Categoria: Filosofia

Tempos e Mudanças

Sabe aquela sensação de que tudo está passando rápido demais? Aquele sentimento de que estamos perdendo o controle de nossas vidas, por causa de tantas mudanças?

Bom! Essa sensação talvez não passe de ilusão.

Ninguém pode negar que, hoje em dia, as mudanças sobrepõem-se alucinadamente; a velocidade com que a vida se altera é frenética; o que é hoje, sem que sequer percebamos, amanhã deixa de ser.

Em um mundo volátil, não existem mais certezas, pois tudo se altera de maneira drástica, repentina.

Mas o que muda, de fato?

Se observarmos bem, vamos perceber que o que se altera são aquelas coisas menos importantes, as que são transitórias por natureza, aquelas que possuem valor relativo, porque temporário.

O que se altera é aquilo que pode parecer sério agora, mas será completamente esquecido depois, sem que isso cause grandes alterações no essencial de nossas existências.

Por outro lado, há realidades que permanecem – os motivos do espírito, os sentimentos mais profundos, as noções mais bem estabelecidas de moral e estética, por exemplo – e sobre as quais podemos nos apoiar sem medo.

No entanto, só quando nos afastamos um pouco da correria cotidiana e prestamos atenção nessas realidades mais perenes é que então percebemos que talvez aquela sensação de fugacidade não passe de uma ilusão. Constatamos que, no essencial, existe algo no qual podemos nos firmar.

Agora, se a sensação de que tudo passa muito rápido insiste em nos acompanhar, talvez isso seja sinal não de que a vida não é mais é estável, mas de que fomos nós que escolhemos sua porção instável.

Não é a vida que muda, meus amigos! Nós é que geralmente escolhemos nos afastar do que realmente importa.

Espontaneidade e Autodomínio

Tem gente que se orgulha por falar o que pensa, na cara de todo mundo, como se isso fosse o ápice da virtude.

Se dizem espontâneos e acreditam que, assim, agem de maneira louvável.

No entanto, espontaneidade não é necessariamente virtuosa.

Todo animal é espontâneo, diga-se de passagem. Assim, se fôssemos em tudo espontâneos, seríamos meramente selvagens.

A espontaneidade generalizada conduziria-nos à barbárie.

A evolução da civilização se dá exatamente sobre a mitigação da espontaneidade.

O homem civilizado é aquele que controla seus instintos, que modera suas reações, que abranda seus impulsos – tudo em prol da boa convivência e da harmonia social.

O autodomínio é a verdadeira virtude.

Falar o que pensa, indiscriminadamente, conforme quer e sem medir as consequências, é o mesmo que distribuir bofetões em quem achamos que merece – além de ser óbvia incivilidade, causaria todo tipo de problemas.

Ser civilizado significa refinar os modos; significa ser menos animal e mais racional, mais humano; significa controlar as reações.

Ser civilizado faz inclusive parecer meio bobo, meio frouxo, meio frágil, às vezes até meio efeminado.

Mas é só aparência. Controlar os instintos exige muita força de vontade, muito esforço.

A verdade é que o que a sociedade tem de pacífica, segura e harmoniosa deve-se ao fato das pessoas não fazerem aquilo que têm vontade.

Não fosse assim, seria apenas balbúrdia.

Ensino Plural

Nenhum pai quer que a escola ensine aquilo que vai de encontro aos valores que eles, com esforço, ensinaram para seus filhos. Por isso, esperam que os conhecimentos transmitidos, em classe, não contenham as convicções pessoais dos professores. Logo percebem, porém, que, em sala de aula, junto à gramática, a matemática, a física, a química e a geometria, vêm também as interpretações particulares que os professores têm sobre a história, a sociedade, os homens e a vida. Então, ficam estarrecidos quando constatam que essas interpretações estão, muitas vezes, carregadas de ideias que, eles, os pais, reprovam. Indignados, passam a exigir que sejam estabelecidas regras que obriguem os professores a absterem-se de transmitir suas convicções em sala de aula. Simplesmente, querem que o ambiente escolar seja neutro.

No entanto, não há neutralidade possível. Todo ato de comunicação carrega atrás de si os valores de quem fala. Por isso, mesmo não havendo intenção de doutrinar, é impossível para um professor ensinar sem deixar que suas convicções transpareçam.

