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Convicção por adesão

Ninguém acha estranho que questões que não deveriam ser objeto de partidarismos políticos se submetam a esse tipo de divisão? Qual remédio prescrever e qual tipo de medidas sanitárias tomar deveriam ser fruto de decisões técnicas e não símbolos de associações predeterminadas.

Em um mundo normal, independentemente do viés político ao qual se alinha, a pessoa decidiria se aceita ou não certo remédio, se concorda ou não com determinada medida, após concluir, por si mesma, depois de pesquisar sobre o assunto, qual seria a melhor escolha. No entanto, no mundo do politicismo integral, as coisas são muito simples: se você é de esquerda é contra certo medicamento e a favor de determinadas prescrições; se for de direita, é a favor do medicamento e contra as prescrições. A divisão tem quase uma precisão matemática. 

É óbvio que tem coisa errada nisso aí. No entanto, essa chamada polarização é apenas o reflexo de um fenômeno que já ocorre em outra escala. Afinal, em todas as áreas da vida parece que ninguém mais chega a conclusões após um mínimo exercício da inteligência, mas, simplesmente, adota determinada bandeira de acordo com a cor partidária com a qual ela se apresenta. As pessoas aderem a qualquer coisa seguindo o único critério de qual grupo partidário ou ideológico a defende. É, de fato, uma demonstração de preguiça mental e de subserviência.

É preciso ter consciência, porém, que essa politização integral atrapalha o exercício da inteligência. Quando o que importa é defender um viés político antes de tudo, deixa-se de se fazer o exercício cognitivo ordinário, que é colher os dados e sintetizá-los, para, aí sim, identificar em qual espectro político ele se encaixa.

Toda adesão, como toda convicção política, deveria ser resultado de uma reflexão; deveria espelhar ideias que elaboramos por um esforço de nossa inteligência. Jamais deveríamos aderir a nada por ser de direita, de esquerda ou de centro, mas por acharmos que tal ou qual ideia está de acordo com as conclusões que alcançamos.

Eu não escondo de ninguém minhas convicções. No entanto, se elas podem ser identificadas como conservadoras, por exemplo, não é porque achei-as em um balcão de ideias políticas e aderi a elas, mas porque descobri, depois de desenvolve-las, que elas eram chamadas conservadoras.

Portanto, eu não sou conservador, minhas ideias que são. Quem não entende a diferença que isso faz provavelmente está preso no equivocado sistema preguiçoso de adesão política sem reflexão.

O perigo das ideias menosprezadas

Quem, no fim das contas, direciona o destino de uma sociedade é sempre uma minoria obstinada. São os pequenos grupos, insistentes e intransigentes, que determinam as regras que irão prevalecer.

A maioria tem apenas uma função: homologar o que os poucos teimosos desejam impor.

Quem não entende isso acaba menosprezando a força dos pequenos grupos, acreditando que o que importa mesmo é a manutenção das ideias prevalecentes.

No entanto, esta é um regra já bastante provada: a maioria flexível sempre, em algum momento, acaba cedendo aos radicais. Basta uma minoria intolerante para que os pensamentos dessa minoria comecem a penetrar em toda a comunidade.

Por isso, nunca se deve menosprezar as ações e ideias dos pequenos grupos, principalmente quando elas são extremas. É que tudo o que acabou se tornando um flagelo para a humanidade começou em pequenos círculos; na verdade, geralmente, em indivíduos.

E essas ideias só alcançaram a força que alcançaram porque, quando eram próprias de um pequeno grupo, foram menosprezadas.

Extremamente covardes

Por detrás de quase todos os críticos do extremismo residem extremos covardes, que temem se comprometer com algo e querem ter sempre à disposição a possibilidade de escapar.

Ao atacarem o que chamam de extremismo, na verdade, estão criticando a convicção. Isso porque não suportam pessoas que sabem no que acreditam e defendem isso até o fim. Para os frouxos facilmente escandalizáveis, toda demonstração de certeza é uma agressão.

Até porque nem sempre a moderação é uma virtude. A moderação da verdade, do bem, da justiça, por exemplo, não pode ser tida como um objetivo a ser perseguido.

O extremismo que deve ser criticado é apenas aquele alcançado sem reflexão, sem prova, sem razão. O extremo, em si mesmo, não é errado, mas estar nele de maneira leviana e obtusa.

Se porém uma convicção é atingida após ter sido devidamente provada, que mal há em permanecer ali de maneira extrema?

Por isso, eu nunca me pergunto se alguém está sendo radical, extremista ou coisa do gênero. Minha única indagação é: o que ele defende é certo?

O discurso de neutralidade não tem nada de neutro

A pretensão de neutralidade pode parecer, à primeira vista, uma atitude de bom senso. No entanto, ela revela muito mais as verdadeiras preferências da pessoa do que ela tinha intenção de mostrar. E apesar de não querer se apresentar como vinculada a nenhum dos lados, acreditando que assim passará uma imagem de equilíbrio – diferente de tantos radicais que andam por aí -, acaba apenas revelando que sua posição já está definida de antemão.

Ser neutro, principalmente em política, está longe de significar não ter opiniões. Pelo contrário, denota convicções muito bem definidas. O que a pessoa pretende, ao afirmar neutralidade, é desvincular-se de qualquer identificação com um dos lados do espectro político. No entanto, sua opção pela neutralidade, por não ser abstenção, mas escolha, invoca definições claras, sempre.

E o mais revelador nisso é que tal neutralidade, no fim das contas, longe de afastar a pessoa dos opostos, identifica-a com um deles. Porque o que separa os lados é uma linha tênue que não permite, na maior parte das vezes, que haja noções intermediárias entre eles.

Na verdade, em argumentação não existe escolha neutra, mas há uma escolha que parece neutra, como diz Chaim Perelman. Com efeito, evocar a neutralidade é apenas uma tática de engano. Quem o faz, busca aparentar isenção, mas tem suas convicções muito bem fundamentadas.

Veja o caso da chamada terceira via, que se apresentou como uma alternativa à polarização política entre direita e esquerda, mas, de fato, se mostrou apenas mais uma versão, ainda que levemente atenuada, do pensamento socialista.

Alguns ainda tentam colocar-se como em um centro, como se isso representasse um posicionamento superior e livre de extremismos. No entanto, em política, o centro tem servido apenas ao clientelismo e ao conchavo, ao permitir que quem ali se encontra possa se aproximar de qualquer um dos pólos conforme seus próprios interesses e de acordo com as circunstâncias.

Por isso, desconfio de todo discurso que tenta aparentar-se neutro. Fujo dos políticos que dizem-se de centro. E mesmo Deus afirma sobre eles – que são os mornos citados nas Escrituras – que vomitá-los-á de sua boca.