Categoria: Filosofia

Marxismo e Currículo Acadêmico

A pós-graduação em Retórica e Oratória que fiz poderia, tranquilamente, ser chamada de Universidade de Marxismo. Isso porque todas as matérias, todas as perspectivas, todas as teorias ensinadas ali eram fundamentadas ou inspiradas nas teorias marxistas. Não importava o tema: fosse a Análise do Discurso, Teoria da Comunicação, Linguística ou Interpretação de Texto, tudo era visto conforme os ensinamentos dados por Karl Marx e seus asseclas.

Foi então que eu percebi que não era apenas que o ensinamento estava baseado no marxismo, mas que o marxismo tinha delimitado o que deveria ser ensinado. Os marxistas compuseram o currículo do mundo acadêmico atual. O que sobreviveu é o que passou pelo seu crivo.

A teoria da evolução é o exemplo mais notório. Se ela é tratada como matéria indiscutível é porque Karl Marx encampou-a explicitamente. Sendo assim, nenhuma outra teoria que a confronte sequer pode ser discutida no ambiente acadêmico.

Essa realidade envolve todas as outras matérias. Faça o teste: observe uma teoria que o mundo acadêmico tenha por indiscutível e comprove se ela não é uma confirmação da visão marxista. É infalível.

Agitação e Interioridade

Quem já teve dificuldade para dormir, por causa de algum problema que estava passando, tendo ficado com os olhos abertos, enquanto os pensamentos cavalgavam selvagemente dentro de si, entende bem o que quer dizer “conseguir colocar a cabeça no travesseiro”.

Nessa sentença popular, está embutida uma verdade universal: o quanto à noite, e o seu silêncio, pode trazer à tona os fantasmas interiores. É naquele momento, que deveria se de paz e descanso, que os elementos da fantasia (os fantasmas) resolvem aparecer e aterrorizar.

Esses fantasmas se aproveitam da ausência de dispersões, da falta de imagens, sons e sensações, que, durante o dia, ocupam espaço na mente das pessoas, e assombram-nas, perturbando a tranquilidade delas.

Depois que o cansaço vence o terror e o sono vem, a manhã surge como um alívio. Na verdade, os sons do dia e a movimentação do cotidiano acabam servindo como refúgio, que afasta aqueles provocadores noturnos.

Eu nunca entendi muito bem o gosto pela algazarra e pela multidão. No entanto, essa preferência pode ser explicada pelo fato da agitação sobrepor a interioridade. O barulho e toda a ebulição diária faz sair de si mesmo – de onde habitam os fantasmas – e permite seguir em paz, entretido com todo o passatempo costumeiro.

O burburinho do dia-a-dia serve para aplacar a consciência e possibilita viver o sossego da irreflexão.

Assim, se existe uma atração pela balbúrdia e pela aglomeração, nada explica melhor esse gosto do que a necessidade de exilar-se de si mesmo.

O Realismo da Inocência

A verdadeira fantasia e o verdadeiro romantismo são mais realistas do que o pretenso realismo que supõe compreender o mundo e, por este motivo, sente-se impelido a modificá-lo.

É que, na verdade, falta ao realista uma certa inocência infantil, que não pretende decifrar a realidade, mas aceita-a, escapando dela apenas quando quer.

O inocente não pretende alterar o mundo porque ele se resigna com o que a vida oferece. Sua relação com a realidade é direta e simples, mantendo seus olhos abertos e seus pés no chão.

As fábulas e as fantasias são o único mundo que o inocente permite-se manipular, porque ele sabe que sobre o outro – o real – não lhe cabe fazer isso.

É o realista que interpreta a realidade, usando sua inteligência como instância intermediária entre ele e o mundo. Por isso, muitas vezes, o realista não aceita as coisas como são, criando ilusões que tanto enganam os homens.

Como Chesterton disse, é o homem adulto que vive uma vida de faz de conta e fingimento, é ele que está com a cabeça nas nuvens.

