Tag: Filosofia

Filosofia Esclarecedora

Na cabeça de muita gente, Filosofia é algo complexo. Chegam a imaginá-la como um tipo de conhecimento esotérico, acessível apenas aos iniciados.

Os próprios filósofos acabam sendo os responsáveis pela incompreensão que cerca suas ideias, pois costumam expressar seus conhecimentos de forma hermética, com o uso de termos inusuais e raciocínios obscuros.

Parece até que a filosofia cuida de assuntos que não interessam a quase ninguém, apesar de seu objeto ser algo que interessa a todos nós: nossa própria existência.

Sendo assim, a filosofia não deveria se esconder atrás de conceitos impenetráveis e formas pomposas. Pelo contrário, sua função deve ser superar as aparências que se manifestam por meio de uma infinidade de elementos que escondem a verdadeira realidade por trás delas.

Pode-se dizer que o objetivo da filosofia é dissipar a confusão que os homens e a própria estrutura da realidade impõem. Assim, ela não precisa ser complicada.

Se a vida é complexa, a filosofia está aí para fazê-la simples, ou seja, fazer com que a consciência humana consiga identificar na existência alguma unidade.

É verdade que, às vezes, a própria realidade se apresenta cheia de dificuldades. Pois é nesse momento que a filosofia se faz importante, tornando compreensível aquilo que, em princípio, parece muito difícil de ser entendido.

O filósofo precisa lembrar que a função da sua ciência não é complicar, mas esclarecer. Por isso, seu esforço deve ser por torná-la inteligível, a despeito das dificuldades que encontre para dissipar a névoa de confusão que a realidade impõe. Como diz Locke, a filosofia deve ser complacente a ponto de se vestir segundo a moda ordinária.

O último bastião do socialismo

O marxismo, desde suas origens, possui três áreas fundamentais: sua economia, sua sociologia e sua filosofia. A mais estudada por seus adversários foi a primeira. E ela está completamente desmoralizada. Ninguém acredita – nem mesmo os marxistas atuais – nas concepções econômicas de Marx. Repetir os conceitos econômicos do socialismo original é colocar-se completamente à parte da realidade.

A segunda área, a sociologia, foi quase tão estudada como a economia e, de alguma maneira, também caiu em descrédito. Apesar de haver ainda alguma retórica tentando mantê-la de pé, a realidade a tem desmoralizado. A sociedade evoluiu no sentido oposto das previsões marxistas e a base de sua concepção, o proletariado, transformou-se de pedra de toque da revolução em salvaguarda capitalista. Defender a sociologia marxista funciona apenas como símbolo; não tem mais nenhuma relação com a vida das pessoas.

É a filosofia, a parte do marxismo mais negligenciada por seus inimigos, que, não coincidentemente, permanece quase intacta, sendo a responsável por mantê-lo vivo. Se a economia e a sociologia são um motivo de escárnio contra os socialistas, é na filosofia que eles encontram seu porto seguro e sua base de atuação. Sendo a única parte do marxismo onde encontram-se alguns preceitos minimamente coerentes, foi também aquela que menos sofreu contestações. Sendo assim, se ainda existe um marxismo e se ele continua sendo influente, isso é por conta de sua filosofia, que mantém-se firme.

Portanto, quem tem como meta opor-se ao marxismo precisa ir para além de onde liberais, economistas, historiadores e sociólogos foram e abordar a filosofia marxista. Sendo o último bastião do socialismo, é ela que resta ser destruída. No entanto, essa missão não é nada fácil.

Entre a razão e a realidade

O pensamento moderno caracteriza-se pela dissonância entre o discurso e a experiência. Boa parte das ideias em circulação são apenas ideias e não refletem o que é vivenciado pelas pessoas.

São divagações tão desapegadas da realidade que nem mesmo seus autores podem sustentá-las em suas vidas práticas. Nunca vi um cético que não tivesse certezas, nem um determinista que não fizesse planos; os subjetivistas não se lançam de janelas, nem os idealistas deixam de correr quando se deparam com um cão raivoso; conheci poucos socialistas que abrissem mão de sua fortuna, também nunca vi calvinistas que não pregassem.

O que acontece é que todo esse pessoal abafa o senso comum em favor de sua razão própria, ainda que esta razão pareça racional apenas quando se esquece de que existe vida além dela. Para essa gente, entre o que eu vejo, sinto, percebo e experimento e minhas divagações aparentemente lógicas, eu deveria me aliar primeiramente a estas.

