Categoria: Religião

Religião

Rebote irônico

Tolstoi conta que quando seu irmão mais velho lhe propôs que ele não pensasse em ursos brancos, a única coisa que vinha em sua mente era exatamente ursos brancos. Muitos anos depois, denominou-se rebote irônico o fato de quando tentamos afastar qualquer coisa do nosso pensamento tendemos a pensar ainda mais naquilo.

Vocês entendem porque algumas pessoas tornam-se obsessivas em relação aos seus problemas? Muitas vezes, é porque esforçam-se demais para tentar livrar-se deles.

Talvez, por isso, a melhor maneira de afastar um pensamento ruim não seja tentando esquecê-lo, mas fazendo exatamente o contrário.

Quando enfrentamos uma ideia desagradável, falando dela abertamente, aquilo que tinha tudo para tornar-se uma obsessão acaba até perdendo a importância.

Funciona assim: se nos esforçamos para nos livrar de algo, temos de pensar o tempo todo naquilo, o que o torna aparentemente relevante. Se, por outro lado, aceitamos a existência desses problemas e os encaramos abertamente, eles começam a parecer, como tudo que está facilmente disponível, como algo sem importância.

Assim, quem quer se livrar de pensamentos perniciosos, o melhor é falar deles, encará-los sem medos e principalmente sem supervalorizações desnecessárias.

Maus pensamentos não mordem e monstros só existem na nossa imaginação.

Ateísmo científico

Um cientista que não acredita em Deus ou, pelo menos, em uma força superior inteligente, estacionou suas investigações no meio do caminho.

É impensável, para qualquer mente minimamente racional, ao se deparar com a complexidade e ordem do mundo subatômico ou com a grandeza e harmonia do universo não concluir que haja uma mente inteligente por trás de tudo isso.

O problema é que esses cientistas detiveram-se nos processos específicos de sua área de observação. Deram-se por satisfeitos ao ver como as coisas funcionam em seu recorte específico da realidade.

Porém, esses cientistas preferiram fechar os olhos para as consequências daquilo que constatam – que levaria-os obviamente a pergunta sobre quem é o autor de tudo isso – e fecharam-se na ilusão de um mecanismo espontâneo.

Um cientista que não se pergunta qual é a causa última daquilo que observa está apenas brincando de ciência. É uma criança absorta na magia de seus brinquedos, divertindo-se com a maneira como eles funcionam e até dissecando-os para descobrir seus mecanismos, mas que nem se dá conta que esses brinquedos não estariam ali se não fossem seus artífices.

A insistência na pregação moralista

Cresci ouvindo, dos ministros religiosos que conheci, que os homens são pecadores e irremediavelmente tendentes ao mal.

Da mesma forma, ouvi, e continuo ouvindo desses mesmos pregadores, que devemos fazer isso, fazer aquilo, se quisermos ser aprovados por Deus.

Ou seja, ao mesmo tempo que aprendi que minha tendência é para fazer as coisas erradas, eu deveria estar fazendo as coisas certas.

No entanto, como esses pregadores querem que eu me livre desse paradoxo? Se minha tendência é para o mal, como eles acham que, de repente, eu vou começar a fazer o que é bom?

Eles acham que apenas a insistência na pregação moralista é suficiente para isso? Será por isso que eles têm esse tipo de discurso como o centro de suas palestras?

Na verdade, essa insistência apenas mostra como esses pregadores acreditam realmente na força das palavras que proferem e na capacidade dessas palavras alterarem a vontade humana a ponto de reverter uma tendência naturalmente irreversível.

Não me parece razoável esperar que algo irremediavelmente contaminado purifique-se a si mesmo. Pois é isso que esses pregadores estão fazendo quando acreditam que o mal impregnado nos homens pode ser revertido pela simples ação da vontade humana despertada por suas palavras.

