Grandiloquência desnecessária

Escrever algo simples de maneira pomposa é horrível. É a primeira demonstração de que o escritor está tentando esconder algo por detrás da grandiloquência.

Todo excesso indica algum tipo de compensação. Falar sem parar, comer muito, beber demais, parecem sempre dissimular algum tipo de ansiedade, frustração, medo ou neurose.

Na escrita não é diferente. Há também os excessos. Escolhas de palavras fora de uso, estruturações sintáticas desnecessariamente complexas, construções argumentativas obscuras – formas que poderiam ter sido dispensadas em favor de uma linguagem simples e direta.

Obviamente, ser simples não é ser simplório. Um estilo elegante e agradável é sempre bem vindo. O que o escritor deve evitar é tornar complicado algo que não é. Que a complexidade seja fruto da dificuldade do tema, não da afetação do autor.

O texto que privilegia a empolação desfavorece o conteúdo. A escrita pedante não serve para nada, senão acobertar uma mensagem vazia.

A raiz do vitimismo

A sensação de desamparo diante da vida é um sentimento comum. Logo, todos percebemos que a maior parte daquilo que nos envolve não está sob o nosso controle. Também constatamos que nem tudo acontece de acordo com nossos investimentos, nem recebemos conforme nossos méritos.

Isso faz com que muitas situações do cotidiano pareçam ocorrer de maneira contrária aos nossos interesses, contra nossos desejos. E diante dessa constatação, muitas pessoas acabam por concluir que a vida é injusta, que ela não lhes dá as oportunidades devidas, não lhes proporciona o que lhes é merecido e não lhes oferece as chances de acordo com seus esforços.

Disso para sentirem-se vítimas é um passo. Quando a pessoa acredita que a vida não está lhe dando aquilo que ela merece ou que está favorecendo outros enquanto ela é preterida, agir como um injustiçado é uma consequência óbvia.

E esse vitimismo, obviamente, torna a pessoa mais fraca, incapaz de responder aos desafios que as circunstâncias impõem.

O fato é que a vida não é injusta. Na verdade, ela não é justa tampouco. A vida é simplesmente indiferente a você, a mim e a todo o resto. Ela não é um senhor sentado em um trono, distribuindo as recompensas pelos méritos e deméritos. Nem sequer se pode personificar a vida a ponto de querer impor sobre ela qualquer atitude de justiça ou injustiça, pois estas só podem ser praticadas por alguém – e a vida não é ninguém.

Se, portanto, ela não nos recompensa, nem nos pune; se ela segue seu curso independentemente de nós, então há apenas uma atitude inteligente: não esperarmos nada da vida. Se ela não se importa conosco, não há porque nos importarmos com ela.

Isso não é escapismo, nem negação. É apenas uma perspectiva mais sábia diante do descaso por parte da existência. Em vez de nos sentirmos vítimas de alguma injustiça cósmica; em vez de nos vermos como órfãos diante de um mundo mau, melhor é mandarmos qualquer expectativa em relação à vida às favas, assumirmos as rédeas da nossa existência e seguirmos adiante.

Isso não significa que teremos o controle de tudo, nem que conseguiremos traçar o nosso destino. Porém, saberemos que o que acontecer ou deixar de acontecer conosco se dará por decisão nossa, por circunstâncias que envolvem nossa caminhada, por sorte ou azar nosso, como consequência de acertos ou erros nossos.

Assim, afastamos toda vitimização de nossa perspectiva e assumimos que, se há um responsável por nossa vida, somos nós mesmos – para o bem e para o mal.

Chernobyl e a doença burocrática

Quem me conhece sabe a ojeriza que eu tenho da burocracia. Foi ela a principal responsável por eu aposentar o meu trabalho como advogado. Sempre me foi insuportável ter de aguentar as dificuldades e os obstáculos criados por regras inúteis e funcionários públicos trabalhando de má-vontade.

Foi por isso que a série Chernobyl mexeu tanto comigo. Naquela história estão apresentadas todas as doenças do pensamento estatista burocrático e que, no caso, levaram a uma catástrofe que quase afetou o mundo inteiro. Cada cena tocava fundo em minha alma anti-estatista e anti-burocrática.

