A revelação não despreza a razão

Pierre Lecomte du Noüy inicia seu livro, O Homem e seu Destino, afirmando que há, para o homem, dois caminhos: o da razão e o da revelação, sendo que este seria como um caminho direto, para poucos, e, apesar de considerá-lo superior, seria algo independente da razão. O autor, com isso, acaba por tratar a revelação como uma via esotérica e, certamente, gnóstica.

Muitos cristãos, por seu lado, costumam cometer esse mesmo tipo de equívoco. Não é difícil testemunhar o tratamento que dão à revelação como algo que sobrepuja a razão. Para eles, a revelação é como uma abertura imediata ao conhecimento das realidades superiores, fazendo com que o homem, como que por um salto, saísse da ignorância para o conhecimento da verdade.

O que não percebem, é que esta é uma visão essencialmente gnóstica. O gnosticismo privilegia o acesso direto às verdades superiores, seja por meio de fórmulas, ritos ou experiências místicas. O cristianismo, porém, jamais ensinou isso.

A revelação cristã se baseia no conhecimento humano para, a partir dele, conduzir o homem a verdades superiores. Por isso Cristo usava parábolas e Deus ofereceu visões. De qualquer forma, umas e outras ensinavam sobre realidades superiores, mas usando dos elementos conhecidos.

Na verdade, a revelação cristã é progressiva, pois ensina conforme o estágio humano de conhecimento. É por isso que as Escrituras dizem que Cristo se revelou na plenitude dos tempos. Naquele momento, o conhecimento acumulado dos homens permitia a compreensão da identidade do Messias.

Não há, portanto, no cristianismo, o desprezo da razão. Pelo contrário, ele se apresenta na presunção de sua existência, estimulando-a e conduzindo-a, de forma que a verdade seja progressivamente compreendida.

Os saltos às verdades superiores não existem. O homem apenas pode conhecer a verdade pelo acúmulo das informações e a correta interpretação delas. O que a revelação faz é apenas apresentar novas informações que seriam impossíveis de serem conhecidas sem ela, mas que, mesmo assim, só podem ser compreendidas se houver um prévio entendimento de seus significados.

Publicado originalmente no Núcleo de Estudos Cristãos

 

A inferioridade dos iguais

Toda ideologia de gênero e racial não se contenta com o oferecimento da igualdade de direitos ou de oportunidades. Ela vai além e usurpa o aparelho estatal para impor essa igualdade, como uma forma de compensação, em favor de grupos específicos. Ao fazer isso, acaba por tratar de maneira desigual os iguais, contradizendo exatamente aquilo pelo que afirma lutar. Seu grito é de igualdade, mas ao requerer normas que lhes favoreçam, neste exato momento, proclama sua inferioridade.

Quando, por exemplo, a lei determina que os partidos políticos devem ter um número mínimo de mulheres candidatas e exige que eles invistam uma porcentagem de seus fundos partidários para financiar campanhas femininas, há, nessa regra, uma afirmação implícita de que homens e mulheres não são iguais, tanto que elas precisam do uso coercitivo da norma a fim de obter uma pretensa igualdade.

O mesmo ocorre com o indiscriminado oferecimento de cotas conforme a raça. Ao determinar que certa raça tem direito a um número mínimo de vagas em um concurso, por exemplo, a lei está afirmando que ela não é igual as outras e precisa do apoio estatal para se estabelecer.

Se a Constituição Federal diz que todos são iguais perante a lei, o princípio da isonomia conduz a que todos devam ser tratados da mesma forma, a não ser aqueles que, por algum motivo específico, possuam algum fator distintivo que os torne diferentes e inferiores.

Por isso, leis especiais para gênero, raça ou preferência sexual são uma afronta à coletividade. Sempre que um grupo, composto por pessoas que não possuem qualquer traço distintivo que os diminua diante dos outros, é beneficiado por leis específicas, é certo que estamos diante de uma imposição tirana. São pessoas com as mesmas possibilidades e capacidades que as outras, porém que se socorrem da ideologia impregnada na cultura e no aparelho estatal para conquistar vantagens não concedidas a outros grupos.