Por esse motivo, somente a inocência pode servir de antídoto contra o artificialismo arrogante que se acha responsável por mudar tudo e sente-se capacitado para fazê-lo.

A Importância das Pessoas Comuns

Os gênios e os loucos são aqueles que fazem o mundo avançar; são os responsáveis pelos grandes inventos, pelas mais importantes descobertas, pelos fatos que determinam os rumos de história.

No entanto, são as pessoas comuns que sustentam a sociedade; a gente ordinária é o fator de estabilidade da civilização.

Louvamos os gênios por nos lembrarem que na vida sempre existe algo a ser conquistado; amamos os loucos por nos surpreenderem; mas precisamos agradecer aos homens e mulheres simples, sem os quais os atos dos gênios e dos loucos seriam apenas caos.

Quem Julga o Artista

Em arte, o que chamam de democratização, invariavelmente, transforma-se em vulgarização.

O acesso universal oferecido pelos novos instrumentos permitiu, a qualquer um que se acredite capaz de fazer algo, lançar-se a fazê-lo.

No entanto, como diz Albalat, toda a gente fala, mas nem todos são oradores; a pintura popularizou-se, mas nem todos são pintores; nem todos os músicos fazem óperas.

Talvez digam que isso não importa; que o público saberá selecionar devidamente.

Esquecem-se porém que, em questões de arte e de inteligência, a multidão é incapaz de julgar.

Os novos meios simplesmente criaram uma retroalimentação da estupidez. Pessoas fingem que sabem, outras fingem que entendem, depois fingem que aprovam, e quem fez sente-se ainda mais motivado para continuar fazendo o que jamais deveria ter se metido a fazer.

Por isso, o verdadeiro artista foge do aplauso fácil, pois ele corrompe e desvirtua.

A única aprovação que o artista deve buscar é a da própria arte. A obra tem de ser o juiz, e mais ninguém.

Desenvolvimento pleno

Vivemos a era da especialização. As ciências subdividiram-se em matérias cada vez mais específicas. Isto tem permitido que os estudiosos investiguem mais detalhadamente cada área, explorando suas minúcias e pormenores. 

Essa tendência à especialização, porém, traz junto um efeito colateral: o desprezo pela universalidade.

Em uma sociedade onde valoriza-se mais a profundidade específica do que as habilidades e conhecimentos universais, as pessoas passam a preocupar-se apenas com os conhecimentos dos campos onde escolheram atuar. Os conhecimentos que se relacionam com as questões mais gerais são desprezados, tomados por inúteis ou, no máximo, por passatempos interessantes.

Não é por acaso que o que mais vemos, hoje em dia, são especialistas completamente ignorantes em assuntos que não se relacionem diretamente com suas atividades. Com uma formação humana capenga, não é raro muitos profissionais considerados competentes apresentarem deficiências intelectuais imperdoáveis.

Uma falha na formação humana universal pode até ser camuflada por conhecimentos técnicos específicos, mas, cedo ou tarde, acaba revelada. Isso porque mesmo trabalhos especializados exigem o desenvolvimento de capacidades que nada têm a ver com eles. Um médico precisa saber se comunicar bem; um engenheiro tem de estar apto a cumprir o que se determina; o psicólogo precisa aprimorar seu raciocínio; o professor tem de ter uma visão clara da sociedade onde vive. Estes são apenas exemplos de como habilidades que parecem não ter relação com as atividades principais da pessoa são importantes inclusive para o exercício dessas mesmas atividades.

Por isso, o desenvolvimento das capacidades humanas gerais é essencial. Ele possibilita que a pessoa viva sua vida de maneira plena. Isso porque a existência é multidimensional. Sendo assim, para podermos experimentá-la plenamente, é preciso dar atenção às diversas formas pelas quais interagimos com ela. Não podemos ser apenas advogados, comerciantes, químicos, dentistas, enfurnados em nossas atividades, preocupados apenas em sermos profissionais melhores, esquecendo que, antes de tudo, somos humanos com potencialidades muito mais diversas e muito superiores àquelas exigidas pela profissão.