É por isso que há tantas ideias respeitosas e, ao mesmo tempo, contraditórias. Quando a experiência ingênua é desprezada, tudo pode ser dito e tudo deve ser aceito. Não importa o que você vê, importa o que eu penso. Não vale o que todo mundo sabe, mas o que alguns iluminados dizem.

Esse abafamento do senso comum é o que caracteriza boa parte das filosofias que circulam por aí e fazem a cabeça da intelligentsia. E desta descem como veneno escorrido para a vida das pessoas comuns, afetando-nas de alguma maneira, ainda que elas não as absorvam inteiramente e sequer entendam o que está acontecendo.

O que minha filosofia não é

Minha filosofia não é cristã, mas influenciada pelo cristianismo. Não é cristã, mas balizada por ele. Seria cristã se partisse da religião cristã, o que não acontece.
 
Se o que eu penso partisse da doutrina, estaria eu fazendo pura teologia, o que eu não faço. Se minhas conclusões fossem a síntese do ensinamento cristão, não haveria filosofia alguma, só raciocínio doutrinário, o que também não faço.
 
Agora, se tenho o ensinamento cristão como um juiz ou um pedagogo (Clemente de Alexandria), então estou livre para exercer minha filosofia tranquilamente, sabendo que tenho o melhor orientador que o mundo jamais poderia me dar.
 
Não há nisso qualquer pretensão de autonomia, nem negação da fé. Apenas é uma questão de método que, no fim das contas, deságua no mesmo mar eterno.

Filófoso em tempo real

Virou moda no grupo semi-intelectual da internet brasileira considerar os alunos e admiradores do professor Olavo de Carvalho como que uma segunda classe de intelectuais. Isso porque começam a considerar o próprio professor um intelectual de segunda classe. Criticando-o no nível da aparência de seu discurso, têm-no por grosseiro, retrógrado e, como se isso fosse um xingamento, apenas por um religioso conservador.
 
O fato é que nessa arrogância juvenil – porque não se trata de nada mais que isso – esses meninos estão perdendo a oportunidade de acompanhar, em tempo real, um pensador de primeiríssima linha – algo que não houve igual, por causa das diferenças tecnológicas, na história do mundo. Existiram filósofos gigantescos na história, e o próprio Olavo refere-se a eles constantemente, mas nenhum deles pôde ser acompanhado no desenvolvimento de suas ideias, como se seus alunos morassem na casa desses pensadores. Nós, porém, temos isso, mas nem todos se dão conta.
 
Sempre que eu leio algo escrito pelo professor Olavo de Carvalho, vejo que, nele, tudo o que é expresso tem peso de realidade, de verdade, de concretude. Ao mesmo tempo que suas investigações mergulham em profundezas inacessíveis a boa parte dos que o lêem, elas nunca são tomadas por abstracionices, por palavras vazias. Seus pensamentos possuem a força da realidade e mostram-se comprometidos com a experiência verdadeira da vida.
 
Isso tudo fica mais evidente quando leio aqueles que tentam comentar o que o Olavo escreve. Façam esse teste! É incrível a disparidade no peso das ideias. Enquanto o que o professor diz parece remexer com a matéria viva, com o âmago dos problemas, geralmente seus comentadores apenas lançam slogans e lugares-comuns, que assemelham-se à névoa.
 
A verdade é que esse comprometimento com a experiência real, sem abrir mão de sua substância, aliado a sua vasta cultura, é que faz do professor Olavo de Carvalho um fenômeno vivo.
 
No entanto, os quase letrados virtuais insistem em apenas criticá-lo na base do concordo/discordo, gostei/não gostei, certo/errado. Com isso, perdem o mais importante nessa experiência, que é a possibilidade da observação imediata de uma mente privilegiada que está sempre expondo ideias que são fruto de suas diversas leituras e de sua capacidade acima da média de sintetizá-las.
 
De minha parte, reconhecendo que, por seu talento, experiência, dedicação e capacidade filosófica comprovada, o professor Olavo, quando escreve, está expondo algo que contém uma imensidão de outros conhecimentos subjacentes, antes de tentar fazer qualquer crítica, me pergunto: quais são os dados que ele rastreou para chegar a essa conclusão e quais meios intelectuais usou para tanto? Isso porque eu sei que nisto está o seu legado, nisto está o seu mais sério ensinamento e eu tenho certeza que é essa a lição que ele quer passar para seus alunos.
 