Sempre que há um direito compensatório, é certo que estamos diante de uma afronta. E os grupos que o conquistam fazem questão de tripudiar do resto da sociedade com isso. Mas apesar de comemorarem tais conquistas, não se deve esquecer que elas foram adquiridas às custas de sua própria honra, pois apenas as alcançaram declarando, ainda que implicitamente, que são inferiores.

 

Somos o que pensamos

Se há uma determinação bíblica para o arrependimento, para a conversão, para a escolha em favor de uma vida virtuosa, de uma vida com fé, isso significa que há, dentro de cada pessoa, a capacidade de decidir seu destino. Portanto, pode-se dizer que o que somos, e o que nos tornamos, é, de alguma maneira, fruto das escolhas que fazemos. E nestas escolhas se encontram, não apenas as atitudes a serem tomadas, as decisões práticas da vida, como a profissão que devo escolher, com quem devo casar ou qual igreja frequentar, mas (e, talvez, principalmente) os conteúdos que serão assimilados no decorrer da existência e que, certamente, irão moldar a forma de pensar, a própria visão das coisas e do mundo.

Por isso, a importância de não ser um personagem passivo na relação com aquilo que será absorvido durante a vida. A pessoa não pode, simplesmente, deixar com que os conteúdos venham até ela, sem qualquer critério, sem que haja uma seleção, sem refletir sobre a conveniência, sobre a utilidade do que está absorvendo. Se o indivíduo é o responsável por sua vida, então essa responsabilidade inclui também aquilo que ele consome e que irá, certamente, refletir em seu próprio caráter.

É por isso que o apóstolo Paulo, em sua carta à Igreja em Filipos (Fp 4.8), aconselha as pessoas a pensar naquilo que é verdadeiro, honesto, puro, amável e de boa fama. Ele insiste que nestas coisas elas devem meditar, nelas devem refletir. E esta não é uma mera determinação moral, mas um aconselhamento prático que, acatado ou não, aí, sim, trará consequências morais óbvias, apesar de diferidas.

Isso porque o que nós pensamos acaba sendo, de alguma maneira, aquilo que nós somos. E o que se encontra nas palavras de Paulo é o reconhecimento de como aquilo que nós absorvemos e recolhemos dentro da nossa mente acaba sendo o que irá definir quem nós seremos.

Nisto, fica evidente a seriedade da escolha que fazemos em relação aquilo que lemos, ouvimos e vemos. E também, obviamente, daquilo que deixamos de ler, ver e ouvir. Porque algumas pessoas acabam acreditando que, se o que absorvemos pode nos prejudicar, é melhor não absorver nada. Grande erro!

O problema é que não assimilar nenhum conteúdo é impossível. Quem não seleciona o que consome, o que absorve, se torna um sujeito passivo, assimilando, ainda que de maneira inconsciente, tudo o que aparece em sua frente. Não há como se fechar às influências externas, para os dados com os quais se deparam cotidianamente. O máximo que se pode alcançar é tornar-se consciente desse processo e tentar separar o que deve ser absorvido daquilo que deve ser rejeitado.

O preceito bíblico aqui trata exatamente dessa capacidade humana de escolher o que pode ser bom e útil, e rejeitar o que é prejudicial. É importante frisar que o texto não trata apenas de rejeição, mas de escolhas. O que o apóstolo aconselha é que as pessoas pensem naquilo que eleva, que conduz a uma vida superior, que aproxima da verdade e de Deus.

No fim das contas, a Bíblia está afirmando que o homem se transforma naquilo que ele pensa. Se pensa em coisas boas e superiores, vai se tornar alguém elevado e superior. Porém, quem enche a cabeça de lixo, não tenha dúvida alguma, que é em lixo que irá se transformar.