Em tudo precisamos ser inteligentes, pessoas com cultura; precisamos saber raciocinar, organizar nossos pensamentos; precisamos falar e escrever bem; precisamos ter controle emocional; precisamos de espiritualidade; precisamos inclusive saber como colocar tudo isso em prática. Estas não são capacidades acessórias, nem mesmo complementares à nossa formação, mas habilidades essenciais. Quando deficientes, dificultam nossa relação com o mundo, mas se bem desenvolvidas permitem-nos viver a vida de uma maneira integral.

Diante disso, uma formação que nos permita encontrar o melhor de nós mesmos e nos faça interagir com este mundo de uma forma plena é o que eu proponho. Uma formação humana completa, sem deixar nada para trás.

Nosso baile de máscaras

Uma moça colocou em seu instagram uma foto de comida saudável, acompanhada da seguinte frase: “firme em meus objetivos”. Porém, logo no primeiro comentário, surge seu esposo, dizendo: “a porção de fritas com bacon de ontem à noite que o diga”.

Isso é rede social, meus amigos: não sobrevive a um sopro sequer da vida real.

Ainda assim, há muita gente usando as redes sociais de maneira equivocada, dando a elas a credibilidade que não deveria dar. Olham para os perfis e suas postagens como se aquilo representasse alguma verdade; como se ali houvesse alguma sinceridade.

O resultado óbvio é a frustração, pois enquanto acompanham o exibicionismo das pessoas mais inteligentes, mais ricas, mais fortes, mais bonitas, mais bem-sucedidas, mais saudáveis e mais admiradas, ao mesmo tempo sentem-se burras, pobres, fracas, feias, fracassadas, doentes e rejeitadas.

É um efeito inescapável. Julgar o próprio valor com base no que vemos nos outros sempre foi nosso esporte preferido. No fundo, todos temos um pouco de Madame Bovary, lamentando nossa vida medíocre enquanto inveja o glamour alheio.

Na verdade, precisamos das comparações. Em tudo delas dependemos. Se vamos vender um carro, precisamos saber qual o preço dele no mercado. Ser considerado inteligente depende da época em que se vive. Até a percepção da beleza varia com o tempo e lugar. Sendo assim, as redes sociais acabam sendo um tipo de parâmetro para as pessoas analisarem a si mesmas, afinal, quem se encontra ali parece alguém de verdade, gente como eu e você, que não tem pudores de abrir sua vida para o mundo.

Porém, nisto encontra-se o erro: usar para efeito de comparação algo que não é real. Afinal, redes sociais são mera ilusão. Nada, praticamente nada, do que vemos nela é verdadeiro. Nem mesmo as fotos tiradas pela sua prima, nem o texto escrito pelo seu professor, nem no que sua mãe coloca ali dá para confiar.

Nada, em uma rede social, é espontâneo porque ninguém consegue ser espontâneo quando se expõe socialmente. Nossa relação com a sociedade nunca foi, em nenhuma época, sincera. Sempre quando foi necessário expor-se para a sociedade, as pessoas adornaram-se com suas fantasias. Nos bailes antigos, nos coquetéis, nos casamentos, nas festas de aniversário, nas reuniões na empresa, ninguém jamais é absolutamente espontâneo nesses momentos.

Nas redes sociais não é diferente. Elas apenas trouxeram a possibilidade de apresentar-nos diante da sociedade sem sair de casa. No entanto, a dinâmica permanece a mesma. Continua sendo uma forma de mostrarmos para o mundo uma versão idealizada de nós mesmos, uma versão aceitável, uma versão vendável, uma versão que permita que as portas da sociedade se abram para que possamos entrar por elas e conquistar o que nós queremos.