Não que eu ache que as pregações moralistas estejam equivocadas. Muito pelo contrário! Elas são necessárias e fazem parte do repertório da mensagem religiosa. O problema está na ênfase que os ministros religiosos dão a elas.

A pregação moralista é útil como norte, como guia sobre o que é certo ou errado. Por meio dela, aprendemos o que deve ser feito e aquilo que a religião aprova. No entanto, tê-la como o centro do discurso religioso é, no mínimo, ineficaz – para não dizer uma tremenda teimosia.

Será que esses pregadores não se cansam de ficar falando e falando, reunião após reunião, sobre como as pessoas devem se comportar e ver que essas mesmas pessoas quase nunca se comportam da maneira como eles insistem em orientar?

Será que eles não percebem que, se o que se espera é uma mudança de comportamento, isso não pode vir do mero conhecimento daquilo que deve ser feito? Que não basta nem mesmo a decisão pela mudança? Que a razão e a vontade fazem parte do processo, mas não são causas diretas da transformação pretendida?

Quase sempre que eu observei mudanças drásticas de comportamento, isso não foi fruto de uma decisão racional, nem de uma determinação da vontade, mas como consequência de algo ocorrido no interior da pessoa.

Por isso, eu sou convicto de que antes de insistirem em pregações moralistas, os ministros religiosos deveriam ajudar e orientar seus ouvintes a uma busca espiritual mais profunda.

Infelizmente, poucos falam sobre isso.

Capitalismo e cristianismo

Cristãos, se forem coerentes com os escritos e tradição de sua religião, não têm como não experimentar um certo mal-estar ao ser favoráveis ao capitalismo e à busca pela prosperidade. Eu mesmo, no que parece uma bipolaridade intelectual, escrevo constantemente em defesa da riqueza e do capital, enquanto teço críticas à postura de quem dirige sua vida em favor das coisas materiais, perdendo contato com o que é superior. Tal atitude, eu tenho consciência disso, deve causar algum tipo de confusão em quem acompanha meus pensamentos.

O fato é que não há como negar que o cristianismo possui um histórico de, no mínimo, imposição de sérias restrições ao lucro, aos juros, ao acúmulo e à busca pela riqueza, que são o cerne do sistema capitalista. Textos bíblicos, como o que afirma que “é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que entrar um rico no reino de Deus” e outro que diz: “Louco! esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será? Assim é aquele que para si ajunta tesouros, e não é rico para com Deus”, além da conhecida tradição católica de condenação ao lucro e aos juros, deixam em uma situação constrangedora qualquer cristão que tente manter-se fiel à sua religião e permanecer favorável ao capitalismo.

Diante desse verdadeiro dilema, muitos não sabem se defendem abertamente o capitalismo, com o risco de não serem tidos como cristãos verdadeiros ou se mantêm a tradição cristã, sob pena de serem vistos como anticapitalistas ou mesmo esquerdistas.

No entanto, toda essa questão, vista desse maneira dualista, está muito mal colocada e necessita ser melhor compreendida, a fim de solucionar essa aparente contradição.

O fato é que não há nenhuma contradição entre o sistema capitalista, com todo seu impulso à riqueza e o cristianismo. Isso porque não há contradição entre a aplicação universal de um valor, um sistema ou uma ideia e, ao mesmo tempo, a condenação do abuso individual em relação a essa mesma ideia.

Por exemplo: todos somos favoráveis à liberdade, como um valor geral. Defendemos que as pessoas devem ser livres e ninguém deve estar sujeito a nada e a ninguém, senão por sua própria decisão. No entanto, ao mesmo tempo, condenamos aqueles que abusam de sua liberdade, que a usam para sua própria degradação e seu próprio mal.