No entanto, uma parte dos leitores jamais vai entender isso, porque lhes falta humildade para reconhecer a distância que existe entre eles e um filósofo de verdade.

Equilíbrio pela intensificação dos extremos

A sabedoria milenar exaltou o equilíbrio como uma virtude. O meio-termo foi tido como o ideal ético. E o caminho para ele foi entendido, muitas vezes, como o simples abandono dos extremos. O equilíbrio deveria ser achado pela atenuação das paixões. Tanto que os estóicos chegaram a tentar suprimi-las por completo nessa busca, assim como alguns dos primeiros cristãos também.

Graficamente, considerando amor (A), ódio (O) e equilíbrio (E), seria assim:

O >>>>> E <<<<< A

Chesterton, porém, em seu livro Ortodoxia, interpretando o ensinamento cristão, nos oferece uma outra visão dessa realidade. Sem negar a virtude do equilíbrio, ele entende que este deve ser achado não pela atenuação dos extremos, mas, pelo contrário, por sua intensificação, conforme o seguinte gráfico:

O <<<<< E >>>>> A

É a tensão entre a força exercida pelos extremos que gera o equilíbrio.

O que o pensador inglês queria dizer era que o cristianismo ensina a amarmos intensamente e odiarmos intensamente e isso dará como resultado a vida perfeita, equilibrada e moral. O fato é que não há atenuação possível no amor pelo que deve ser amado, nem no ódio pelo que deve ser odiado. Tudo é intenso, total, verdadeiro.

Em tempos de relativismo, esta é uma mensagem desconcertante.

O cristianismo e os filósofos

Uma característica comum das filosofias que pulularam a partir, principalmente, do século XVII, é a tendência a querer explicar tudo partindo de um insight ou de uma conclusão, inferência ou percepção pessoais. Ressaltam um aspecto qualquer da realidade, que, sob um ponto de vista específico, uma perspectiva determinada, pode até ter algum sentido, e extrapolam-no exageradamente, às vezes até o infinito.

Por exemplo, observam que o mundo possui certa ordem e inevitabilidade e concluem por um determinismo absoluto; constatam que as percepções individuais variam e concluem que tudo é relativo; percebem que não podem confiar absolutamente no que veem e concluem que nada é confiável. Praticamente toda escola de pensamento originada a partir daquele período sofre desse viés de exagero. Universalizam o que é parcial e supervalorizam suas próprias descobertas.

Diferente do cristianismo, que, apesar de estender seus efeitos até o infinito, permite que muitas coisas permaneçam misteriosas. Enquanto as filosofias humanistas, sabendo uma parte, pretendem explicar tudo, o cristianismo, abrangendo tudo, explica apenas uma parte.

A diferença é que a verdade proclamada pelo cristianismo é oriunda de uma realidade fundamental, eterna e transcendente, enquanto as verdades dos filósofos são parciais e, geralmente, sem princípios além deles mesmos. Por isso, o cristianismo não precisa explicar tudo, porque pressupõe tudo, enquanto os filósofos tentam explicar tudo, porque o que alcançam, de fato, é muito pouco.

Usando a analogia de Chesterton, a verdade dita pelo cristianismo se torna evidente porque iluminada pelo sol da verdade fundamental, enquanto os filósofos, ao pretenderem ser independentes da luz primordial, acabam sendo apenas luz de lua.

A Importância da Beleza

Há gosto para tudo, sem dúvida. Mesmo aquele rapaz feinho, que parecia jamais ter a capacidade de despertar o interesse de alguém acaba arrumando uma moça que se apaixona por ele. Afinal, é como dizem: para quem ama o feio bonito lhe parece.

Diante da multiplicidade e diversidade do gosto, muitas pessoas concluem que a avaliação da beleza é subjetiva, dependente das preferências pessoais. Inclusive, rechaçam a ideia de feiura, dizendo que essa concepção não passa de um julgamento arbitrário.

A beleza, então, além de desprezada, passa a ser acusada de intransigência. Dizer que algo é mais bonito do que outro transformou-se em um tipo de opressão, que deve ser reprimido para que se preserve a igualdade entre tudo e todos.

No entanto, não se pode negar que há belezas (e feiuras) consideradas universalmente. Coloque a foto do Marquito e do Brad Pitt lado a lado e peça para as moças presentes dizerem quem elas consideram mais bonito (eu mesmo já fiz esse teste com mais de trinta mulheres) e você testemunhará a manifestação da unanimidade exatamente onde ela é mais rechaçada: no campo do gosto estético.