Essa necessidade de assumir uma persona social existe até como forma de auto-proteção. É na sociedade que as oportunidades surgem, que os negócios aparecem, que precisamos ganhar a simpatia até para podermos sobreviver. Expor-se nela como somos, com todos os nossos defeitos e fraquezas seria uma medida estúpida, quase um suicídio.

É verdade que, de vez em quando, alguns desavisados ou heróicos acabam expondo seus lados reprováveis. No entanto, isso é exceção. É o resultado da ampliação do acesso ao instrumento. E tal atitude acaba cobrando seu preço. A regra porém é a falsificação. A norma é o fingimento.

Por isso, referenciar-se nas redes sociais para julgar a própria vida é um erro. Quem faz isso acaba deprimido, frustrado, decepcionado. Olhar para si mesmo após acreditar que o que aparece em uma rede social é verdadeiro é como querer castigar-se propositadamente. É quase masoquismo.

Obviamente, não é preciso abandonar as redes sociais, mas tratá-las conforme sua verdadeira natureza: uma fantasia, uma ilusão, um espaço de diversão descompromissada. As redes sociais são o nosso baile de máscaras e cada um veste a sua para viver o seu próprio momento de relevância e alegria.

Mais razão, menos ilusão

Apesar de reconhecer que os meios de persuasão que atuam sobre o inconsciente são mais eficientes que o velho convencimento racional, ainda assim, sempre privilegiei a razão. Sou teimoso e daquele tipo fora de moda que insiste em acreditar que ela é o timoneiro da nossa vida.

Mas confesso: não é fácil ensinar os meandros da lógica argumentativa em um mundo onde o que está em voga são os gatilhos mentais, as provocações subliminares, os instrumentos de manipulação que têm o objetivo de fazer as pessoas agirem sem pensar, consumirem sem refletir, aceitarem sem sequer concordar.

Vivemos a era do ilusionismo, quando nada é o que parece, nem mesmo nossas próprias decisões.

Ainda assim, continuo a defender a inteligência. Afinal, é ela que me faz humano. Sem ela, sou apenas um bichinho domável.

Gênios e santos

Eu tenho uma tática para tentar manter-me humilde, mas sem perder alguma ambição sadia: ter os gênios e os santos como referência.

Ao olhar para eles, antes de tudo, lembro-me o quão abaixo estou de qualquer ideal, o quanto sou burro e o quanto sou pecador.

Ao mesmo tempo, eles me ajudam a não me conformar, a buscar sempre melhorar, sempre me desenvolver, sempre ir na direção das coisas superiores.

Olhar para os bons é o meu freio e também meu propulsor; é o que me faz ver minha própria pequeneza, sem perder a esperança de alçar vôos mais altos.

Observo os gênios e os santos porque reconheço que, no fim das contas, a maioria das coisas que aprendemos de realmente importante vêm deles.

A atualidade das verdades eternas

O conhecimento das verdades eternas não é um outro conhecimento, inacessível ao momento presente e disponível apenas no futuro. As verdades eternas estão aqui, diante de nós, porém cobertas por muitos véus, como sugerido por Tomás de Aquino.

Ibn Tufayl, filósofo islâmico do século XII, propôs a analogia com o cego, que conhece tudo o que o envolve, pelos sons, pelo tato, pelo cheiro e pelas descrições que lhe fazem. Se, porém, por um milagre, ele passasse a enxergar, já reconheceria tudo o que já conhecia antes, porém agora com cores, com luzes, de maneira mais clara, mais vívida, mais brilhante.

O apóstolo Paulo disse algo semelhante, ao afirmar que hoje conhecemos como por um espelho, com uma visão turva, mas, depois, veríamos as coisas exatamente como elas são.

A verdade eterna está aqui e cabe a cada um esforçar-se por desvendá-la, pouco a pouco, esperando o dia quando a veremos como ela realmente é.