 

Não se deve ceder às minorias organizadas

Em lutas políticas, principalmente naquelas que servem para reivindicar direitos específicos, de grupos minoritários, já se aprendeu que a obtenção de pequenas vitórias é capaz de causar um efeito devastador em favor da derrubada dos empecilhos que impedem o alcance dos objetivos mais amplos desses movimentos.

É por isso que eles costumam demandar imensos esforços para obter conquistas que parecem minúcias diante de todo o desejado. Aceitam, muitas vezes, abrir mão de reivindicações maiores, em favor de ganhos aparentemente pequenos, porque sabem que estes têm uma força de contaminação muito forte, empurrando o movimento para futuras vitórias maiores.

Foi assim quando, após algumas derrotas, um grupo americano em favor dos direitos gays, depois de se deparar com imensas dificuldades para terem atendidas suas solicitações contra o que diziam ser direitos homossexuais, passaram, em 1972, a lutar por algo que, em princípio, parecia bem mais modesto: a mera reclassificação, na Biblioteca do Congresso, da categoria sexual, que era tida como um distúrbio, para uma outra específica, sem aquela conotação.

E quando conseguiram o que pediram, o resultado disso foi impressionante, fazendo uma verdadeira revolução na vida política americana, abrindo o caminho para diversas outras conquistas que, até hoje, estão colocando a sociedade americana de cabeça para baixo.

Por isso, quem se coloca na batalha política, mesmo aqueles que são meros analistas, deve entender que não há concessões possíveis quando se pensa em disputas com grupos minoritários. Muitas vezes, após a pressão que estes impõem, muitos de seus adversários costumam permitir que obtenham pequenas vitórias, acreditando que, assim, aplacarão o anseio que têm por mais conquistas.

Ledo engano! Uma pequena concessão, que, aparentemente, pode parecer uma forma de acalmar os ânimos, na verdade serve apenas como pólvora para que, logo em seguida, outros direitos comecem a ser reivindicados e, consequentemente, outras conquistas sejam alcançadas.

Essas pequenas vitórias são o estopim que gera nos grupos organizados um acesso de confiança que lhes permite seguir com suas reivindicações com ainda mais ânimo e voracidade.

Quem os enfrenta, portanto, deve saber que quando eles cedem, aceitando conquistas menores, mas, que são, ainda, conquistas, de qualquer maneira, longe de estarem dando parcial razão aos seus adversários, na verdade estão oferecendo para seus militantes o alimento necessário para que se tornem ainda mais fervorosos em sua luta.

Por isso, não há concessão possível! Toda vez que avançarem em suas lutas, por mais ínfima que pareça a conquista, é bom saber que mais forte se tornam. Portanto, a única forma de enfrentá-los é com o implacável objetivo de não ceder-lhes um palmo de território sequer.

A arrogância dos manipulados

Se o pensamento moderno privilegia o subjetivo, então seria normal que cada pessoa pensasse de um jeito muito peculiar. Se não é a realidade externa a autoridade, mas os conteúdos do pensamento individual, deveríamos testemunhar uma infinidade de manifestações absolutamente originais. O que vemos, no entanto, é apenas a repetição dos mesmos chavões e das mesmas fórmulas. O que acontece, então?

Obviamente, algo está sendo inoculado, desde fora, na mente de todas essas pessoas, fazendo com que elas raciocinem de maneira uniforme, tornando suas manifestações apenas um mais do mesmo infinito, sem nada que possa identificar qualquer criatividade, originalidade e mesmo identidade em alguma delas.

Isso só é possível, exatamente, porque elas acreditam que a realidade que importa é aquela que está contida dentro de suas cacholas. Como a realidade da experiência lhes é desprezível, elas não têm onde encontrar a explicação das coisas senão em si mesmas. Assim, aqueles que pretendem manipulá-las, sabem que não precisam fazer o esforço da alterar nada da realidade, que é resistente a qualquer mudança. Basta-lhes inculcar o que eles querem na cabeça dessa gente que, logo, elas começam a acreditar que tudo aquilo que foi colocado em suas cabecinhas nasceu de dentro delas, e não tardam a propagandear isso aos quatro cantos.