Nem a beleza nem a feiura são subjetivas porque elas despertam sensações que são semelhantes em todas as pessoas. Por toda a história o bem foi apresentado como algo belo e o mal, feio. Demônios foram pintados como seres horripilantes e anjos com traços suaves. Isso não se dá por coincidência, nem é característica de determinadas culturas, mas uma expressão universal de como o mal é sentido como algo destituído de beleza, ao contrário do bem, que a possui plenamente.

O retrato da beleza e da feiura, relacionados com o bem e o mal, porém, não são atitudes conscientes dos símbolos que representam, mas reflexo da sensação delas captada. O belo é agradável, o feio não.  O que é bonito arrebata, encanta, acalma, pacifica; o feio perturba, deprime, incomoda, repele. Eles são primeiramente sentidos, só depois representados e compreendidos. 

As sensações que a beleza e a feiura provocam, portanto, evitam que sejam tomadas com indiferença. Ainda que se queira negá-las, elas continuarão exercendo sua influência sobre as pessoas. O belo sempre produzirá bons sentimentos, enquanto o feio sempre provocará sensações negativas. Faz parte da natureza das coisas que seja assim.

Por conseguinte, se o belo e o feio não podem passar desapercebidos é óbvio que sua presença sempre causará algum impacto. Mas não só isso, sua ausência também. Alguém exposto ininterruptamente à feiura terá despertado constantemente sentimentos negativos, sem dúvida; mas também alguém impedido da beleza, ainda que não necessariamente exposto à feiura, terá um dos principais acessos ao Bem interrompido. De uma forma ou de outra, seu ser sofrerá.

Por isso, a ausência definitiva da beleza tira da pessoa a capacidade de identificá-la. Alguém exposto continuamente a objetos e imagens destituídos do belo já não conseguirá sequer imaginá-lo. Por consequência, não terá mais o impulso de ansiar por ele. Por fim, o confundirá com o que não a possui e até com o que é feio. Quando chega a esse ponto, já não é mais possível a salvação ─ sua alma já estará corrompida.

Imagine, então, o mal que a arte moderna, ao querer questionar a beleza como o fim de sua atividade, se perdendo no meio do caminho e tornando da contestação seu objetivo, fazendo da feiura sua musa, causou ao imaginário das gerações que foram expostas e instruídas sob suas manifestações; como nossos espaços urbanos afetam aqueles que precisam viver em seus ambientes sujos e destituídos de ordem; como crianças, encarceradas em escolas caindo aos pedaços, mal pintadas e construídas por uma arquitetura que só visa a utilidade, desprezando a beleza, têm o seu desenvolvimento prejudicado.

Isso não significa que a feiura deva ser extirpada. Alguns movimentos sonharam com isso e causaram muito mal, criando um tipo de profilaxia estética que tornou tudo monótono e frio. A beleza depende da feiura, que se lhe apresenta como contraste. Além disso, o feio pode ter muitas funções, além do símbolo que representa: ele pode ensinar sobre os perigos da maldade e alertar sobre os riscos da perversidade; também pode simplesmente servir de objeto de repulsa para afastar os mal intencionados, como fazem as gárgulas das catedrais.

Por isso, manter a noção do belo e do feio é essencial para a saúde espiritual de qualquer sociedade. Assim, preservar as grandes manifestações artísticas, seja as do tipo de Botticelli ou Claude Lorrain, que exaltavam a beleza, ou de Bosch que ressaltava a feiura, são essenciais para manter o imaginário das pessoas preservado. Mas também cuidar da beleza trivial do cotidiano, dos ambientes nos quais vivemos, torna-se imprescindível.

Porém, enquanto o mundo decide exaltar a feiura, o que nos resta é cultivar a beleza em nossos próprios domínios, expondo-nos conscientemente às obras geniais que a inteligência humana nos legou, e também cuidando para que nosso entorno reflita minimamente uma beleza capaz de nos enlevar.

O valor do tempo

O tempo é um bem precioso, e quem ousaria negar isso? Mesmo imperceptível em seu desenrolar, tão lento que a noção de seu valor esvai-se, uma breve reflexão sobre o custo de seu desperdício é suficiente para perceber que não reverenciá-lo é um tipo de morte. Se a vida apenas pode ser glorificada em seus momentos que apresentam sentido eterno, o abandonar-se à letargia é destruir, a cada vez, a razão de existir.