A única maneira de evitar que as crianças sejam expostas a certas ideologias seria impedindo que os professores que comungam dessas ideologias lecionassem – o que seria um absurdo.

Sendo assim, resta apenas um caminho que leva até um ensino menos ideologicamente comprometido, e ele passa não pela restrição de certas ideias, mas, ao contrário, pelo estímulo à apresentação de várias outras; não pela proibição de determinados pontos de vista, mas pela liberação de diversos outros.

A diversidade de pensamentos, pela pluralidade de perspectivas, oriundas da multiplicidade de valores, contida na variedade de convicções é a melhor maneira de fazer com que as crianças não sejam sequestradas por uma visão de mundo específica.

No entanto, é necessário, para isso, que o monopólio intelectual existente seja quebrado. É preciso que o pensamento uniforme que domina o meio acadêmico, que é anti-capitalista, anti-religioso, politicamente correto e comprometido com a perspectiva pós-moderna, sofra concorrência.

A verdade é que o ensino, no Brasil, precisa ser pulverizado, desmonopolizado. Só que, para que isso aconteça, é preciso que haja antes, por aqui, uma transformação cultural profunda.

O paradoxo da era da informação

Se alimento algum saudosismo em relação aos antigos jornais impressos, que, até um tempo atrás, eram as nossas únicas fontes de informação, é pelo fato de que, sua leitura, em algum momento, terminava. Você comprava o jornal numa banca, ou recebia-o em casa, e, após folheá-lo o suficiente, tinha a sensação de estar a par de tudo, ainda que soubesse que aquelas notícias se referiam ao dia anterior. Dobrava-o e seguia sua jornada. Quanto ao que está acontecendo agora… Bom, no dia seguinte, a gente pensava nisso.

Agora, tudo mudou. A notícia vem à nossa vista um pouco depois que o fato acontece, quando não ao mesmo tempo. E fatos acontecem o dia inteiro. Com isso, aquela sensação de dever cumprido, de fechar o jornal, satisfeito por ter se colocado a par do que é importante no mundo não existe mais. Há, hoje em dia, um ininterrupto sentimento de que existe algo importante acontecendo e que precisa ser sabido. A notícia em tempo real é a lebre da corrida de cães. Nós, obviamente, somos os cães.

No entanto, como toda estupidez só permanece estupidez porque não é percebida como tal, cuidamos de tirar dessa caça infindável uma razão nobre. Assim, tratamos com orgulho esta nossa época, que chamamos de ‘a era da informação’. Se com a invenção da imprensa, o homem civilizado sentiu-se em uma posição mais vantajosa do que aqueles que viviam apenas dos livros e dos sermões, o cidadão pós-moderno considera-se ainda melhor, pois acha um atraso sobreviver apenas do periódico impresso e das notícias de ontem, envaidecido por passar o dia inteiro atento ao que está acontecendo no mundo.

Por isso, ao tirar o jornal de cima da mesa, onde permanecia pela manhã, e colocá-lo no bolso, o leitor moderno sente-se superior. Afinal, as pessoas têm a convicção de que o conhecimento é o resultado quase espontâneo do acúmulo de dados. Pensam que, quanto mais souberem, mais compreenderão. Não é por acaso que os cientistas e os historiadores são mais admirados que os filósofos. Enquanto estes tentam dar explicações e, por isso, são vistos com desconfiança, aqueles aproveitam seu prestígio ao desfilarem sua memória e seus fichários. Um pesquisador citando, de cabeça, dezenas de fatos históricos parece mais inteligente que um pensador sofrendo para dar forma compreensível a uma única ideia específica.

No entanto, essa é uma perspectiva equivocada. O acúmulo de informações não gera automaticamente conhecimento. Com exceção das verdades auto-evidentes, todas as outras dependem de que o indivíduo que pensa sobre elas, para compreendê-las, faça as devidas conexões, perceba suas relações, desenvolva suas sínteses.

Não adianta, portanto, meramente amontoar informações dentro de si, como se a pessoa fosse um gaveteiro. Conhecer é mais do que saber o que aconteceu ou como as coisas se dão, mas saber por que as coisas se deram de determinada maneira e qual a relação desse fato com o que o envolve e com o todo.

Fica evidente,  portanto, que se chega a um ponto em que o acúmulo de informações começa a se tornar prejudicial para a pretensão de entender as coisas – e este é o paradoxo da era da informação.