Como são arrogantes, acreditando que o que acham que sabem é a mais pura expressão da verdade, vão repetir o que lhes foi enxertado com ares de autoridade, com jeito de originalidade, com aspecto de certeza. Mal sabem elas que são apenas ratinhos de laboratório, programados para replicar tudo aquilo que seus engenheiros manipuladores determinarem.

E vão fazer isso alegremente, crendo serem a vanguarda da intelectualidade, o supra-sumo do pensamento, os representantes da mentalidade independente. Coitados! São apenas uns macaquinhos.

A entrega exigida do autor intelectual

A vida intelectual é um vai e vem constante de ideias que, como ondas, se aproximam e se afastam

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Para empreender uma vida intelectual produtiva, muita concentração é exigida. Não apenas aquela atenção necessária para o momento da produção, mas uma consciência quase intermitente das razões fundamentais e dos objetivos buscados. Como o trabalho intelectual, quase nunca, é fruto de um átimo, não basta separar momentos de isolamento e dedicação exclusiva, mas é preciso que a matéria da qual trata esteja constantemente na mente do autor.

Para que isso se torne realidade, o que ele deve achar é aquele pensamento essencial que será o alicerce de todos os outros. Sem ele, a produção intelectual é impossível. É por isso que é tão difícil esse empreendimento. Por isso, tão poucos enveredam por essa estrada. Eles sabem que não há nada mais tormentoso para o homem do que fazer com que seus pensamentos sejam claros e coordenados. O esforço exigido é muito grande. E não há nada no que sejamos mais preguiçosos do que no exercício mental.

Na verdade, a vida intelectual é uma vai e vem constante de ideias que, como ondas, se aproximam e se afastam. Às vezes, elas são nítidas e fortes, podendo ser descritas com fidelidade, outras vezes são apenas uma imagem pálida, distante, que dão apenas uma sugestão do que realmente são. Como o autor, porém, não sabe se na hora do seu trabalho essas ideias estarão próximas e nítidas ou distantes e indiscerníveis, seu desafio é, mesmo nos instantes de descanso, tornar tais pensamentos mais constantes e mais claros, a fim de que possam ser colhidos a qualquer momento.

O que eu quero dizer é que quem produz algum trabalho intelectual não pode ficar à mercê da inspiração ou do insight. Eles são úteis e, muitas vezes, são o início de um trabalho relevante. Mas a obra intelectual, mais que o compartilhamento de momentos de genialidade, é o desenvolvimento de algo grandioso, que se revela aos poucos, até se mostrar como uma obra sólida e bem trabalhada.

De fato, um trabalho intelectual é mais do que o reflexo de uma inteligência arguta, mas o produto de uma mente insistente, que, o tempo todo, procura dar cores nítidas a ideias que, em princípio, são apenas pensamentos lívidos.

Por isso, diz-se que a vida intelectual é uma entrega. Quem decide por ela, não mais tem a paz dos ignorantes, que amortecem seus cérebros, evitando exercitá-los na tentativa de compreensão da realidade. Quem escolhe a vida intelectual deve saber que, a partir desse momento, terá a tensão como companheira, pois os elementos a serem concatenados são diversos, os recursos para juntá-los, escassos, e a energia para unificá-los, reduzida.

O perigo da busca pela igualdade

Não se deve confundir política com altruísmo. Sendo algo que trata da coisa pública e do interesse comum (de fato, de interesses diversos), o mero fazer o bem, na política, como o ato de desapego que oferece para o outro algo que é seu, não existe.

Não que a política necessite ser essencialmente egoísta. Mas, como ela trabalha com direitos e deveres e propriedades alheios, e o altruísmo exige que quem o pratique disponha do que é seu, vemos que falamos de coisas de naturezas completamente diferentes.

Não que eu advogue um maquiavelismo puro e simples, mas o florentino, a despeito da malignidade de suas propostas, entendeu bem que, quando o assunto era política, o que estava em jogo era o poder e os interesses, não a caridade.