A série mostra, em todas as expressões e nuances, como a mentalidade burocrática, a crença na tecnocracia, a incompetência técnica, o carreirismo político, os interesses partidários e a fé cega na ideologia tornaram a União Soviética um lugar retrógrado, impedindo seu progresso e, no fim, levando o resto do mundo à beira do Apocalipse.

Não que eu seja ingênuo e acredite que é possível simplesmente afastar o Estado de tudo. O mundo contemporâneo é muito complexo e alguma regulação e burocracia sempre serão necessárias. O problema, porém, é quando o Estado, em vez de atuar apenas onde a sociedade por si só não conseguiu se resolver, se intromete em todas as áreas. Pior ainda quando ele é o controlador de tudo e nada mais pode ser feito sem seu direcionamento e ordem, como acontece nos países comunistas.

O desastre de Chernobyl só atingiu aquela dimensão catastrófica porque havia um Estado soviético obscurantista, tacanha, paquidérmico e imenso por trás.

O sistema centralizado comunista é o prenúncio do desastre. Nada pode funcionar direito nele. Quando a máquina estatal é tão gigantesca, o que vai sempre prevalecer são as brigas por cargos, a busca por vantagens, o desprezo à eficiência e o apadrinhamento político. Isso tudo não apenas favorece, mas acaba por estimular a mentira, o engano e a falsidade. E foi a junção de tudo isso que acarretou o desastre de Chernobyl.

Os erros fatais do socialismo

Livros que mostram, por diversos aspectos, os erros cometidos pelos comunistas há aos montes. A literatura que demonstra, com detalhes e documentações, que o socialismo não deu certo em lugar nenhum e transformou-se em uma chaga para a sociedade é abundante.

Diante disso, podemos nos questionar: o que a obra “Os erros fatais do socialismo”, de Friedrich August von Hayek, teria para acrescentar a essa multidão de informações já existentes?

A originalidade de Hayek está em sua abordagem. Diferente de outros autores, que concentram suas observações, muitas vezes de maneira genial, nos erros cometidos pelos socialistas, ele simplesmente pressupõe esses erros para, então, rastrear suas origens. Seus olhos não estão sobre os equívocos em si, mas nas causas racionais deles. Assim, o pensador austríaco entrega para o leitor uma análise profunda das raízes – muitas delas remotas – do fracasso comunista.

Se eu pudesse sintetizar a idéia central dessa obra grandiosa seria assim: os processos da ordem ampliada – que é como o autor chama a civilização avançada – são complexos e, a primeira vista, indetectáveis. Apenas uma análise profunda de seus mecanismos pode desvelar os procedimentos que ocorrem em seu interior e que são o sustentáculo e o motivo de sua força e prosperidade. Sendo assim, para aqueles que possuem uma visão mecanicista da sociedade e acham, com isso, que podem planejar sua economia, os processos envolvidos no desenvolvimento e sustentação da sociedade são incompreensíveis. Essa incompreensão é a causa primeira dos erros socialistas. Ela é o motivo porque as tentativas de implantação de uma economia planejada, por parte dos revolucionários, nunca dão certo e se transformam em um flagelo para todos.

Nesse trabalho, Hayek, mais do que apresentar fatos, faz uma análise histórico-cultural da civilização, com o objetivo de mostrar que os erros socialistas não são apenas falhas de aplicação, mas equívocos estruturais. Assim, seu livro configura-se numa obra de vulto, com uma profundidade analítica acima da média em comparação com outros que abordam o mesmo tema.

A aplicação da teoria da argumentação de Perelman na política

Chaim Perelman, conhecido por seus estudos sobre argumentação, foi um defensor do diálogo. Forjado intelectualmente nos período do pós-Guerra e testemunha do mal perpetrado pelo pensamento absolutista das ideologias, acreditava na potência humana de implementar o diálogo e chegar a soluções razoáveis.

Por causa disso, muitos de seus comentadores e admiradores têm-no como um expoente da tolerância. Enxergam nele um baluarte da compreensão e até um símbolo da luta contra o autoritarismo dogmático.

Sinceramente, eu não sei dizer se Perelman pode realmente ser considerado tudo isso. Não que ele não acreditasse no poder da argumentação para resolver conflitos. Apenas não sei dizer se ele desenvolveu sua teoria pensando nela como uma arma exequível da disputa política.

