Perseguição ao pensamento que escapa da ideologia

Um país intelectualmente civilizado e evoluído tem como principal compromisso, na área da cultura, preservar seus representantes mais ilustres. Independentemente de suas preferências políticas, da religião que profere, de seu comportamento e até, nos casos mais extremos, dos crimes que cometeu, o grande pensador é um patrimônio nacional, que deve ser ostentado com orgulho por quem ama a terra onde vive.

Mas o Brasil é um país onde seus ditos intelectuais, principalmente aqueles considerados os guardiões da cultura nacional, são gente que sofre daquilo que Ortega y Gasset chamava de politicismo integral – característica típica do homem-massa, de pessoas medíocres. Gente que vê política em tudo e que julga tudo pela política. Pior, que rebaixa toda manifestação de pensamento – mesmo a mais alta e sutil – ao nível do discurso político.

Onde a classe letrada tem a convicção política acima da inteligência, nenhum pensamento superior subsiste. Pior, todas ideias são medidas segundo a régua da ideologia, o que rebaixa tudo aos níveis rasteiros das disputas partidárias.

Não é que os intelectuais não devam falar de política – muito pelo contrário! Mas deveriam falar e pensar política a partir de uma perspectiva superior e mais profunda, com base no que está além dos fatos cotidianos. O problema é que aqui no Brasil eles pensam sempre a partir da própria ideologia política que possuem, tendo ela como o ponto de referência para a avaliação do que tem ou não tem valor. Com isso, não há mais lugar para as ideias livres, mas apenas para os discursos de acordo com o pensamento dominante.

Onde, em seu meio cultural, prevalece o pensamento ideológico, contra os maiores pensadores, se eles não falarem de acordo com a linha ideológica dominante, prevalecerá, primeiro, a tentativa de ignorá-los, depois, quando isso não for mais possível, vão se esforçar por contestá-los, então, ao perceberem que a contestação foi inútil, vão procurar desmerecê-los e, por fim, ao verem que nada disso adiantou, buscarão destruí-los moral e até fisicamente.

Há o fato também da ideologia tornar as pessoas, mesmo letradas, burras. Isso porque ela formata, de acordo com seus estreitos limites, a visão de mundo dessas pessoas. Daí, quando um estudioso pensa e fala de uma maneira que ultrapassa esses limites, ele, querendo ou não, expõe essa burrice.

Por isso, tenho convicção de que toda a perseguição promovida contra Olavo de Carvalho – e que já havia sido experimentada em níveis menores por outros pensadores, como, por exemplo, Paulo Francis – ocorre, não apenas porque ele fala contra a ideologia dominante, mas porque suas ideias colocam à vista de todos a miséria intelectual da classe letrada brasileira, que é maciçamente submetida a essa ideologia. Independentemente da genialidade do professor, só o fato dele pensar fora da caixinha ideológica já o torna um inimigo declarado dos militantes aculturados. Afinal, a discordância pode incomodar, mas a exposição da própria idiotice desperta, em quem se tem por inteligente, os instintos mais ferozes.

A morte da ideologia

As ideologias estão morrendo.

Porque elas vivem da mentira, e não se sustentam em um mundo onde há liberdade de opinião e onde as ideias correm livremente.

Isso porque toda ideologia, para sobreviver, precisa negar a realidade e controlar as as narrativas, de maneira que suas fantasias sejam suportadas. 

Quando, porém, as ideias e as opiniões vivem soltas, como tem acontecido em nossa era digital, o controle das narrativas se torna impossível

Uma mentira é desmentida quase que imediatamente; 

Ninguém mais é o dono da versão oficial.

É por isso que as ideologias estão morrendo.

Elas sempre viveram de manipular as pessoas, contando suas mentiras e vendendo suas ilusões.

Agora, isso não funciona mais.

Da psicopatia à normalidade

Em qualquer país minimamente civilizado, o atentado sofrido por Jair Bolsonaro seria motivo de consternação em todas suas esferas. Em qualquer sociedade minimamente desenvolvida, a facada recebida pelo candidato seria a causa de reflexão profunda em toda a nação.

No entanto, vivemos no Brasil e aqui, em boa parte de seu povo, o que prevalece é o cinismo, a indiferença, o ódio e o completo desprezo à vida humana.

Parece que as dezenas de milhares de vítimas da violência brasileira estão dessensibilizando as pessoas em relação às vidas que são desperdiçadas diariamente em nossas ruas, a ponto de quando um homem sexagenário sofre uma tentativa de assassinato tão cruel isso acaba não significando muita coisa. Como na Guerra, onde as mortes já não causam mais nenhum efeito, aqui também está se perdendo a noção de como a vida humana realmente importa.