Da mesma maneira, podemos defender o sistema capitalista, com seu fomento à busca pela riqueza, por meio do lucro, do acúmulo e dos juros e, ao mesmo tempo, condenar aqueles que usam desses meios de maneira desordenada, a ponto de perder-se em uma vida preocupada apenas com o dinheiro, com o luxo e com o que é relativo à matéria. Isso porque a defesa do capitalismo diz respeito a algo que é geral, como a liberdade, que mesmo mostrando-se benéfico como regra de aplicação universal, pode corromper o indivíduo que dele faz uso de maneira desmedida e desarrazoada.

Portanto, um cristão favorável ao capitalismo não precisa sentir-se constrangido de condenar o materialismo desmesurado que muitas pessoas praticam, buscando apenas os bens deste mundo e desprezando o que é espiritual. A pregação permanece a mesma: sempre que a atitude do ser humano privilegiar o material em detrimento do espiritual, o cristianismo a denunciará.

No entanto, essa pregação é unicamente moral e tem como alvo o indivíduo. Nunca será uma proposta de sociedade e jamais se tornará uma condenação ao sistema. É apenas um alerta para que a pessoa, em sua individualidade, oriente-se de uma maneira melhor diante de Deus.

Revolta contra Deus

Quase toda a revolta contra Deus não passa de uma birra juvenil.

Da mesma maneira que o adolescente enxerga nos pais o reflexo de sua própria impossibilidade, pois eles são, ao mesmo tempo, seu limite e seu freio, o revoltado vê em Deus sua própria insignificância e pequeneza, o que para seu ego inseguro lhe é insuportável.

Quase todo ateísmo não é mais do que uma expressão obsessiva por mostrar-se independente, tentando deixar claro para todo mundo que não vive sob as asas da autoridade divina.

É um esforço infantil por apresentar-se como dono de si mesmo, como senhor de seu próprio destino, como alguém que não precisa dar contas a ninguém.

Sempre quando vejo um ateu, lembro-me de minha adolescência, quando ameaçava meus pais de que iria sair de casa, arrumando minha mochila velha e enchendo-a com minhas tralhas inúteis.

No fundo, eu sabia que, por mais que eu os ameaçasse, por mais que eu reclamasse de sua suposta opressão, por mais que eu dissesse que queria minha liberdade e viver minha própria vida, lá no fundo eu sabia que dependia deles para tudo e que toda minha demonstração de rebeldia era apenas uma forma de sentir-me senhor de mim mesmo. Restava, então, se trancar no quarto e praguejar.

Os ateus militantes que me desculpem, mas eu não consigo olhar para eles e deixar de ver apenas crianças rabugentas, que batem os pés, que choram, só porque não podem fazer todas as besteiras que têm vontade.

Militância teológica

Um dos motivos do meu afastamento dos debates doutrinais-teológicos (e mesmo das conversas sobre teologia) foi minha percepção da insensibilidade generalizada em relação às nuances teóricas dos temas religiosos, que é quase a regra nesse tipo de situação.

Minha paciência esgotou-se ao ver tantas pessoas inteligentes se arrogando no direito de discutir assuntos tão sérios, como os teológicos, posicionando-se como meros militantes políticos, dispostos a tudo para vencer o debate, impassíveis em suas posições e incapazes de analisar os argumentos opostos dentro da perspectiva dos próprios opositores, o que seria um pressuposto óbvio da atuação inteligente em qualquer discussão.

O pior é vê-los, diante de diferenças sutilíssimas de interpretação, tratarem as ideias adversárias como absurdas, estapafúrdias. Agem, diante do detalhe, como se estivessem defronte o pensamento mais extravagante.

Os debates entre calvinistas e arminianos são o exemplo exato disso. Mas essa realidade pode ser estendida às conversas entre os cristãos de qualquer vertente.

É impressionante como ideias tão próximas, tão congêneres, podem ser tratadas como se fossem pólos diametralmente opostos e seus defensores acusarem-se mutuamente de exporem absurdidades.

A verdade é que um sinal claro de inteligência é a capacidade de percepção e separação, de um lado, das ideias que são absurdas, que se manifestam como um verdadeiro nonsense, e de outro, daquelas que, apesar de constarem no repertório adversário, possuem uma coerência interna que, no mínimo, deveria merecer respeito.