Seus escritos sobre argumentação são, antes de tudo, teóricos. São ensinamentos de como é possível, idealmente, desenvolver o raciocínio e apresentar as razões de maneira lógica e persuasiva.

É certo que havia ali a crença de que se todos os envolvidos em um discussão seguissem os princípios apresentados por ele poderiam chegar a conclusões razoáveis. Porém, isso não significa que ele acreditasse que esses princípios poderiam ser colocados, o tempo todo, em prática.

Na verdade, Perelman seria muito ingênuo se acreditasse que sua teoria da argumentação poderia ser usada imediatamente na política. Como a própria teoria informa, para que ela pudesse ser aplicada, seria necessário que as partes estivessem de acordo quanto aos termos e aos objetivos do que estivesse em discussão. Além disso, pressupõe que todos os participantes do diálogo estivessem nele de boa-fé.

Porém, em política, dificilmente há diálogo, mas disputa; boa-fé quase nunca. Sem contar as guerras de narrativas e mentiras criadas deliberadamente para enganar e submeter o adversário. Se Perelman não levasse isso em conta e esperasse que, na política, todos os envolvidos estivessem em busca do razoável, poderia ser considerado uma das pessoas mais tolas que já existiu.

Por isso, não acredito que Perelman não percebesse essa realidade. Entendo apenas que seu objetivo era outro: mais teórico; mais acadêmico. O que o pensador polonês apresentou foi, na verdade, um caminho que, se fosse seguido pelas pessoas, poderia conduzi-las à concórdia e à tolerância. Porém, como toda ideia, sabia que ela, em princípio, era apenas uma teoria. E toda teoria, quando se depara com as tensões da vida real, serve, no máximo, como norte.

Motivações incompreensíveis

Uma das constatações mais fascinantes que a teoria das doze camadas da personalidade, do professor Olavo de Carvalho, faz é a de que as motivações que podem conduzir alguém que se encontra em uma camada superior é completamente incompreensível para quem se encontra em uma camada inferior.

Isso é fascinante porque explica muita coisa do que observamos de nossa vida em comunidade. Como quando, em uma sociedade onde a maioria das pessoas só entende as ações e expressões como resultados de interesses políticos, aquelas que agem movidas por motivações superiores não são compreendidas.

Se o que leva um indivíduo que se encontra em uma camada superior da personalidade a agir é completamente incompreensível para as pessoas que se encontram em uma camada inferior, as motivações dele são colocadas em dúvida e julgadas como cortinas de fumaça para ocultar interesses mesquinhos.

E se na sociedade a quase totalidade de seus membros não amadurece além da camada da personalidade onde o que importa é obter reconhecimento pessoal e ser feliz, agir baseado em motivações típicas de camadas superiores, torna a pessoa não apenas excêntrica, mas suspeita.

Sempre foi assim e, não por acaso, santos e heróis costumam ter um fim trágico, geralmente pelas mãos de quem, primeiro, não os compreendeu para, depois, considerá-los uma ameaça.

O erro de Zizek

Se um argumento tem como premissa uma interpretação equivocada dos fatos, ele está comprometido. Toda a sequência argumentativa pode estar perfeitamente lógica, mas se sua premissa é falsa ela está errada.

Isso foi o que aconteceu com o filósofo Slavoj Zizek, no chamado debate do século que ele teve com o psicólogo Jordan Peterson.

Em sua crítica ao capitalismo, Zizek partiu da premissa que a China é uma das mais pujantes economias capitalistas do mundo, controlada por um poder central forte: o Partido Comunista.

Assim, o filósofo esloveno concluiu que o capitalismo atingiu seu ápice exatamente por meio de um poder centralizador ditatorial – o que seria uma grande ironia.

Na sequência de seu discurso, toda a crítica que Zizek faz ao capitalismo parte dessa conclusão.

Ocorre que essa é uma falsa conclusão. Simplesmente porque parte da premissa equivocada de que a China é uma das maiores economias do mundo.

Na verdade, em valores brutos, isso pode até ser verdade. Em números absolutos a economia chinesa movimenta valores que ultrapassam a maioria dos países.

Porém, isso não quer dizer nada. A China é um dos países mais populosos da terra e está inserido no mercado capitalista internacional, fazendo uso de mão de obra barata, atraindo diversas empresas para seu território, além de lançar nos mercados os seus produtos de qualidade duvidosa.