Além do mais, nem é preciso que as pessoas sejam essencialmente altruístas para ajudarem-se mutuamente. Basta que cada um busque, legitimamente e com respeito aos direitos alheios, seus intentos, sua felicidade. As necessidades diversas geram demandas diversas e oportunidades diversas. E isso os constituintes americanos entenderam perfeitamente, tanto que fizeram constar o direito à busca da felicidade em sua Carta Maior.

Até porque, olhando em retrospectiva para a história, aqueles que prometeram a igualdade a todos, foram os que causaram os maiores males. Foram os propagadores do mundo igualitário, que se fingiam altruístas, que assassinaram mais gente e colocaram mais pessoas na miséria absoluta.

Por outro lado, a nação que mais estimulou o lucro, o empreendedorismo, a corrida pelo sucesso econômico, a competição e a concorrência foi a que conseguiu mais elevar o nível de vida do seu povo, chegando mesmo a corrompê-lo com tanto luxo e facilidades.

Mas por que, então, mesmo diante de fatos notórios, tantos ainda insistem em louvar a igualdade, quando já ficou claro que sua busca é maléfica e seu intento impossível? Isso não é difícil entender! Basta observar que quem reclama por igualdade, invariavelmente, está em posição inferior. Quem se encontra em um nível acima, nunca abre mão de seu status em favor dos de baixo. Assim, é evidente que toda reivindicação por igualdade é motivada pela inveja. O sucesso alheio, a conquista do outro e tudo aquilo que não foi possível, seja por que motivo for, a uns, causa nestes o sentimento de injustiça, que, para eles, precisa ser remediado.

Nisso, como não podem superar, por si mesmos, essa desigualdade, clamam pela intervenção estatal, como crianças correndo para pedir ajuda ao pai, diante dos malvados que lhe ameaçam. Então, promovem os governos, como se estes tivessem a obrigação de tornar todos iguais, ignorando, por completo, não apenas as diferenças naturais, mas, principalmente, a diversidade de interesses, empenho, força e mérito.

Surge, daí, o Estado gigantesco e poderoso, que se encontra no direito e na obrigação de colocar suas mãos em tudo, de tentar fazer com que ninguém se destaque, de nivelar todos, a fim de, conforme os espertos entendem, promover a justiça social.

E o governo desse Estado se promove exatamente na promessa de oferecer igualdade entre todos. Em países que governos assim se estabelecem, o empresário é tido por ganancioso e mau, enquanto o governo se apresenta como o verdadeiro altruísta, pronto a conceder aqueles que mais precisam o que é necessário para o suprimento de suas necessidades.

Ocorre que para o altruísmo exige-se a propriedade. Apenas faz caridade quem tem algo a oferecer e abre mão disso em favor do outro. E o Estado nada possui. Tudo o que ele dá, necessariamente, precisa tirar de alguém. Portanto, o altruísmo, como política governamental, é sempre um furto.

Ademais, o resultado dessa falsa filantropia é sempre desastroso. Se alguma igualdade governos assim conseguem distribuir, é a igualdade na miséria. Se alguma prosperidade conseguem promover, é a da minoria privilegiada e parasita, que se atola na riqueza expropriada da maioria produtiva.

Por isso, quem canta por igualdade, sabendo ou não, longe de promover o que quer, está, de fato, atraindo a miséria. Não bastam as palavras bonitas e as boas intenções, é preciso que tudo se harmonize com a realidade. Mas a ideologia é burra demais para se importar com isso.

Imagine o mundo de Imagine

Entre as diversas músicas que louvam o mundo moderno, Imagine, de John Lennon, pode ser considerada um hino. Tanto que, quando querem celebrá-lo, sempre aparece alguém interpretando essa canção. E a comoção é evidente. Ao ouvi-la, as pessoas sentem-se imbuídas daquele sentimento nobre, que torna-as mais fraternas e tolerantes.