E o fato é que a grande maioria dessas teses teológicas são deste último tipo, dificilmente podendo ser consideradas absurdas em si mesmas. Todas elas, de alguma maneira, encontram sua razão em algum fundamento reconhecível, seja no texto, seja na lógica, seja no bom senso, seja na história.

Portanto, não perceber isso e tratar tudo o que não está de acordo com as próprias convicções como estupidez (que é o que boa parte dos debatedores teológicos fazem), é sinal claro de fanatismo comum à arena política, além de ser uma demonstração evidente de obtusidade.

Não há relação intelectual sadia com quem age dessa maneira. Pior ainda, essa atitude impede o próprio desenvolvimento da inteligência, pois a desconsideração do argumento adversário, principalmente pela incapacidade de reconhecer nele sua lógica própria, ainda que não concordando com ela, é praticamente a própria definição de ignorância.

A essência do cristianismo

O pensamento cristão foi inundado, durante esses dois mil anos, por discussões que, sem negar a importância delas, não fazem parte do núcleo de sua revelação.

Com isso, com o tempo, o tesouro do cristianismo foi sendo esquecido e hoje são pouquíssimos cristãos que conseguem entender qual é a proposta fundamental dessa religião para o homem.

E essa proposta, o que pode ser surpreendente para muita gente, é absolutamente lógica, racional e objetiva.

O cristianismo é, sim, de uma racionalidade ímpar e de uma lógica incontestável. O que ele propõe faz todo o sentido e é uma resposta perfeitamente adequada ao drama humano fundamental.

É uma pena que os próprios cristãos tenham se confundido no mar de teologias apresentadas e hoje nem eles conseguem ver além de uma grande mixórdia de teorias e práticas.

O que minha filosofia não é

Minha filosofia não é cristã, mas influenciada pelo cristianismo. Não é cristã, mas balizada por ele. Seria cristã se partisse da religião cristã, o que não acontece.
 
Se o que eu penso partisse da doutrina, estaria eu fazendo pura teologia, o que eu não faço. Se minhas conclusões fossem a síntese do ensinamento cristão, não haveria filosofia alguma, só raciocínio doutrinário, o que também não faço.
 
Agora, se tenho o ensinamento cristão como um juiz ou um pedagogo (Clemente de Alexandria), então estou livre para exercer minha filosofia tranquilamente, sabendo que tenho o melhor orientador que o mundo jamais poderia me dar.
 
Não há nisso qualquer pretensão de autonomia, nem negação da fé. Apenas é uma questão de método que, no fim das contas, deságua no mesmo mar eterno.

O erro piedoso dos teólogos do absoluto

Há um tipo de erro de pensamento teológico que se dá por excesso de piedade. Ele ocorre quando, ao se conceber os atributos divinos, tender ao entendimento de que, quanto mais absoluta for essa concepção, mas correta ela será. E é assim que muitos teólogos pensam a soberania de Deus. Raciocinam que imaginar maior autonomia do ser divino significa ser mais piedoso e, pelo contrário, quanto mais se pensa em qualquer tipo de limitação da parte de Deus, mais esse pensamento é blasfemo. Continue Reading

A certeza dos relativistas

Há uma confusão que reside na mente de alguns iluminados que se consideram exemplos de fé inabalável: entender o vacilo do outro como relativismo. Insensibilizados pela própria arrogância e confundidos pela própria ignorância, acusam quem mostra algum tipo de hesitação, tipicamente humana, de serem propagadores de relativismo. No entanto, relativismo não se confunde com dúvidas ou vacilos de fé. Enquanto estes se manifestam por situações relativas à experiência, como algum tipo de frustração ou pessimismo, o relativismo caracteriza-se por uma certeza intelectual: a de que tudo é relativo. Continue Reading