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Postura diante de um falacioso

O governador João Dória é um cínico. Seus argumentos são falácia pura. Desmascará-lo, portanto, é obrigação de toda pessoa de bom senso.

Se você for como eu, tem uma vontade incontrolável de responder a altura quando ouve certos absurdos, como os que ele tem falado. O problema, é que, muitas vezes, essa resposta não vem. A gente sente que tem algo errado, mas não consegue identificar na hora o que é.

Por exemplo, quando o governador solta o seu famigerado “melhor confinado do que enterrado”, no mesmo instante, qualquer pessoa, minimamente inteligente, percebe que tem algo que não se encaixa nessa frase.

O problema é que, na hora, antes de vir a resposta, vem a indignação, e os argumentos contra o que foi dito parece que ficam entalados na garganta.

Por isso, quando você se depara com uma falácia desse tipo, é importante tomar algumas medidas, que lhe ajudarão a não ficar paralisado diante do absurdo. São medidas que lhe darão certo traquejo, colaborando com que você responda à altura as idiotices que se ouve por aí.

O que eu lhe digo é o seguinte: com um pouco de treino retórico é possível destruir todos esses tipos de falácias.

Por isso, aqui vão quatro medidas claras e objetivas, que servirão sempre nesses casos.

A primeira coisa que você precisa saber é que desmascarar um argumento falacioso não é algo tão complicado. Falhamos nisso, muitas vezes, porque nos deixamos levar pelo sentimento. Às vezes, o argumento é tão sem vergonha, tão claramente cínico, que paramos de raciocinar, deixando a raiva dominar.

E esta é uma regra básica de qualquer debate: NUNCA SE DEIXE LEVAR PELA RAIVA.

Uma pessoa tomada por ela sai do modo racional para entrar no modo instintivo. Neste momento, o raciocínio não funciona direito e a única vontade que temos é de revidar, com os instrumentos mais primitivos, aquilo que detectamos como uma afronta.

Portanto, mantenha a calma, sempre. Mesmo quando do outro lado tenha um safado, que usa a retórica apenas para nos irritar. Autocontrole, neste caso, é essencial.

Feito isso, também É ESSENCIAL NÃO SE DEIXAR LEVAR PELAS PRIMEIRAS IMPRESSÕES. Isso porque um argumento falacioso aposta exatamente nelas para ser aceito.

O que é uma falácia senão a mera aparência de verdade? Como ela não pode convencer pela veracidade do que diz, aposta na ilusão, causando uma impressão de realidade.

Além do mais, a falácia costuma apelar para elementos extra-discursivos. A emoção é um dos preferidos. No caso da fala do governador, o contraste entre isolamento e morte é forte, mexe com um sentimento elementar, que é o instinto de sobrevivência.

Por isso, para não ser enredado pelo discurso falacioso, É IMPRESCINDÍVEL CRIAR O HÁBITO DE NUNCA PERMITIR QUE A EMOÇÃO INFLUENCIE O JULGAMENTO. Acostume-se a avaliar as razões puras e isole as sensações que elas despertam em você.

Isso é imprescindível para se pensar direito.

Por fim, ESTUDE RETÓRICA E ARGUMENTAÇÃO. Estas são duas áreas da comunicação geralmente deixadas de lado, em prol da persuasão e da oratória, mas que, quando bem estudadas, tornam-se uma arma poderosa em favor do orador e do debatedor.

Por exemplo, um estudioso de retórica e erística logo identificaria a falácia do falso dilema exposto por João Dória.

Para que você entenda: pelo falso dilema, duas opções são colocadas como as únicas alternativas possíveis, ignorando todas as outras gamas de possibilidades existentes.

No caso do confinamento x morte é exatamente isso o que acontece. Porque já está mais do que provado que, para uma pessoa fora do grupo de risco, a chance de morrer por causa do vírus é mínima. Na verdade, é algo probabilisticamente irrelevante.

Sendo assim, quem deixar o confinamento não vai morrer necessariamente. Pelo contrário, dificilmente morrerá.

Portanto, não se trata de um dilema.

Portanto, o governador engana, fingindo que se trata de uma bifurcação inescapável.

No entanto, infelizmente, muita gente não percebe isso. Mas nós, que temos um compromisso com a verdade, com a inteligência e com a justiça, temos a obrigação de perceber.

Assim, preparar-se para enfrentar essas falácias é nosso dever.

O tom emocional do manipulador

Quando a intenção é convencer que o problema da epidemia é sério, os patrocinadores do pânico não economizam as expressões mais agudas. Assim, deixam claro, para a plateia descrente, o quanto é preciso estar convencido da gravidade da situação.

Nessa cavalgada apocalíptica, não se satisfazem com a mera descrição dos fatos (principalmente, porque esses fatos não corroboram seu alarmismo), mas laçam mão de um tom extremamente dramático, com o intuito, não de informar, mas de chocar o ouvinte ainda resistente ao pânico.

O tom usual é o mais emocional possível. O objetivo é despertar sentimentos histéricos. Recorre-se então a frases de efeito que constranjam o interlocutor a render-se ao sentimentalismo obrigatório, sob pena de ser tachado de insensível.

Não são meros arroubos retóricos, mas escolhas de expressões muito bem selecionadas selecionadas, com o intuito de revelar o quanto é sensível o seu pronunciador e frígido quem não embarca em sua jornada de horror.