Os dois acordes iniciais, reconhecidos de imediato por uma geração embevecida na utopia do mundo perfeito, pacífico e harmonioso, soam como a esperança que não morre, de um dia não ver mais cenas de horror, como acontecidas nos atos de terrorismo, empreendidos contra uma Paris boêmia e mundana.

O que as pessoas, anestesiadas pela vontade de viver em um mundo onde possam desfrutar, sem serem incomodadas, de seus prazeres carnais, não vêem é que seu sonho é impossível. O que elas não querem entender é que a realidade é bem mais cruel e violenta e não são suas declarações de paz e suas músicas de amor que irão transformá-la.

Ainda mais canções como esta do ex-Beatle, que, o que não percebem os cidadão civilizados, contém, não a solução para o mundo em guerra, mas a fórmula para torná-lo inviável para a paz. Ao cantarolar sua letra, o esperançoso, ao invés de apresentar a cura, expõe a doença ocidental. É exatamente a crença na proposta de Lennon que está destruindo o nosso mundo. É a ideia que está contida em sua canção que está fragilizando o Ocidente. Ainda assim, ela continua sendo o hino dos estúpidos, dos idiotas que acham que podem alcançar a paz com bandeiras brancas e a liberdade com romantismo.

E o problema Ocidental se encontra, exatamente, em seu secularismo. Quanto mais ele nega seus fundamentos, que é essencialmente religioso, mais ele se afunda em uma vida sem sentido, preocupada somente com o agora, e, por isso, incapaz de lidar com os problemas que fogem de seu raio de compreensão. Negam o transcendente e, assim, não entendem mais nada. E o que Lennon faz é exatamente conclamar seus ouvintes a negarem qualquer esperança redentora, qualquer realidade superior. Nisto, ele, pensando estar salvando a humanidade, chafurda-a mais em seu próprio lamaçal, lançando-a mais fundo em seu abismo.

Seu erro está, essencialmente, no fato de não compreender a essência religiosa do ser humano. Não entende que a abolição da religião não fará nascer, como ele anseia, uma sociedade plenamente secular. Na verdade, ele ignora que o vazio religioso será imediatamente preenchido por alguma crença, seja ela qual for. Não é à toa que este mundo secularista, promovido por Imagine, não tem se tornado mais ateístico, mas, sim, mais místico, mais supersticioso. Não é o ateísmo que mais cresce, mas o ocultismo, o esoterismo e, obviamente, religiões como o islamismo. Quando a canção propõe esquecer as religiões, tendo, como alvo, obviamente, o cristianismo, ela promove não seu fim, mas sua substituição. E o que vem para o lugar dele é muito pior do que qualquer agnóstico sequer poderia imaginar. Querem a paz secular, terão a guerra das religiões violentas; querem a liberdade de pensamento, terão a imposição da fé à espada. Querem extinguir o cristianismo, que lhes permitiu serem ateus, e receberão o islamismo, que os forçarão voltar-se à Meca, cinco vezes por dia.

Na verdade, esses secularistas são incrivelmente cegos para a realidade que os cerca. Eles gritam por liberdade, mas promovem a escravidão, conclamam a paz, facilitando a guerra. É assim quando Lennon propõe, também, um mundo sem fronteiras, onde não existem mais países. De forma inocente, ele crê que isso, junto com o fim das religiões, trará a paz. O que ele não percebe, é que um mundo sem nações não significa um mundo sem governo. E se não há mais uma diversidade de poderes, haverá ao menos um grande poder. Portanto, o que está sendo promovido na canção é, nada menos, que um Governo Mundial.

E esta autoridade planetária só pode existir sendo o supra-sumo ditatorial. Apenas o totalitarismo é capaz de gerir o mundo inteiro. E seria uma ditadura plena, inescapável, senão pela morte. Haveria um único governo, determinando tudo o que desejasse, proibindo tudo o que quisesse, dentro de seus limites inexpugnáveis, que envolvem o globo inteiro. Imagine, portanto, ainda que sonhe com a paz, o que faz é conclamar à mais absoluta tirania. E as pessoas cantam alegremente essa bobagem, como se fossem os porta-vozes da liberdade, quando são apenas os megafones da escravidão.