O valor de tudo, costumamos apreciar, se encontra em sua influência material. Nos perguntamos, ao aquilatar sobre as coisas, o quanto elas são úteis, o quanto elas nos retornam em outras coisas, qual o seu poder de troca e o quanto elas nos permitem usufruir da vida. A força material é a medida.

Ao considerar essas coisas, me parece que a proposta do filme In Time, mesmo empastelada, em seu roteiro, de clichês enjoativos, como a culpa da riqueza e a justiça do bom ladrão, é bem original. Como se fosse uma subversão da reflexão de Arnold Bennett, em seu livro Como viver com 24 horas por dia, onde o autor fala sobre a vantagem do tempo sobre a matéria, o filme faz pensar sobre a vida em seu valores, não materiais, mas cronológicos. Imaginar um mundo onde não há dinheiro físico, mas tudo é contado em tempo, nos remete à reflexão sobre o que fazemos com nós mesmos.

Imagine-se tendo apenas um dia a mais de vida. Se não desejar morrer, necessário é buscar meios que lhe remunerem com, pelo menos, mais um dia, a fim de que no dia seguinte você possa fazer o mesmo, preservando assim sua existência. Até mesmo acordar tarde pode ser fatal. O tempo, fator crucial, não pode ser desperdiçado.

Sob o impacto da película, ao olharmos para nossas vidas reais, reconhecemos a importância de não desperdiçarmos tempo. Não apenas o capitalista que busca o lucro ou o trabalhador que persegue a remuneração, mas também o artista que deseja criar ou o intelectual que quer conhecer, todos sentem que abandonar-se à inércia é como jogar fora parte de suas vidas.

Ainda assim, quanto tempo perdido! Essa entidade que ligeiramente se movimenta no invisível nos consome e, no fim, abandona-nos sós. Ela, que está sempre à frente, escapando-nos ainda que nos movimentássemos como Mercúrio, se torna uma opressora impiedosa e não misericordiosa. Tão má que destrói os que a ignoram e maltrata aqueles que a veneram. No fim, somos todos seus escravos.

O mérito do filme está, portanto, em conseguir materializar o valor do tempo. Vendo-o como moeda de troca, nós, absorvidos que estamos na medida monetária de tudo, podemos medir também o tempo, não apenas como o desenrolar dos fatos, mas como presença real em nossas vidas. É uma abstração provocada, mas bem colocada.

Agora, quando leio o provérbio bíblico: atende ao bom andamento da sua casa e não come o pão da preguiça (Pr 31.27), tais palavras se tornam, após essa reflexão sobre o tempo, como proposto pelo filme, mais que conselhos, mas alertas vitais. O único problema é que o tempo passa e o impacto da reflexão se esvai. Aos poucos, voltamos a ver tudo com os velhos olhos materialistas, que valorizam as coisas palpáveis, não a própria existência.

Minha perpétua dívida filosófica para com Olavo de Carvalho

Todos precisam de mestres, de pessoas que sejam seus conselheiros intelectuais, que ensinem o que eles mesmos aprenderam e, de alguma maneira, encurtem o caminho que seus alunos devam trilhar

Para quem não sabe, devo muito do meu conhecimento ao filósofo Olavo de Carvalho, hoje, também, com muito orgulho, meu professor. E por que esta homenagem? Simplesmente porque é necessário que minha consciência esteja limpa em relação às idéias que exponho neste espaço.

Conheci o professor em meados de 1998, quando adquiri, por mera curiosidade acerca do título, o livro “O Imbecil Coletivo”. Naquela época, eu, que já era um leitor voraz, porém conduzido pela maré cultural vigente, progressista e modernista, propagandeava as idéias básicas da comunidade esquerdista. Mesmo sem jamais ter sido um eleitor de partidos tipicamente de esquerda, repetia os mesmos chavões vociferados por eles e, principalmente, pelos seus asseclas da intelligentzia. Me sentia assim um jovem de vanguarda, sem preconceitos, um cristão liberal, solto das amarras da tradição. Estava bem acompanhado de pastores e líderes religiosos também modernos, que não se viam como parte do grupo reacionário e dogmático, como eles se referiam.

Voltando ao livro do professor Olavo, quando comecei a lê-lo, tomei o primeiro susto ao ver o encarte que acompanhava a obra. Um questionário engraçadíssimo sobre como o leitor poderia interpretar aquele trabalho. Nunca tinha visto ninguém se referir a si mesmo como um “mistifório reacionário”, por exemplo, já dando para os seus críticos o arsenal pronto para bombardeá-lo. Aquilo, para mim, além de absolutamente original me fez ficar muito curioso quanto ao conteúdo que vinha adiante.