Falo isso porque o que eu vi, nesses dias pós-atentado, foi estarrecedor: jovens duvidando da veracidade do ocorrido, comediantes tripudiando do agredido, jornalistas minimizando a seriedade do fato e militantes até lamentando a imperícia do assassino. No entanto, de tudo, o que mais me incomodou foi ver a imensidão de gente comum, que sabidamente não tem nenhum vínculo político nem ideológico, tratando o atentado como algo trivial, indiferente, quase sem importância. O candidato que está a frente de todas as pesquisas de intenções de voto para presidência da República foi quase morto na rua e as pessoas tratam isso como se fosse tudo como um lance de uma partida de futebol, algo sem maiores consequências.

Quando, em meu artigo “Uma cultura psicopática”, me questionei se não estaríamos vivendo em uma sociedade psicopática, que cultiva a falta de empatia e a falta de sensibilidade, tinha em vista situações como esta que estou presenciando: de pessoas agindo, diante de um fato de extrema seriedade, como algo absolutamente trivial, senão desprezível. Logo nós, brasileiros, que nos gabávamos de ser calorosos e sensíveis, e até um tanto passionais, agora estamos nos mostrando frios, quase indiferentes ao que está ocorrendo. E não estou dizendo nem de uma consternação pessoal em relação ao agredido, mas da percepção óbvia da seriedade do fato e do momento no qual estamos vivendo.

Lembram-se daquela cena mostrando árabes comemorando o atentado do World Trade Center? Algo muito semelhante está ocorrendo aqui e agora. São hordas de jovens, principalmente, tratando todo o terror do fato ocorrido como fraude, mentira ou algo sem nenhuma importância. Quando não – e não foram poucos -, muitos deles até comemorando o atentado, dizendo que o candidato mereceu a facada.

Não se engane, porém. Tudo isso – a violência e o desprezo à vida – foi inculcado por uma ideologia esquerdista doentia, que se impregnou na mentalidade brasileira, e que nunca prezou pela valorização do ser humano. As valas, os paredões, os campos de concentração, o impulso ao banditismo, a violência e os atentados estão longe de ser acidentes na história socialista. Portanto, neste país onde essa ideologia infiltrou-se amplamente, a forma como muitas pessoas reagiram ao atentado sofrido por Jair Bolsonaro não é uma anormalidade, mas a consequência óbvia de décadas de modelação do pensamento de um povo segundo uma ideologia assassina.

No entanto – bom não se enganar com isso! – a solução para essa situação não virá de um plano de governo específico ou da aplicação de uma ideologia contrária. Pelo contrário, o único movimento salvador, que pode trazer racionalidade à nossa sociedade, é aquele que promova um retorno à vida baseada nos valores universais e eternos que sempre sustentaram a existência das pessoas comuns. Na verdade, o Brasil só precisa voltar a ser um país normal, sadio. Não há nada mais que devemos aspirar.

Pode até ser que as grandes ideias e os grandes líderes sejam os responsáveis por movimentar a história da sociedade, mas são as tradições e os valores comuns e naturais que sempre a sustentaram. Portanto, se quisermos resgatar as pessoas a sua normalidade devemos torcer para que a ideologia morra, de uma vez por todas.

Aliados inconfiáveis

Eu não confio em quem vive apenas de críticas a um certo tipo de pensamento, mas nunca deixa claro o que realmente pensa. Não acredito em quem demonstra muita coragem para atacar ideias alheias, mas afrouxa quando é instado a revelar as suas.

Isso por que esses críticos, enquanto os adversários coincidirem, podem parecer seus melhores aliados. No entanto, basta os adversários comuns serem derrotados para eles, ao vento das circunstâncias e dos interesses, virarem-se contra você.

E, quando isso acontecer, eles estarão em uma posição vantajosa. Porque a primeira regra da honestidade intelectual é revelar de que lado você está, o que defende, no que acredita. Como esses críticos sem rótulos nunca fazem isso, no momento que eles se virarem contra você terão todas as vantagens estratégicas de quem conhece em detalhes o inimigo, enquanto as características deles mesmos – no que acreditam, o que querem, o que defendem, em suma, seus pontos fracos e fortes – ficam camufladas.

No fim das contas, é muito melhor brigar contra os aloprados ideológicos que, a despeito de toda maldade, pelo menos são o que são, do que contra os falsos aliados, que, no momento que você precisa deles, não os encontra ao seu lado, mas prontos para apunhalar-lhe pelas costas.

Utopia liberal

A utopia não se manifesta apenas naquelas ideologias que imaginam um mundo futuro perfeito, mas inalcançável. Ela também é bem evidente no pensamento daqueles grupos que acreditam que as soluções de qualquer situação social ou política, mesmo para hoje, vêm da adoção, pura e simples, de uma ideia.

E não é isto que boa parte dos liberais fazem quando se trata das privatizações e da liberação do mercado?