“Famílias dilaceradas”, em vez de “mortes”; “epidemia devastadora”, em vez de “doença séria”; “choramos as vidas interrompidas”, em vez de “lamentamos os falecimentos” – são exemplos de escolhas de formas de expressar, que têm o claro objetivo de causar impacto, não expor uma realidade.

O fato é que a definição da forma de expressão indica as intenções de quem fala. O tom retórico impingido denuncia o intuito disfarçado.

Em geral, o uso da emoção é recurso retórico legítimo. Porém, quando usado não como mera ênfase, mas como forma de desenhar, com traços ainda mais dramáticos, uma situação que já é séria, sinaliza um propósito manipulatório.

Uma pessoa honesta respeita os fatos, dando a cada um deles a denominação devida. Um manipulador ultraja-os, manejando-os de maneira a servirem seus interesses.

Por isso, esteja atento a quem descreve os fatos com entoação muito catastrófica. Se o discurso for excessivamente emocional, pode ter certeza que por trás dele há alguém tentando lhe manipular.

Naturalidade conquistada

Quem quer ser ouvido precisa expressar-se com naturalidade. É ela que toca os corações, que mexe com a alma. Espíritos humanos são despertados por manifestações de espíritos humanos. Portanto, só a expressão natural alcança o outro.

As pessoas parecem que possuem um filtro contra a artificialidade. Elas percebem quando alguém está apenas sendo uma mera imitação. Em geral, não se abrem quando percebem que a expressão é só uma cópia.

Há, em todos nós, uma sede por sinceridade. Ninguém quer ser enganado e todos querem ter certeza que o que estão ouvindo é a expressão sincera da alma de quem está falando.

No entanto, é mais fácil fingir, imitar, emular. A cópia exige apenas repetir os movimentos exteriores, os mecanismos superficiais. O exercício mimético não pede nenhum aprofundamento, nenhuma compreensão da essência.

A naturalidade, por seu lado, requer um mergulho interior profundo. Só quem entende bem quem é e o que realmente quer pode expressar-se naturalmente. Ser natural exige espontaneidade e esta só é verdadeira quando acompanhada de autoconhecimento.

Por isso, tantos expressam-se com afetação, com falsidade. Entre o esforço, muitas vezes dolorido, de autocompreensão e a mera prática mecânica da imitação, escolhem esta sem hesitação. E, por isso, não tocam os corações, não falam com as almas. No máximo, alcançam aquelas mesmas pessoas que, como eles, são superficiais. Quanto aos que têm um mínimo de sensibilidade: a estes não convencem.

A verdade é que a naturalidade se alcança, sendo o resultado de um esforço de compreensão de si mesmo e do conhecimento das técnicas necessárias para que ela se manifeste. Ser natural é a capacidade de espelhar a própria alma, e isso não surge naturalmente, se conquista.

A comunhão entre o orador e sua audiência

Cansei de ver oradores preparando seus discursos, imaginando causar um grande impacto naqueles que iriam ouvi-los. Confiantes no poder revolucionário dos conteúdos que tinham a apresentar, acreditavam que provocariam uma mudança radical em seus ouvintes. O resultado, porém, quase sempre foi bem diferente do esperado. Invariavelmente, o que aconteceu, nesses casos, foi uma recepção fria à mensagem apresentada, a qual não apenas não resultou em mudança alguma, como chegou até a despertar o desprezo em relação ao orador.

Na verdade, é incrivelmente raro um palestrante conseguir fazer com que, por meio de seu discurso, uma audiência mude seu pensamento. Não digo que não seja possível, mas é algo muito difícil de acontecer. Geralmente, as pessoas não ouvem uma palestra para alterar as ideias que elas têm das coisas. Elas ouvem-na para reforçar as convicções que já possuem.

Aliás, esta é a própria definição de retórica: um discurso que parte das crenças que o público já carrega consigo.

Fica claro, portanto, que quem delimita as fronteiras do que vai ser abordado não é o orador, mas sua audiência. O que há, de fato, é um acordo entre eles, como se fosse um acerto prévio sobre quais são os limites do que deve ser dito e até onde se pode chegar. O que ultrapassa essas fronteiras é considerado uma quebra desse concerto e o orador que comete esse erro acaba causando o inverso da mudança que espera provocar, ou seja, a rejeição ao que ele está apresentando.

Sendo assim, um discurso está longe de ser um espetáculo de um homem só. Trata-se bem mais de uma comunhão, onde há, é verdade, alguém que detém a palavra, mas que não está livre para dizer o que quer, senão para explorar aquilo que se encontra dentro dos limites impostos pelo acerto silencioso que mantém com a audiência que se dispõe a escutá-lo.

Por isso, obtém-se pouco sucesso em uma palestra quando se aposta todas as fichas apenas no material a ser apresentado e não se percebe que o que há entre o orador e a plateia é mais do que a emissão e absorção de uma mensagem. Há, de fato, uma comunidade de espíritos.

Retórica desperdiçada

Até meados do século XX a retórica fora jogada à margem dos estudos da linguagem, naquele afã pela busca de uma forma de dizer que pudesse ser rastreada cientificamente. Viu-se, porém, com o tempo, que isso, além de impossível, era simplesmente um desperdício das possibilidades que o estudo da arte do bem falar permite.

Debates virtuais

Há duas formas de confronto de ideias para quem se dispõe a debater assuntos políticos ou religiosos. Fazendo analogia com um combate real, as partes podem entrar em uma guerra de canhões ou em uma luta de espadas. Continue Reading