Mas o delírio do homem contemporâneo não tem limites, especialmente porque ele insiste em ignorar a realidade, vivendo, muitas vezes, regado a boas doses de ácido, apenas em suas próprias fantasias. É assim quando ouvimos Lennon imaginando um mundo sem posses, o que ele acha que exterminaria a ganância e a fome. Sabemos, muito bem, que quem prometeu acabar com as posses, distribuiu a miséria, expropriando aquelas mesmas posses em favor de sua elite. Lennon sabia disso, mas preferia viver em sua fantasia. Ele só não saberia explicar como fazer para alimentar tanta gente, sem as grandes fábricas capitalistas, sem o lucro que as move. Talvez ele pensasse no mundo todo divididinho em pequenas propriedades, onde cada um plantaria sua alface, seu tomate e sua batata e viveria feliz, do escambo das verduras, na alegria de passar o dia inteiro entre as hortas, sem o luxo e o conforto dispensáveis, dos quais, aliás, Lennon fez uso abundantemente.

Mas o ex-Beatle insiste que tudo isso não é uma ilusão, não. Ele deixa claro que não é apenas um sonhador. Mas isso não é difícil de entender. Os loucos jamais se acham loucos. Eles realmente crêem que o que dizem é a mais absoluta verdade, que seus planos são perfeitamente exequíveis. Ainda que a realidade mostre, com todas as evidências possíveis, que estão errados, não abrem mão de suas razões. E como loucura e talento não são incompatíveis, muitas vezes homens como ele conseguem entregar suas insanidades em vestes bem bonitas, como é o caso dessa sua canção.

Só que Lennon era louco, apenas isso. E sua insanidade ficou evidentemente impressa nessa música, que fala de uma utopia, que nem seria tão perigosa se se mantivesse como uma impossibilidade consciente. Ocorre que os loucos não reconhecem impossibilidades, e pregam seus delírios como se fossem a proposta mais trivial. Mas tudo isso ainda não seria perigoso se fosse a doença de um artista, apenas. O problema é que, como um vírus, essa enfermidade se espalhou pelo Ocidente, causando delírios coletivos, tornando uma parcela da população insana o suficiente para acreditar que há alguma possibilidade na proposta estampada em sua letra.

Portanto, para não se contaminar, proponho eu: imagine-se vivendo no mundo de Imagine. Como diria o próprio cantor: isso não é tão difícil de fazer. Mas você precisa, se quiser ver a verdade, se libertar da mentalidade doentia que tomou conta do músico inglês, e, com a consciência da realidade, verificar que sua proposta não é capaz de conduzir ninguém a um lugar de paz e harmonia, mas, pelo contrário, escancararia as portas para a implantação da mais abjeta opressão, da mais sufocante tirania e do mais sanguinário terror.

A falsa moral contemporânea

Não sou um santarrão, nem tenho a pretensão de agir como um puritano. Tenho muitos defeitos para isso. Quando, mais novo e imaturo, acreditei que podia alcançar tal perfeição, apenas acumulei certa arrogância, ainda que sutil. É que todo pretenso santo impõe um padrão que acaba servindo não apenas para si mesmo, mas, obviamente, para o julgamento alheio.

É certo, porém, que a moralidade é necessária. Um povo sem fundamentos morais tende a desaparecer. São eles que dão o sustento para a construção da sociedade e a mantém saudável. Por mais que isso incomode os libertários e revolucionários, não há como, simplesmente, negar a moralidade como se ela fosse dispensável. É preciso aceitá-la, para a própria sobrevivência.

O problema é saber qual a moral aplicável. Isso porque mesmo os movimentos revolucionários se basearam em uma moral rígida. Porém, era uma moral infernal, uma réplica mal feita e corrompida da moral cristã. E a moral, quando não baseada nos princípios corretos, se torna pior que sua ausência.