Não que eles estejam errados quanto ao viés de liberalização e desestatização da economia. Pelo contrário, me parece que esse é mesmo o caminho a ser perseguido. Porém, quando eles acreditam, como muitos parecem acreditar, que a mera liberalização de tudo é suficiente para fazer as coisas funcionarem, me soa tratar-se da boa e velha utopia.

Basta observar com que arrogância e desprezo tratam qualquer um que meramente insinue que deve haver algum direcionamento legal na economia ou algum cuidado na privatização de empresas estatais para perceber o quanto esses liberais têm suas ideias como realmente a solução infalível para todos os males (o que vai de encontro com um sério princípio conservador e não difere em nada de qualquer proposta ideológica).

Esses liberais condenariam até Hayek, que escreveu que “essa ênfase na natureza espontânea da ordem ampliada ou macro-ordem pode ser enganosa se passar a impressão que, nela, a organização deliberada nunca é importante”. Leia-se ordem ampliada como a sociedade de mercado e organização deliberada como leis que direcionem esse mercado.

Acredito que os liberais estão certíssimos ao lutarem por menos Estado e menos regulamentos. Porém, também acredito que pecam quando fazem isso crendo que a solução que propõem é óbvia e natural, dando seus resultados como se estivéssemos lidando com um problema matemático e não com a complexidade típica das relações sociais e humanas.

O que dizem e o que é

Veja a contradição: aqueles que não têm ideais, nem professam ideologia, são tidos por mais egoístas, individualistas e indiferentes. No entanto, estes mesmos, pelo fato de respeitarem o interesse individual e entenderem que, por isso, não podem impor suas ideias sobre ninguém, acabam respeitando o senso comum, as leis e aprendendo que devem abrir mão de certas convicções em favor da paz social e do bem comum. (mais…)

Instabilidade da política

Para detectar um pensamento ideológico basta observar se seu portador entende que suas concepções políticas são a solução indiscutível para os problemas sociais e que nenhuma outra ideia que se contraponha a elas seja aceitável. Alguém que pensa dessa maneira, seja comunista, liberal ou conservador, extrapolou a área razoável de alcance daquilo que defende e entrou na zona da ideologia, que é fanática, por definição.

O fato é que, em matéria de concepções políticas, não há verdades, mas possibilidades, expectativas e propostas. Há ainda as circunstâncias e os tempos. De fato, algumas ideias já se mostraram melhores que outras, mas nem isso as torna absolutas.

Tratar política como ciência, portanto, é elevá-la a um patamar no qual ela jamais poderá estar. Até porque não há nada de estável na política, que é o pressuposto elementar de qualquer ciência.

Briguento quixotesco

Alguém que não tenha consciência da complexidade da vida, não está pronto para escolher de qual lado deve estar. Como pode fazer isso, se sua perspectiva é unilateral, escolhida, invariavelmente, por afeições subjetivas e sentimentos superficiais? E ainda que seu lado seja fruto de uma tradição, apesar da não estar tão longe da verdade, ainda assim corre o sério risco de compreendê-la tortuosamente, sem as sutilezas e detalhes que lhe são características.

O mal, que Chesterton chama de concentração espiritual, ou seja, o vício de olhar tudo sempre sob o mesmo ponto de vista e obcecar-se por uma ideia única, afeta, sem dúvida, todos aqueles que mergulham em movimentos ideológicos e seitas heterodoxas, mas, por mais que isso pareça estranho, também ocorre, com certa frequência, mesmo em quem se diz conservador e defensor de liberdades.

Canso de testemunhar tradicionalistas, conservadores, liberais e direitistas que, em princípio, parecem se afastar do espectro ideológico, falando, pensando e agindo exatamente da mesma maneira que qualquer militante revolucionário. Sim, pois a partir do momento que não conseguem enxergar nada além de suas próprias perspectivas e as têm como a solução absoluta para todos os problemas mundanos, podem até não urrar nas ruas, mas pouco se diferenciam dos rebeldes barulhentos.

Longe de mim sugerir que o certo seria manter-se em uma zona indefinida, sem opiniões e sem partidarismos. Eu mesmo, vocês sabem, estou longe de fazer isso, expondo minhas ideias com o máximo de claridade possível e sem medo de tomar posição. O que eu entendo ser perigoso é fazer isso sem considerar as ideias a partir de pontos de vistas múltiplos, entendendo as razões que levaram às suas criações, para, a partir disso, tomar as próprias decisões.

Quem se fecha dentro de uma visão cerrada, como em um castelo, agindo como se fosse um guerreiro que luta contra seus inimigos, pode até parecer, para os olhares mais incautos, um templário ou um herói, porém, de fato, há uma grande chance ser apenas um briguento quixotesco, atacando seus próprios moinhos de vento.