Porém, considerando a renda per capita – que é o verdadeiro indicador da riqueza de um país – a China, fica entre o 70° e 80° lugares, segundo os melhores índices medidores desses dados.

Assim, o país asiático está longe de ser um dos mais ricos do mundo. É apenas um dos que movimentam mais dinheiro, o que é algo bem diferente. Sua população, porém, apesar de toda a riqueza que vê passando diante de seus olhos, continua pobre.

Sendo assim, toda a argumentação do filósofo Zizek está comprometida e suas conclusões prejudicadas.

É o que dá racionar com premissas mal pensadas e estabelecidas de antemão.

Retorno ao óbvio

Em tempos de construções de narrativas que têm o único objetivo de justificar ideologias – políticas, filosóficas, científicas – e que não se preocupam decididamente com a verdade, é preciso retomar uma racionalidade simples, quase ingênua, que procure ver as coisas, antes de tudo, como elas são.

Uma mente honesta nunca se pergunta, antes de entender o que uma ideia é, se ela é boa ou ruim, benéfica ou prejudicial, útil ou dispensável. Primeiro, busca compreender a essência e só depois disso é que se questiona sobre quais são suas consequências.

Mas quando tudo torna-se disputa ideológica, todo pensamento é julgado pelos objetivos políticos que dele acreditam fluir. Além disso, a própria expressão não tem outro objetivo senão justificar as ideias.

Quando chegamos a esse ponto, quase não se encontra mais espaço para a observação pura, para o entendimento objetivo dos fenômenos e dos pensamentos. E nesse ambiente, perde-se a capacidade de compreensão da realidade, pois tornamo-nos viciados em versões e ficções, e só elas parece que importam.

Não entendemos mais nada e mesmo os intelectuais têm dificuldade de compreender o que acontece e o que as coisas são. Como disse George Orwell, o simples reconhecimento do óbvio está se tornando infelizmente o primeiro dever do homem inteligente.

Como se (não) fossem morrer

Dizem que o certo é viver como se fôssemos morrer amanhã. Sêneca, e depois Montaigne, diziam que viver é exatamente isso: aprender a morrer.

O mártir tornou-se o ideal de conduta. Aquele que despreza a morte o exemplo a ser seguido.

Só que quando eu observo o que a quase totalidade dos homens construiu, percebo que o que os motivou foi algo bem diferente do que a consciência sobre a morte. Fica claro que a energia que encontraram para fazer o que fizeram veio do fato não de viverem como se fossem morrer, mas, pelo contrário, de viverem como se não fossem morrer jamais.

Os homens encontram vontade de fazer as coisas geralmente porque fingem não perceber que a morte está à espreita. É esta ilusão de perpetuidade que os leva a acumular riquezas que não usufruirão, a criar instrumentos que não gozarão, a lutar por causas das quais não tomarão parte dos resultados.

Viver pensando na morte não é errado. Pelo contrário, é o ideal. Mas é algo para santos e heróis. Porém, se todos vivessem assim, como se fossem santos e heróis, o mundo seria um caos.

Comunicação ideal ou ingênua

A busca de uma linguagem conciliadora, que tenha por objetivo o acordo, é o que alguns teóricos entendem como o ideal na política.

Sonham com debates ordeiros e educados, onde todas as partes expõem seus pontos de vista para chegarem a uma espécie de síntese superior a qual todos se submeteriam respeitosamente.

O que esse ideal não conta é com o fato de que, em política, alguns grupos estabelecem a linguagem unicamente como uma arma de guerra. Eles não possuem o discurso como um instrumento para a composição, nem mesmo para o convencimento, mas como recurso para alcançar a vitória sobre seus adversários.

Nesse caso, a possibilidade de composição simplesmente extingui-se.

Pode até parecer bonito e superior ter o consenso como objetivo, mas é absolutamente ingênuo acreditar que isso é possível com quem não está em um diálogo, mas em uma disputa.

Nesse sentido é que eu entendo que a comunicação não-violenta, do Marshall Rosenberg, ou a interpretação sobre a Nova Retórica de Perelman, feita por Mieczyslaw Maneli, podem ser vistas, no máximo, como técnicas de comunicação restritas a circunstâncias muito específicas, mas não servem para orientar a linguagem usada na realidade do cotidiano, principalmente político.