Lendo a obra, não sei descrever bem minha impressão e reação. Na verdade, era uma mistura de estranheza, incompreensão, susto e atração. Mesmo sem compreender como alguns “ídolos” poderiam ser destruídos daquele jeito por um, ao menos para mim, desconhecido, não conseguia parar de ler e ser absorvido pela maneira absolutamente coerente e irretrucável como o autor expunha seu pensamento.

Ao fim da leitura, tive a certeza que eu não era mais o mesmo. Caíram os totens, ruíram as imagens de barro que estavam tão orgulhosamente postas em minha estante mental. Mesmo sem ter me tornado automaticamente o conservador retrógrado que sou hoje, o caminho já estava traçado.

Naquele momento, a estrada certa que eu seguia foi tomada por uma nuvem e suspendi minhas certezas políticas e filosóficas, revendo meus conceitos. Claro que isso durou algum tempo, afinal havia toda uma gama de novos autores, novas idéias que precisavam ser consultadas e analisadas para que eu pudesse fazer uma honesta comparação. E as comparações foram devidamente feitas. Lendo autores conservadores pude compreender o quão estava equivocada a visão progressista e como os ideais utópicos da esquerda eram falsos e maléficos. Mais ainda, dei-me conta do quanto fui enganado, usurpado em minha consciência, roubado em minha possibilidade de aprender as coisas como elas devidamente são. Percebi que durante toda a minha vida fui um receptáculo passivo de todo o lixo gramsciano, preenchido até a boca de palavras vazias que tinham o intuito único de agradar, mas não de demonstrar o que é real.

Voltando ao professor Olavo, minha homenagem é mais do que um agradecimento, é um reconhecimento de que ele foi a pessoa que me indicou, e até hoje me indica, o caminho das pedras para a compreensão de todo um cenário político e filosófico que se encerra diante de nós. E não tenho o mínimo receio de ser tachado como seu discípulo, ou como alguns pejorativamente chamam, de “olavete”. Isso é besteira. Todos precisam de mestres, de pessoas que sejam seus conselheiros intelectuais, que ensinem o que eles mesmos aprenderam e, de alguma maneira, encurtem o caminho que seus alunos devam trilhar.

Como o próprio Olavo, que não deixa dúvidas de que ele mesmo teve seus mestres, não me envergonho em nada em dizer que ele é o meu professor e dele absorvo o que há de mais profundo em matérias políticas e filosóficas.

Um dos motivos que me fez expor tudo isso é ver como tantos outras pessoas que passaram pelo ensinamentos do mestre, que absorveram dele quase tudo o que hoje proclamam aos quatro cantos, simplesmente agem como se tudo o que tivessem adquirido de conhecimento fosse fruto de suas próprias pesquisas e estudo. Uns têm a petulância ainda de dizer que o Olavo deu sua contribuição, mas já está superado; outros, talvez por um resquício de consciência, de vez em quando fazem uma citação quase que envergonhada de algo que o professor disse; e há outros, ainda, que simplesmente repetem aquilo que primeiramente foi dito por Olavo de Carvalho, omitindo completamente a fonte. O caso da ligação do PT com as FARC tem sido assim: articulistas, como o Reinaldo Azevedo, por exemplo, falam do Foro de São Paulo se referindo a ele como algo de notório conhecimento público, omitindo que, por muito tempo, Olavo de Carvalho fora uma voz quase isolada de denúncia daquele grupo.

Por essas e outras que achei devido colocar em meu próprio blog a indicação de que, tendo consciência de que o que tenho aprendido com Olavo de Carvalho é algo que durará por toda a minha vida, minha dívida filósofica com ele é perpétua. Perpétua porque após a morte não sei o que carregaremos daqui e o que nos será acrescentado. No entanto, nesta vida, minha dívida permanece.

Talvez alguns estejam enxergando nesse meu depoimento algum tipo de idolatria. Erram completamente os que entenderem assim. Minha admiração por Olavo não é pessoal, é intelectual – até porque não o conheço pessoalmente. Minha dívida é a gratidão por saber que sem a sua orientação ainda estaria repetindo os mesmos chavões dos senhores da academia. Se existe alguma coisa que falta neste mundo novo é isto: a gratidão. Não quero cair neste erro.