No processo de conhecimento, será preciso estabelecer diversas conexões entre os fatos e fenômenos, a fim de entender a verdade dessas relações. O conhecimento surge pela síntese. A cada fato que aparece, a pessoa interpreta-o, relacionando-o com os fatos anteriores, extraindo então uma conclusão, a qual será confrontada com um novo fato, que fará gerar outra conclusão, e assim indefinidamente.

Porém, esse trabalho dialético, que pode ser simples em alguns casos, noutros pode se mostrar bastante complexo e trabalhoso. Há fatos que são imediatamente compreensíveis, enquanto outros, para serem bem entendidos, dependem de conhecimentos diversos e reflexão.

Assim, se os fatos se acumulam, já não é mais possível refletir sobre eles, fazendo com que suas sínteses já não sejam mais seguras. Além disso, cada novo dado que se apresenta exige um novo exercício dialético, o que aumenta as chances de erro de interpretação. A matemática é simples: se, para entender algo, a pessoa tem acesso a quantidade x de informações, ela terá que fazer o exercício de interpretação por x vezes, o que fará com que ela tenha x chances de cometer erros; se ela tem acesso a 10x informações,  as chances de erro multiplicam-se por dez. Portanto, quanto mais informações, mais possibilidades de equívocos a contaminar a compreensão do todo.

Assim, a era da informação, ao contrário do que possa parecer, ao despejar notícias ininterruptamente sobre as pessoas, prejudica a compreensão das coisas, seja por impedi-las do reflexo cuidadoso dos fenômenos, seja por multiplicar as chances de interpretações equivocadas.

O conhecimento é a visão do todo. Por isso  para entender melhor coisas, é preciso afastar-se um pouco delas. Como disse Nietzsche, somente quando deixamos a cidade, vemos a que altura as torres das casas se encontram.

Portanto, o excesso de informação acaba sendo uma ilusão. Em vez de esclarecer, ele atrapalha o entendimento dos fatos. E, talvez, por não perceber isso, é que a geração atual se acha tão esperta e não vê que está se tornando mais ignorante exatamente por aquilo que acredita tornar-lhe mais inteligente.

Melancolia das Biografias

Eu gosto de ler biografias. Geralmente, elas contêm os grandes feitos, dos grandes homens, que nos inspiram. É isso que buscamos nelas. Queremos saber o que fizeram, por que fizeram, como fizeram aqueles que marcaram a humanidade. Então, as lemos para saciar a necessidade humana de saber que é possível viver mais do que o trivial; de superar o comum.

No entanto, apesar de apreciar as biografias, elas provocam em mim uma sensação ambígua. Ao mesmo tempo que me instigam, ao apresentar-me o que há de mais poderoso na natureza humana, despertam também um sentimento de pesar, ao fazer-me constatar a fugacidade da vida, mesmo dos heróis.

Uma biografia é uma apresentação muito sintética da trajetória de uma vida. Ela espreme todos os feitos do biografado em algumas páginas, permitindo-nos acompanhar a construção de suas obras, intelectuais e materiais, que levaram anos para ser erigidas, em algumas palavras. Isso faz todo o trabalho desenvolvido por essa vida parecer ter muito menos sentido do que quando as coisas foram realizadas, de fato.

Principalmente, quando chegamos ao final do livro que, invariavelmente, culmina com a morte do biografado, aquela correria que ele se impôs, as lutas, as dificuldades e os projetos que empreendeu parecem transformados, ao serem comprimidos em algumas folhas de papel, numa carreira vã. Uma coisa é pensar a morte como o fim de décadas de uma vida; outra coisa é vê-la como a finalização de algumas horas de leitura. Por este prisma, tudo parece realmente bastante fugaz.

Por isso, para mim, as biografias têm sempre um tom melancólico, por me parecerem um quadro bastante implacável de como tudo, na vida, quando visto da perspectiva da morte, parece irrelevante.

Isso não significa que as biografias não sejam uma inspiração. Tanto que eu continuo lendo-as e apreciando-as. No entanto, na minha visão, elas têm sido uma inspiração, menos pelos grandes feitos e mais por me fazerem enxergar a fragilidade da vida, mesmo dos maiores seres humanos que já existiram.

Chesterton: Romantismo e Inocência

“Uma crítica frequentemente levantada contra G. K. Chesterton é que ele nunca cresceu”. Assim, Joseph Pearce inicia a biografia do escritor inglês.