Basta ver como o mundo de hoje, politicamente correto, tenta impor sua própria moral sobre todos. Demonstrando afetação quase histérica, ele exige que todos obedeçam sua cartilha ditatorial, onde é errado dizer muitas coisas, fazer muitas coisas, pensar muitas coisas.

O problema é que a moral que sustenta essa imposição atual é falsa, principalmente porque não se baseia em nada, senão em uma tíbia lembrança de um tempo onde ainda existiam coisas certas e erradas. Assim, apesar de o mundo contemporâneo afirmar que muitas coisas devem ser proibidas, ele já não sabe dizer por que. E nisto, as causas que mais se destacam são aquelas que interessam aos grupos mais atuantes.

No fim das contas, a sociedade de hoje acaba sendo mais moralista que muitas outras anteriores, mesmo bastante religiosas. O problema é que a moral atual não tem princípios. Ela se baseia em sentimentos, em sensações e, pior, em interesses. Não tem como dar certo e serve só para impor sobre os outros impossibilidades conflitantes. É apenas um pretexto para os tiranos.

Por isso, antes da moralidade, a verdade. É esta que estabelece os padrões daquela, e não o contrário. A moral precisa ser estabelecida por algo que transcenda os indivíduos. A moral é transcendente, pois apenas o superior pode determinar o certo e o errado. Quem não acredita nisso, fingindo lutar por algo superior, apenas sufoca os outros com a própria vileza.

Razão e método na pedagogia

Todo bom professor é, de alguma maneira, corrosivo. Sem o intuito de carcomer os vícios que se impregnam na alma discípula, sem querer consumir os empecilhos naturais que atravancam o conhecimento, não se faz verdadeira pedagogia. Esta clama por alguém que não se satisfaz com o que está, mas que possui a ânsia por mexer com o que existe dentro do aprendiz. Há o interesse pela matéria e o amor pelos alunos, mas o que move um verdadeiro mestre é sua paixão pela transformação humana, por ver que o indivíduo não é mais o mesmo depois de sua atuação.

Não acredito, portanto, em pedagogos que são meros mediadores entre os fatos brutos e a mente vazia. Nem que esta pode, por si mesma, desabrochar. Isso é ligar o nada a lugar nenhum. Apenas aprende quem já possui algo em si mesmo. Só compreende quem tem os fundamentos para isso. Se não houver, tudo o que for absorvido se tornará um amontoado de ideias, sem método, sem ordem, sem sentido.

E esses elementos fundamentais não são imanentes. Não que o homem seja uma tábula rasa, mas o que sabe naturalmente é insuficiente para, por si só, concatenar os dados que se lhe apresentam. O estado humano bruto não oferece as condições para que uma cultura tão complexa seja apreendida e entendida.

É preciso, portanto, lançar as bases, preparar o terreno para que se possa edificar a mentalidade capaz de decifrar os significados por detrás da multidão de informações que se lhe apresentam. Este é o papel do professor, esta é sua missão.

Mas isso não se faz apenas pela informação. Não é assim que o ser humano se forma. Uma pedagogia eficiente se dá, de fato, por duas vias, que se completam e se encontram: o professor lançando os alicerces, ao apresentar sua compreensão da realidade, e mostrando o caminho tomado para atingir o seu intento. Tudo, afinal, é uma questão de razão e método e exemplo! Isso é o que basta para estremecer o espírito educando.

Por isso, não acredito em apostilas, em grades curriculares, nem em cadeiras. Não que não tenham alguma utilidade, mas são insuficientes para um ensinamento profundo. Eu apenas acredito no acompanhamento, pelo aluno, de seu mestre. É testemunhando sua atuação, é entendendo como ele faz, é absorvendo sua experiência e conhecimento que se forma, na alma humana, o ambiente propício para uma vida intelectual.

O resto é apenas informação; e isso qualquer pedaço de papel é capaz de fornecer.

Publicado originalmente no Núcleo de Estudos Cristãos