas de uma leitura atrás da outra, de uma pesquisa atrás da outra. Não existe verdadeiro sábio que apenas recolhe dados obsessivamente e a única coisa que faz com eles é repeti-los como papagaios.

Schopenhauer se incomodava tanto com os eruditos falastrões que chegava a afirmar que “só chegará a elaborar novas e grandes concepções fundamentais aquele que tenha suas próprias idéias como objetivo direto de seus estudos, sem se importar com as idéias dos outros“. Um exagero, de fato. No entanto, num ponto ele está certíssimo: um verdadeiro filósofo estuda para poder pensar por si mesmo, para fazer suas próprias sínteses e chegar a uma compreensão que seja especialmente sua da existência.

A informação é útil para todo pensador. Mais ainda: é necessária, pois ela é a matéria sobre a qual ele trabalha. Porém, ele apenas poderá ser considerado verdadeiramente instruído se todos esses dados que possui lhe servirem para algo mais do que serem acumulados obstinadamente e ostentados publicamente, mas para ajudarem-no a alcançar as sínteses que lhe fornecerão o verdadeiro sentido de tudo.

Filosofia Prática

Qual a utilidade da Filosofia? Para o senso comum, que a vê como uma divagação estéril ou mera atividade acadêmica, nenhuma. 

Em geral, as pessoas acreditam que a filosofia se encontra longe das questões que fazem parte do seu dia-a-dia. Filosofar, para elas, é o mesmo que se perder em reflexões desapegadas do mundo real.

Muitas vezes, os filósofos contribuíram com isso, promovendo debates que interessavam somente aos especialistas. Eram os filósofos de gabinete.

Não surpreende que a percepção popular tenha dificuldade de enxergar qualquer ligação da Filosofia com a vida cotidiana. Exceto, quando, ao ser despida de sua vocação, ela é rebaixada a mero discurso motivacional.

No entanto, a Filosofia possui mais de dois milênios de ideias que formataram a mentalidade da nossa sociedade. É impossível que, nessa multidão de pensamentos, não existam aqueles que tenham aplicação na vida das pessoas. Não é concebível que sejam apenas séculos de palavrórios e controvérsias irrelevantes.

A Filosofia, como dizem, é a busca pela sabedoria e esta pressupõe saber agir de determinadas maneiras, em determinadas situações. Não existe sabedoria meramente abstrata. Ela sempre envolve algo além da mera reflexão, uma atuação visível.

É verdade que a Filosofia se apresenta, antes de tudo, como um instrumento para a compreensão da realidade. Só que, ao ajudar a compreender a realidade, não há como ela não ser útil na resolução de problemas concretos, na solução dos dilemas da vida, na superação de suas dificuldades. Nesse sentido, não há dúvida que a Filosofia é também prática.

Não que a aplicação prática seja seu objetivo. Este continua sendo a compreensão, o entendimento da realidade. No entanto, não há como compreender a realidade e isso não afetar diretamente a forma como nos relacionamos com ela.

Filosofia é, portanto, mais que reflexão; é um modo de vida; é uma capacitação; é uma maneira de estar no mundo e de encará-lo. Filosofia é mais do que uma matéria de estudo; é, além de tudo, uma maneira de viver.