De fato, Chesterton demonstrava uma aparente inocência, por trás de sua opulência corporal, seu sorriso constante e sua ironia insistente. 

No entanto, ele mesmo afirmava que essa inocência, apesar de real, era diferente da simples ingenuidade infantil.

Chesterton diz que sua inocência era a inocência do romance que, segundo ele, estava mais próxima da realidade do que o mero cinismo.

O cínico, apesar de dizer que tenta se aproximar de uma realidade pura, é diferente da criança, que se relaciona com a realidade mais diretamente. O cínico tenta fazer isso, mas o faz apenas após analisar o que a realidade é.

Diferentemente, o saudosismo da infância que permanece em Chesterton é a tentativa de manutenção de uma relação com a realidade sem interpretações.

O homem adulto está intoxicado por análises e sínteses e, por isso, ele não vê mais a realidade diretamente. Assim, fica incapaz de compreender a criança, que vê tudo de uma maneira simples.

Nesse sentido, é que Chesterton dizia que o homem deveria aprender com a criança, afinal, a criança é o pai do homem, por ser mais velha – e nisto encontra-se um paradoxo.

Todo o pensamento de Chesterton, e sua filosofia, está tomada dessa inocência, que nos faz lembrar que a verdade, geralmente, não está encoberta por muitos véus, como dizia Tomás de Aquino, mas na nossa cara.

É preciso, apenas, ter a coragem, que a inocência infantil dá, para aceitá-la.

A Vantagem de Ser Cancelado

É esperar demais que alguém com sua mentalidade forjada por ideologias totalitárias não desenvolva uma forma autoritária de pensar. Um admirador do comunismo não pode ser a favor da liberdade, da mesma maneira que um defensor de regimes de governos ditatoriais, como da China ou de Cuba, não pode achar normal que subsistam no país ideias contrárias às suas.

Como o meio cultural brasileiro é formado por gente criada em um ambiente ideológico autoritário,  não dá para esperar que nele prevaleça a tolerância e a diversidade. Assim, fazer de tudo para impedir que ideias opostas às suas prevaleçam é quase sua missão de vida. A prática do cancelamento, portanto, não é nenhuma novidade para eles. Na verdade, fazem isso há décadas.

Desde há muito tempo, os espíritos autoritários do meio artístico, cultural e intelectual se esforçam por lançar ao ostracismo aqueles que defendem ideias contrárias à suas, mesmo quando se trata dos grandes gênios. Intelectuais gigantes são “cancelados” ininterruptamente. Mesmo nas universidades, onde o espírito livre deveria prevalecer, há autores que, quando não é possível ignorá-los por completo, são citados muito discretamente, a despeito de possuírem obras monumentais.

Observe o espaço que é dado a Voegelin, Tomás, Leibniz, Perelman, Carpeaux ou Frankl em comparação com Marx, Boff, Maquiavel, Foucault, Derrida ou Freud. Enquanto aqueles são citados apenas en passant, estes são tidos como verdadeiros mestres, havendo dedicação intensa aos seus ensinamentos e escritos.

Portanto, ser cancelado é, na verdade, um grande elogio. Significa que, provavelmente, você está fazendo ou falando algo de muito certo. No mínimo, está desagradando aqueles que defendem ideias que não merecem mesmo muito respeito.

Educação para Além de Si Mesmo

Desde cedo, as escolas estimulam o jovem a ter pensamento crítico, ensinando-o a olhar para seus próprios processos cognitivos e valorizar as opiniões neles geradas.

Esse jovem passa então a tomar suas opiniões como o que há de mais importante, desprezando todo o resto.

Tendo os próprios pensamentos como referência de tudo, ele já não consegue conceber outras verdades senão aquelas que consegue formular.

As opiniões dentro de sua cabeça acabam assim confundidas com a própria realidade.

A educação oferecida por essas escolas, portanto, faz do jovem intelectualmente autofágico e cognitivamente egocêntrico.

No entanto, a função da educação não é fazer o aluno mergulhar para dentro de si mesmo, em um processo de retroalimentação de suas próprias concepções. Seu papel é conduzi-lo para além de suas próprias experiências e perspectivas, colocando-o em contato com a riqueza da inteligência que existe no mundo.

Na verdade, o objetivo da educação não é tornar o aluno mais confiante em relação ao que pensa saber, mas, pelo contrário, fazê-lo desconfiar do que sabe, despertando nele o desejo de buscar o conhecimento fora, onde quer que o conhecimento esteja.

O fato é que educar é tirar o indivíduo de dentro de si, de seu mundinho reflexo unicamente de suas sensações imediatas; é fazê-lo ver as coisas de maneira indireta; é ensiná-lo a olhar por outros prismas; é fazê-lo entender que a diferença entre o que se pode retirar da sua experiência direta e o que se pode absorver do conhecimento universal é imensa.

Educar (ex ducere) é exatamente isto: levar o indivíduo para fora; libertá-lo de si mesmo para que possa explorar a imensidão do mundo que existe além dele.

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(Texto baseado no Capítulo “A finalidade da Educação, do livro “Edmund Husserl contra o psicologismo”, de Olavo de Carvalho)

A Simplicidade da Inteligência

Observem como os formadores de opinião mais requisitados não são aqueles que analisam os fatos com acuidade e sinceridade, mas os que dão provas de que estão ao lado das bandeiras do momento.

Isso porque, na sociedade atual, os considerados mais inteligentes não são aqueles que tentam compreender a realidade, mas os que se adequam a ideias já consagradas, divulgando-as, não como pensadores, mas como propagandistas.

No entanto, a inteligência não se revela na repetição de ideias, nem na divulgação de conceitos, mas na capacidade de captar, com fidelidade, a realidade; não é um exercício de replicação, mas de absorção. Alguém que compreenda bem o mundo a sua volta, mesmo não conseguindo expressar devidamente o que vê, ainda pode ser considerado inteligente; quem, porém, apenas reverbera as construções mentais, ainda que criativas, mas que são baseadas numa interpretação equivocada da realidade, não o será jamais.

Por isso, é mais provável encontrar inteligência nas ruas do que nas cátedras. O povo, pelo menos, enxerga a realidade diretamente, sem vieses que lhe desviem. Os considerados inteligentes, esses geralmente acabam corrompidos pela própria instrução.

Razão Unificadora

As pessoas dizem querer educar sua vontade, mas não gostam de empreender demasiado esforço cognitivo nisso. Preferem ações com resultados imediatos, como uma técnica infalível, que lhes permita obter o que procuram sem ter de pensar muito no assunto. Na verdade, não querem educar coisa nenhuma.

Para quase todos os problemas da vida, elas procuram soluções práticas, se possível instantâneas. Isso porque pensar dá muito mais trabalho do que fazer esforço físico. Não por acaso, academias de ginástica sempre foram mais frequentadas que as livrarias.

No entanto, os problemas relativos à força de vontade, diferente do que pode parecer à primeira vista, não são, em essência, do corpo. A vontade é uma expressão do intelecto e dele devem vir as devidas soluções.

Na verdade, esses problemas relativos à vontade envolvem um complexo de elementos intelectuais, que apontam para seu cumprimento, e instintivos, psicológicos e fantasiosos, que atuam no sentido contrário. Como o inferior não pode ordenar o superior, cabe ao intelecto, como elemento superior, direcionar o comportamento, ordenando o restante.

O interessante é que, mesmo as ciências que estudam a alma e o cérebro têm se encaminhado para um crescente ceticismo em relação à confiança que se deve ter com a razão consciente, enquanto buscam as respostas sobre o comportamento humano nos processos neurobiólogicos e na anatomia cerebral. Neste ponto, sou antiquado: ainda acredito na boa e velha razão.

Não sou ingênuo em acreditar na infalibilidade da razão. Pelo contrário, sei bem o quanto ela pode falhar, e o quanto de viéses podem influenciar nossos raciocínios. Isso não significa, porém, que ela é absolutamente inconfiável. A razão continua sendo o nosso maior tesouro e abdicar dela é, de alguma maneira, abrir mão da própria humanidade

Ter a razão como centro ordenador do comportamento não significa apostar num racionalismo rígido e frio, pelo qual a forças biológicas e inconscientes são ignoradas em favor de soluções meramente lógicas. É apenas permitir que aquilo sobre o qual há algum controle esteja no comando.

Portanto, no planejamento da educação da vontade, a razão deve atuar como o centro unificador, aglutinando sob seu governo todos os outros elementos da natureza humana.